Os títulos!

Os títulos devem sintetizar o que está no texto e transmitir uma primeira impressão sólida do seu teor, tanto mais que o leitor nem sempre lê o artigo, ficando apenas com a referida impressão. Errada impressão, neste caso.

O título da edição do PÚBLICO de 12 de Fevereiro de 2021 (pág. 14) “TdC quer saber como voaram 1,3 milhões de euros para os bolsos dos gestores do superior” originou um protesto do leitor José António Sarsfield Cabral, de Matosinhos. “Nesta frase, quer pelo tom, quer pelas palavras que são usadas, está implícito que uma soma apreciável de dinheiro terá sido ardilosamente e perversamente desviada, em benefício próprio, pelos ditos gestores. Ora não é nada disso que o texto da jornalista Ana Henriques, bem como a chamada na primeira página, dá conta!”, escreve o leitor, para quem o título “ficaria muito bem (num) tablóide”.

O provedor enviou a reclamação deste leitor aos jornalistas Ana Henriques, autora do artigo e do título, e Pedro Sales Dias, editor da secção da Sociedade. Pedro Sales Dias entende que “o título reforça a ideia de que a lei em vigor não permite tais pagamentos e sublinha a ideia mais forte das conclusões levadas a cabo pelo TdC”. Ana Henriques, por seu turno, afirma que, “na óptica do tribunal, o dinheiro voou efectivamente para os bolsos dos gestores de forma ilegal” e que “a notícia nunca diz, ao contrário do que refere também o leitor, que foram os gestores a desviar dinheiro em proveito próprio”.

“Como é óbvio”, riposta o leitor, “o meu reparo e indignação não tem que ver com a notícia, cujo conteúdo me parece totalmente correcto, mas sim com os termos que são utilizados no respectivo título”. “Qualquer pessoa comum que se fixe apenas no título intuirá imediatamente que se trata de uma acção fraudulenta de enriquecimento injustificado e ilícito, cujos beneficiários serão os gestores do superior! Se não era este o efeito que pretendia, no mínimo pode concluir-se que a jornalista Ana Henriques não escolheu bem as palavras. E isso não me parece difícil de reconhecer!”

Sem abordar o assunto no plano jurídico – que aqui não está em causa nem se discute –, o problema resume-se à questão de saber se o título está fundamentado no teor do texto. É óbvio que o verbo “voar”, no contexto da frase “TdC quer saber como voaram 1,3 milhões de euros para os bolsos dos gestores do superior”, é utilizado em sentido figurado – desaparecer, sumir – e não está justificado no texto.

Senão vejamos. O editor da secção Sociedade, Pedro Sales Dias, e a jornalista Ana Henriques sublinham a importância da leitura do título “em equilíbrio com o pós-título” e com o corpo do artigo, onde “nunca se diz (…) que foram os gestores a desviar o dinheiro em proveito próprio”. Mas ao defendê-lo nestes termos, os jornalistas acabam, sobretudo, por sublinhar a contradição noticiosa entre um e os outros.

Ora os títulos devem sintetizar o que está no texto e transmitir uma primeira impressão sólida do seu teor, tanto mais que o leitor nem sempre lê o artigo, ficando apenas com a referida impressão. Errada impressão, neste caso. É por isso que, para além dos condicionalismos e dos limites gráficos que lhe são próprios, o título exige clareza e rigor. Ele vale por si. É bom recordar que os títulos podem ser informativos ou incitativos. No caso em apreço, ele pretende misturar os dois géneros. Na prática, tem pouco de informativo, ao mesmo tempo que incita mal, na medida em que induz o leitor em erro.

Em resumo, o provedor considera que, de acordo com o Livro de Estilo do PÚBLICO, a jornalista Ana Henriques e, solidariamente, o editor Pedro Sales Dias não prestaram a devida atenção a uma das regras de construção do título, que “é o elemento central da peça jornalística e tem de funcionar bem por si só, sem ‘muletas'”, bem como ao direito ao bom-nome dos gestores do ensino superior: “Todas as referências a situações desprestigiantes ou desfavoráveis devem ser sustentadas de forma rigorosa, pois provocam sempre danos e prejuízos irreparáveis às pessoas ou entidades envolvidas.”

Mais grave seria, no entanto, se a situação se verificasse na primeira página. Os títulos de primeira página têm uma dupla e redobrada importância. Não só pelo particular relevo que assim adquirem, mas também porque são objecto de uma divulgação televisiva que os faz chegar a dezenas de milhares de telespectadores que nem sempre são leitores do jornal e que, por isso mesmo, retêm apenas a informação que consta no título. Quando essa informação é errada – o que não é, de todo, o caso da primeira página do PÚBLICO em apreço – ela causa um “dano irreparável” ainda maior.

O PÚBLICO e o mundo

Alguns leitores têm-se dirigido ao provedor para assinalar o que consideram ser uma insuficiente cobertura noticiosa, por parte do jornal, de alguns temas importantes da actualidade. É o caso do leitor Pedro de Souza. Escreve ele: “Não se entende por que razão o PÚBLICO não cobre a questão dos contratos de compra de vacinas que não estão a ser honrados pelas farmacêuticas.” Trata-se de um tema “de fundamental importância quando a saúde se instala como mais um terreno da nova Guerra Fria”.

Enviei o protesto do leitor à jornalista Ana Gomes Ferreira, editora do Mundo, a quem pedi um comentário.

“A cobertura das vacinas contra a covid-19 é feita na edição online e no papel, por quatro secções, Mundo, Sociedade, Ciência e Online. (…) Assim, podemos ter um texto sobre a polémica da aquisição das vacinas que inclua também as diferenças entre cada uma delas. Nesse caso estará na Ciência, por exemplo. 

“Quando o texto tem uma abordagem comparativa, remetendo para Portugal ou para a posição portuguesa, sairá na secção da Sociedade. 

“Na edição em papel, e quando o destaque do jornal é sobre a covid-19, esse destaque agrega a maior parte dos textos sobre o tema – incluindo vacinas –, pelo que nada ou pouco surgirá nas secções. (…)

 “Uma consulta por vacinas no site do PÚBLICO permite ler todas as notícias sobre o tema, de todas as secções; são muitas e com diversas abordagens.”

A resposta da editora do Mundo tem o mérito de esclarecer não só a questão da cobertura noticiosa das vacinas, mas também várias dúvidas da mesma natureza, sobre outros temas, por vezes colocadas ao provedor pelos leitores.

Uma outra sugestão do leitor Pedro de Souza vai no sentido de o PÚBLICO criar “uma secção de resumo da imprensa mundial” que aborde, “embora de forma sumária”, as grandes questões da actualidade. “De contrário”, considera o leitor, “o jornal fica muito paroquial e obriga-nos à leitura da imprensa estrangeira”.

Troquei impressões sobre esta sugestão com a jornalista Ana Gomes Ferreira e também com o jornalista António Rodrigues, co-editor da redacção do Mundo, que a consideram pouco exequível. Ainda assim, e embora reformulando a sugestão do leitor, o provedor deixa à consideração da Direcção Editorial do PÚBLICO a possibilidade de o jornal ter uma coluna ou rubrica semanal que espelhe a opinião – e só a opinião de outros jornais e revistas de referência sobre as questões que marcam a actualidade (a nova política de Biden para com a UE, o projecto de um “passaporte” para os vacinados contra a covid-19, a chegada da Perseverance a Marte…) – à semelhança, aliás, do que alguns deles fazem.

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