Passageiros retidos no Brasil: “Fomos completamente abandonados”

Há centenas de pessoas que foram apanhadas pela suspensão dos voos e não conseguem regressar. Petição dirigida ao Governo português já vai em quase 800 assinaturas. Pessoas em risco de perder o emprego e mães “desesperadas” por causa de consulta dos filhos escrevem a pedir “ajuda urgente”. Ministério dos Negócios Estrangeiros não responde quando fará voo de repatriamento.

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Foram várias as histórias que chegaram nas últimas 24 horas de portugueses e brasileiros à espera de saber quando podem regressar a Portugal Rui Gaudêncio

Manuel, 64 anos, foi ao Brasil gozar as férias com a família e vai ficar mais de um mês além do planeado. Arrisca perder o emprego. Três amigas dentistas foram a São Paulo em trabalho e estão retidas — uma não tem quem faça a gestão do seu consultório. Tatiane, que se descreve como “uma mãe desesperada”, precisa “de regressar urgente” por causa dos filhos que têm consultas de acompanhamento — e do seu emprego, que teme perder. 

Portugueses e brasileiros retidos no Brasil; portugueses e brasileiros retidos em Portugal. Em sequência do prolongamento da suspensão dos voos até pelo menos até 1 de Março, há centenas de pessoas que foram apanhadas pelo fecho de fronteiras e não conseguem regressar ao país onde vivem. 

Com a perspectiva de o Governo português poder vir a realizar um voo humanitário do Brasil para Portugal, noticiada esta segunda-feira pelo PÚBLICO, foram várias as histórias que chegaram nas últimas 24 horas de portugueses e brasileiros à espera de saber quando podem regressar a Portugal. Há quem peça: “Preciso de ajuda urgente”. 

Certo é que a situação levou ao lançamento de uma petição online dirigida ao Governo português — Retorno de cidadãos portugueses e de residentes em Portugal retidos no estrangeiro — que ia em quase 770 assinaturas esta terça-feira à tarde.

Num dos emails enviados ao PÚBLICO, uma leitora, que foi ao Brasil por “questões familiares” e está “sem poder regressar ao trabalho e a casa”, comentava: “Preciso unir-me à petição para aumentar esta voz e termos mais chances de regresso”.

A suspensão de voos entre Portugal e o Brasil entrou em vigor a 29 de Janeiro, durava até 14 de Fevereiro, mas foi prolongada até 1 de Março. O mesmo aconteceu com as viagens aéreas entre Portugal e o Reino Unido.

Na segunda-feira, questionado sobre se ponderava fazer um voo de repatriamento, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) disse ao PÚBLICO estar a recolher informação indispensável sobre as situações de emergência sofridas por “portugueses não residentes” que “justifiquem a realização de voo humanitário”. Esta terça-feira de manhã, o MNE disse que não tinha nada a acrescentar. Não respondeu se já há data prevista ou estimada de voo de repatriamento do Brasil para Portugal; quantos voos serão organizados, se os brasileiros residentes em Portugal também podem vir nesses voos. Também não deu qualquer resposta sobre o que o Governo planeia fazer nos casos em que os portugueses estão sem apoio financeiro e numa situação económica difícil. Não há resposta sobre quantos portugueses estão retidos no Brasil. 

Ao PÚBLICO, o consulado brasileiro em Portugal disse que não está previsto voo de repatriamento no sentido inverso e aconselha os cidadãos brasileiros a procurarem rotas alternativas.

Passageiros criticam Governo

As histórias repetem-se, com dramas diferentes. 

Já Eliane Vilas Boas e outras duas médicas dentistas (Bruna Esteves e Ana Silva), que foram fazer uma formação de trabalho a São Paulo, queixam-se de terem sido “completamente abandonadas pelas nossas autoridades.” “Não conseguimos obter qualquer tipo de ajuda por parte do Consulado” ou da TAP. “Nada! Recebemos como resposta, um email automático, que refere para comprarmos voo, por nossa conta. É desumano. Tenho os meus filhos e o meu marido em Portugal, tenho os meus pais idosos a precisar de mim. Tenho a minha clínica sem médica para atender os meus pacientes”, enumera. “Para não falar que estou sujeita a ir à falência!” E critica: “A missão maior de um Governo e de um Embaixador é defender e proteger os seus cidadãos. Onde está essa missão quando dela necessitamos?” 

As críticas ao Governo continuam. Manuel tinha planeado regressar das férias em Janeiro, mas testou positivo à covid-19, teve que esperar e quando ia apanhar voo de regresso já era tarde demais. Irá ficar mais de um mês fora do planeado no Brasil. “Com esta situação estou em risco de perder o emprego, e vou viver de quê se não tive culpa desta situação?” Não pode gastar dinheiro em voos alternativos como recomendava o consulado português, desabafa. Apela: “Preciso de ajuda urgente”. 

Paulo, também português, contactou o consulado português em São Paulo, que lhe recomendou “fazer um voo com escala”. Com regresso marcado para 31 de Janeiro, adiado para 17 de Fevereiro e depois para “supostamente dia 7 de Março”, acusa o consulado de não se ter “mostrado nem prestável, nem interessado na situação dos portugueses aqui retidos”. “Felizmente encontro-me numa situação confortável onde não estou a pagar alojamento e consigo estar a trabalhar remotamente”, comenta. No entanto, se precisasse, “seria um factor extremamente desmotivante”.

A alternativa destes passageiros seria apanhar voos para outros países, mas nem todos têm capacidade financeira para o fazer. Os reembolsos de companhias como a TAP estão a demorar meses, queixam-se vários passageiros — a companhia não responde ao PÚBLICO sobre quanto tempo estão, de facto, a levar os reembolsos; diz que se podem remarcar os voos ou pedir um voucher em alternativa. 

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