Provedora da Justiça envia lei dos independentes para o Tribunal Constitucional

Em menos de 24 horas, o Tribunal Constitucional recebeu dois diplomas para avaliar: um para fiscalização preventiva e outro para sucessiva.

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Maria Lúcia Amaral, provedora Rui Gaudencio

A provedora da Justiça, Maria Lúcia Amaral, informou nesta sexta-feira que enviou a Lei Eleitoral Autárquica, que foi revista em Julho de 2020 para introduzir novas restrições às candidaturas de cidadãos independentes, para ser fiscalizada abstrata e sucessivamente pelo Tribunal Constitucional. É o segundo diploma, em menos de 24 horas, enviado para avaliação dos juízes do Palácio Ratton (o outro foi o da eutanásia).

“A provedora de Justiça enviou ao Tribunal Constitucional o pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos n.ºs 4 e 5 do artigo 19.º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, na redacção que lhe foi dada pela Lei Orgânica n.º 1-A/2020, de 21 de Agosto”, lê-se na nota publicada no site da provedoria.

No requerimento de 25 páginas, disponível na mesma página da Internet, Maria Lúcia Amaral pede ao Tribunal Constitucional que dê “prioridade” à apreciação da inconstitucionalidade de alguns preceitos da lei, nomeadamente os que têm a ver com as assinaturas, com as listas aos diferentes órgãos autárquicos e com os nomes e siglas das candidaturas de cidadãos independentes.

Da nova lei resulta que um mesmo grupo de cidadãos não pode “apresentar a candidatura, simultaneamente, a órgãos municipais e as assembleias de freguesia do mesmo concelho”. Para que isso fosse possível, a lista de proponentes teria de ser "exactamente idêntica na candidatura apresentada a cada um dos órgãos", o que não é permitido por lei, já que os proponentes “devem fazer prova de recenseamento na área da autarquia a cujo órgão respeita a candidatura”. Isto significa que, se um subscritor reside numa freguesia, não pode subscrever a candidatura à freguesia do lado.

A provedora considera que “o legislador condiciona fortemente as dinâmicas de constituição dos grupos de cidadãos eleitores" e acrescenta que limita também “o conteúdo das suas mensagens, a escolha dos temas a eleger, a definição das prioridades políticas e da estratégia eleitoral a seguir e, finalmente, o próprio envolvimento dos cidadãos na propositura de candidaturas, com a consequente mobilização do eleitorado por ocasião de uma dada eleição”.

Não existe razão de interesse público

Para a provedora, “não existe qualquer razão de interesse público que legitime” a limitação “de apresentação simultânea de candidaturas” a diferentes órgãos por parte do mesmo movimento. “O regime em vigor será, na realidade, manifestamente lesivo do interesse público, pela desnecessária burocratização do processo eleitoral, quer na fase propositura quer na fase do próprio contencioso eleitoral”, escreve.

Maria Lúcia Amaral conclui ainda que esta burocratização "consubstancia uma restrição desproporcional do direito dos cidadãos de tomar parte da vida política e na direcção dos assuntos públicos do país”, que é um dos argumentos que repete várias vezes no requerimento. E reconhece que as mudanças aprovadas pelos partidos em Julho “não podem ser meras alterações cirúrgicas tendo, bem pelo contrário, implicações sistémicas não irrelevantes de natureza juridico-constitucional”.

A provedora não vislumbra como é que a lei em vigor poderá contribuir para uma maior clarificação entre movimentos e partidos, tal como prometia no seu preâmbulo, considerando que essa dúvida já não existia, mesmo à luz da lei aprovada em 1997.

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