Surdez em tempos de pandemia

Se num adulto activo a falta de ouvido pode implicar muita dificuldade no exercício da profissão e uma perda de oportunidades, na terceira idade constitui factor de maior isolamento.

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Tiago Lopes

Nascer sem audição ou perdê-la ao longo da vida são handicaps com enorme impacto na vida e futuro das pessoas.

A implementação do Rastreio Auditivo Neonatal Universal (RANU) para todos os recém-nascidos veio permitir diagnosticar, logo nos primeiros meses de vida, as formas mais graves de surdez, de forma a permitir uma intervenção e estimulação precoce da zona cerebral auditiva. Se tal não acontecer nos primeiros anos perder-se-á para sempre a possibilidade de desenvolvimento de audição e linguagem.

Por outras palavras, sempre que actuamos por volta do primeiro ano de idade, uma criança que nasceu surda total poderá desenvolver audição e linguagem que, no início da escolaridade, será praticamente igual à de uma normo-ouvinte, caso não tenha outros deficits neurológicos ou cognitivos associados. Desde já poderemos constatar a enorme importância de um correcto diagnóstico e tratamento, permitindo que ao atingir a idade adulta possa desempenhar cabalmente qualquer profissão.

Felizmente que, mesmo em tempo de pandemia, o RANU continuou a ser cumprido e a intervenção precoce realizada, as crianças continuaram a nascer, sendo fulcral que os pais compreendam quão importante é o diagnóstico e a intervenção precoce. Contudo, gostaria de chamar a vossa atenção para o outro extremo da vida, quando a audição se deteriora e impede uma vida profissional e social normal.

Durante a primeira vaga desta terrível doença que atingiu gravemente a humanidade, deixando um rasto de morte e sequelas tão graves, foi necessário implementar medidas de isolamento e confinamento que cortassem as cadeias de transmissão, tentado impedir a propagação do vírus. As pessoas foram desincentivadas a recorrer aos centros de saúde, muitas clínicas encerraram ou ficaram limitadas a teleconsultas e os hospitais suspenderam a sua actividade regular para se dedicarem ao tratamento dos doentes covid-19, mantendo a sua actividade urgente e importante. Tudo isto acarretou que as outras patologias ficassem para segundo plano e a deficiência auditiva não foi excepção.

Se num adulto activo a falta de ouvido pode implicar muita dificuldade no exercício da profissão e uma perda de oportunidades, na terceira idade constitui factor de maior isolamento, levando ao agravamento de outros deficits cognitivos — há múltiplos estudos que demonstram o agravamento de demências em idosos com surdez.

Presentemente, seja através de próteses, seja de dispositivos implantáveis, é possível contornar a grande maioria das perdas graves de audição e proporcionar melhor qualidade de vida àqueles que mais a necessitam.

Felizmente que quando ocorreu a segunda vaga da pandemia, as nossas estruturas de saúde já estavam melhor preparadas, o que permitiu responder a este pico e manter a outra actividade regular, embora se note um grande receio da população em se dirigir aos hospitais. É nesse sentido que gostaria de afirmar que é seguro frequentar as clínicas e hospitais, se todas as normas de segurança forem cumpridas. Não adiem a procura da saúde física e mental, pois só assim se poderá evitar que situações graves se transformem em irremediáveis.

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