É preciso tempo para combater desigualdades na Ciência

Se aumentar o número de submissões de artigos científicos é um desafio maior, diminuir as desigualdades na submissão de projectos científicos e não hipotecar o desenvolvimento das carreiras das investigadoras nacionais é uma obrigação.

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O país pós-pandémico adivinha-se mais pobre, em crise social e económica, com demasiadas famílias sem rendimento e o futuro de uma geração de jovens em risco devido a meses consecutivos sem aulas presenciais. Sobre este último ponto muito se tem discutido e o documento Crianças em Portugal e ensino à distância: um retrato, elaborado por um grupo de investigadores e professores da Nova School of Business and Economics, é um bom exemplo da realidade nacional e dos desafios do ensino à distância. Todas estas são questões maiores, mas há outras igualmente importantes que têm merecido menos atenção.

Ainda durante o primeiro confinamento, em Abril de 2020, chegaram os primeiros artigos, primeiro de opinião e depois com dados, sobre o impacto do confinamento nas carreiras académicas das mulheres. O estudo preliminar publicado na Nature estimou o número de artigos científicos submetidos a revistas internacionais entre 15 de Março a 15 de Abril de 2020 e para isso usou duas bases de dados populares para a partilha destas submissões. Usando como base o mesmo período de 2019, os resultados revelam um crescimento menor do número de submissões de trabalhos em que uma mulher é primeira autora, ou co-autora, quando comparado com o número de submissões em que todos os co-autores são homens.

Vale a pena fazer uma nota. Março e Abril correspondem aos dois meses do primeiro confinamento mais ou menos global. Este é um período demasiado curto para avaliar o verdadeiro impacto que estes meses de confinamento tiveram. A publicação de artigos científicos em revistas internacionais leva tempo e é bem provável que grande parte dos trabalhos publicados nesse intervalo de tempo tenha sido realizada durante o ano anterior.

Quase um ano passado e as notícias não são mais animadoras. Desta vez, um artigo publicado na revista Science, que compila informação de outros trabalhos, revela que as investigadoras mães de filhos tiveram em média uma redução de 33% do tempo dedicado à investigação em relação a investigadoras sem filhos ou investigadores. Um efeito que se agrava quanto mais novo for o filho. Mas não é só o número de publicações e de horas dedicadas à investigação que preocupa, é também o número de projectos científicos submetidos a agências financiadoras. Os dados apontam que também neste parâmetro o mesmo grupo seja prejudicado. Imagino eu que os resultados devam ser semelhantes para investigadores e investigadoras com famílias monoparentais.

E porque é que estes números interessam? A evolução da carreira de um investigador, ou professor universitário, depende essencialmente do número de publicações científicas em revistas internacionais e de projectos de investigação em que participa e, mais importante, que lidera. É aliás um sistema em que as duas dimensões se auto-alimentam: quanto maior o número de publicações científicas maior a probabilidade de ganhar projectos de investigação e vice-versa. As mulheres partem frequentemente em desvantagem, já que o início de uma carreira académica, para além da precariedade usual, coincide muitas vezes com o nascimento de filhos, criando um fosso entre homens e mulheres no início da carreira e que é difícil mitigar no futuro.

Agora nós. Que seja do meu conhecimento não existe nenhum estudo sobre o impacto dos períodos de confinamento no número de submissões de artigos e propostas de projectos científicos, mas também não há nenhum indicador que nos permita inferir que somos diferentes da tendência mundial. Se aumentar o número de submissões de artigos científicos é um desafio maior, diminuir as desigualdades na submissão de projectos científicos e não hipotecar o desenvolvimento das carreiras das investigadoras nacionais é uma obrigação.

A Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) tem, desde 28 de Janeiro, um concurso aberto para a submissão de propostas de projectos em todos os domínios científicos que termina a 10 de Março. O financiamento obtido neste tipo de concursos é muito importante para a continuidade de equipas de investigação e garante, ou devia garantir, o planeamento e a investigação a longo prazo. É certo que o calendário do concurso é conhecido desde o final do ano de 2019, mas criar uma proposta de projecto vencedora implica coordenar uma equipa entre várias instituições nacionais e internacionais e leva meses. O investigador responsável pelo desenvolvimento e escrita da proposta necessita de tempo e um período de submissão em pleno confinamento com crianças em casa não augura nada de positivo. A FCT parece irredutível em manter o período de candidatura inalterado, mas sem o alargamento deste prazo corremos o risco de muitas propostas não saírem da gaveta, agravar desigualdades entre investigadoras e investigadores e empobrecer um sistema que na sua natureza já é frágil.

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