O interior é o futuro do país

Não houve, ao longo destes últimos anos, um razoável projecto de reanimação do interior. Não houve uma estratégia eficaz que permitisse dar um novo fôlego as estas aldeias e vilas que tanto têm a oferecer à economia e cultura portuguesas.

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Paulo Pimenta

O interior e o seu despovoamento não são nada de novo. Assistimos a estes últimos quase vinte anos a um progressivo e acentuado abandono das aldeias e vilas que se situam da raia com a Espanha até à fronteira com a Estremadura e à Área Metropolitana do Porto. Os dados confirmam esta tendência. Podemos visualizar, segundo os últimos Censos efectuados entre 2001 e 2011 pelo Instituto Nacional de Estatística, a rapidez da desocupação destas regiões e localidades.

Para se ter algum entendimento sobre o assunto, estamos a falar, por exemplo, de casos como o das seguintes freguesias:
1) Sarzedo (freguesia incluída, devido à última reforma administrativa de 2013, na União de Freguesias de Sarzedo e Teixoso) passou de cerca de 175 pessoas em 2001 para 130 pessoas em 2011;
2) Monsanto (freguesia incluída, devido à última reforma administrativa de 2013, na União de Freguesias de Monsanto e Idanha-a-Nova) passou de cerca de 1160 pessoas em 2001 para 829 pessoas em 2011;
3) Rabal (freguesia do concelho de Bragança) passou de cerca de 196 pessoas em 2001 para 171 pessoas em 2011;
4) Lalim (freguesia do concelho de Lamego) passou de cerca de 912 pessoas em 2001 para 729 pessoas em 2011 (esta freguesia, segundo os dados da própria junta, teve o seu pico populacional cerca dos anos de 1950 e tem vindo a decair desde então);
5) Cepos (freguesia incluída, devido à última reforma administrativa de 2013, na União de Freguesias de Cepos e Teixeira) passou de cerca de 174 pessoas em 2001 para cerca de 135 pessoas em 2011.

Esta circunstância anunciada é uma realidade das freguesias e concelhos de toda a região Centro até ao interior. Podemos deduzir que de 2011 a 2020 os números provavelmente reduziram ainda mais devido a alguns factores como o da falta de oferta laboral e o número de óbitos.

As soluções que se encontraram para colmatar estes problemas foram o da reorganização administrativa. Como se esta atitude de gabinete fosse resolver alguma coisa. Passados quase oito anos desde a elaboração e consequente aplicação desta reforma, os resultados foram insuficientes, para não dizer inertes. Não houve, ao longo destes últimos anos, um razoável projecto de reanimação do interior. Não houve uma estratégia eficaz que permitisse dar um novo fôlego as estas aldeias e vilas que tanto têm a oferecer à economia e cultura portuguesas.

O individualismo colocou-se à frente dos interesses do colectivo, da nação. E, segundo esta lógica, é impensável direccionar as empresas para as regiões que compõem o interior. Para os defensores desta ideia é a empresa que tem de decidir onde quer ficar, mesmo que isso afecte o país e o coloque a andar a duas velocidades diferentes: o litoral numa velocidade incomparavelmente mais alta que o interior. Este princípio político-filosófico é um dos fundamentos do desequilíbrio demográfico que já analisamos de forma muita concisa.

Com o interior cada vez mais despovoado, a quebra da qualidade de vida é uma realidade. Pois, com o sobrepovoamento do litoral o desemprego vai ser cada vez maior, ao contrário do que um certo sector da sociedade portuguesa afirma: os utópicos defensores do laissez-faire. A economia não se vai regular a ela mesma, vai, pelo contrário, despedaçar a vida da população portuguesa. Com um maior número de trabalhadores (ou colaboradores como hoje se diz), qualquer um serve. Não importa se concorda ou discorda da remuneração que lhe oferecem: é o que existe. É o que a empresa pode dar. É a justificação para a política do baixo salário. A lógica de que mais população a trabalhar cria mais riqueza é, portanto, uma percepção, é irreal.

Existe, por isso, mais mão-de-obra para pouca oferta com remuneração aceitável dentro dos modelos salariais dos outros Estados-membros da União Europeia. O que obriga a uma competição animalesca entre as pessoas por um melhor trabalho. Quem manda é a empresa e não o Estado, o indivíduo e não o colectivo, a economia e não a política, o irracional e não o bom senso.

Um programa empresarial ajustado às necessidades do interior do país e uma rede cultural bem estruturada podem ser, por um lado, o meio mais eficaz para a melhoria da qualidade de vida e, por outro, o combate ao paulatino despovoamento.

O Centro e a fronteira do nosso país é abundante em património histórico e cultural. Tenhamos em consideração os numerosos castelos, palácios, palacetes, moradias de personalidades notáveis dos concelhos, vestígios arqueológicos romanos e islâmicos. Com esta quantidade de património, era possível conceber-se um vasto programa de implantação cultural no interior promovido pelo Estado português, em parceria com as empresas que se quisessem juntar à causa. A dinamização cultural permanente passaria por itinerários que dão a conhecer a História do nosso país, através dos municípios do interior; pela realização de festas de índole histórica (festas romanas, feiras medievais - cristãs e muçulmanas -, quinhentistas, seiscentistas, setecentistas e oitocentistas, tendo como consultores destas actividades indivíduos formados na área); um maior estímulo e incentivo dos museus municipais; festas de celebração da vida e obra dos escritores que nasceram nestas regiões; apoio e valorização das artes e artesanato das pessoas destas aldeias e vilas.

Concomitantemente, a vida destas regiões ganharia ainda mais intensidade se as empresas - as novas multinacionais que se quisessem estabelecer em Portugal - fossem ali colocadas. Ao se instalarem no interior, tinham que se tornar apelativas, oferecendo remunerações justas dentro do quadro europeu. Assim, era possível haver uma mudança de mentalidade: as empresas colocariam como centro do seu trabalho o indivíduo e as famílias e não exclusivamente o dinheiro. E ao fazerem isso estariam a lucrar duplamente, uma vez que mais pessoas as procurariam.

O caminho para a real prosperidade humana e económica é esta: identificar o problema do subdesenvolvimento de Portugal. O país não pode avançar em duas velocidades diferentes: o interior, mais do que uma causa, tem que ser promessa. Uma promessa de uma vida melhor para quem quer viver e trabalhar em Portugal.

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