Vereador de Lisboa que recebeu vacina demite-se após mal-estar nos serviços

Vacinação do vereador e de vários dirigentes causou agitação entre os trabalhadores municipais. Carlos Castro recebeu a dose no seu gabinete.

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Carlos Castro, à direita, ao lado do vereador do Urbanismo Nuno Ferreira Santos

Demitiu-se esta terça-feira o vereador da Protecção Civil da Câmara de Lisboa, Carlos Castro, que foi vacinado contra a covid-19 com sobras das vacinas destinadas aos lares da cidade.

“Serão remetidos às autoridades competentes todos os elementos apurados relativos à participação da Protecção Civil no processo de vacinação dos lares para avaliação externa e independente dos mesmos”, indica a câmara em comunicado. Os pelouros da Protecção Civil, do Desporto e da Higiene Urbana, que estavam nas mãos de Carlos Castro, passarão a ser assumidos pelo vereador Miguel Gaspar, que já é responsável pelas pastas da Mobilidade, da Economia e da Segurança.

O vereador da Protecção Civil, a directora municipal de Higiene Urbana, assim como chefias da Polícia Municipal e do Regimento de Sapadores Bombeiros foram vacinados com as sobras das vacinas que estavam destinadas aos lares, confirmou na passada quinta-feira o PÚBLICO junto de fonte oficial do município. A informação foi avançada pela revista Sábado, mas o próprio município já a tinha revelado à agência Lusa num balanço sobre a vacinação nas estruturas residenciais para idosos e portadores de deficiência no passado dia 9.

No comunicado divulgado esta terça-feira, o presidente da câmara “reitera a confiança no comandante do Regimento de Sapadores Bombeiros, no comandante da Polícia Municipal e na directora municipal de Higiene Urbana, cuja vacinação decorreu por determinação de superior hierárquico e na convicção do cumprimento de todas as normas”.

De acordo com informações recolhidas pelo PÚBLICO, tanto o vereador como algumas das restantes pessoas foram vacinadas nos seus gabinetes, a 18 de Janeiro.

Carlos Castro divulgou entretanto no seu Facebook a carta de demissão que apresentou a Fernando Medina, na qual diz que as notícias da sua vacinação e dos seus subordinados “causaram mal-estar em vários serviços do município”, mas onde também defende a opção tomada. A responsabilidade da vacinação dos dirigentes municipais é da minha inteira responsabilidade, pois são pessoas, que dependendo directamente de mim, como é o caso do Regimento de Sapadores Bombeiros e da Higiene Urbana, ou coordenando directamente comigo o trabalho no terreno, como a Polícia Municipal, são essenciais na estrutura municipal e indispensáveis no dispositivo de resposta à pandemia”, escreveu o ex-vereador.

Vítor Reis, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa, que na semana passada emitiu um comunicado a lamentar este episódio, diz ter recebido queixas de vários sectores camarários. “É motivo de comentário, causa alguma estupefacção”, diz o sindicalista. “Com toda a polémica que existe, os responsáveis tomarem uma decisão destas afecta o moral das tropas”, comenta Vítor Reis.

Uma fonte com conhecimento do assunto afirma ter-se tratado de “uma imprudência” que está a agitar sobretudo bombeiros, cuja vacinação começou na semana passada, e trabalhadores da Higiene Urbana, que ainda não receberam qualquer vacina.

Segundo explicou a câmara na semana passada ao PÚBLICO, da primeira toma da vacina sobraram 126 doses, uma média de 18 por dia, uma vez que “há circunstâncias só conhecidas ao longo do próprio dia de vacinação que impedem a vacinação da pessoa prevista”, como por exemplo a existência de “novos casos positivos (individuais ou surtos), doença, tratamento médico ou medicamentoso por causas diversas, hospitalizações, óbitos, etc.”.

Foram ministradas 26 doses a elementos das equipas envolvidas directamente na operação de vacinação nos lares: 15 enfermeiros e oito elementos da Protecção Civil municipal, entre os quais o vereador Carlos Castro. E também três elementos do departamento de Higiene Urbana, entre os quais a sua directora, Filipa Penedos, “envolvidos no processo de recolha das seringas utilizadas na vacinação”. As restantes 100 doses que sobraram foram dadas ao comandante e ao subcomandante do Regimento de Sapadores Bombeiros, ao comandante e subcomandante da Polícia Municipal, a 56 bombeiros voluntários e a 42 agentes da Polícia Municipal.

De acordo com a autarquia, foram contactadas as autoridades de saúde para saber que destino dar às doses que sobravam e as determinações foram no sentido de “garantir o aproveitamento total das doses existentes”, vacinando em primeiro lugar “todos os profissionais da linha da frente envolvidos na operação de vacinação”, passando depois para a vacinação dos “grupos da primeira fase de prioridade como os bombeiros e polícias”.

Nunca quis beneficiar de nada, nem prejudicar ninguém. Não houve nenhuma pessoa de um lar da cidade, utente ou profissional, a quem ficou por dar uma vacina. Restaram sobras, para as quais as palavras dos delegados de saúde eram, e são, objectivas: ‘não se desperdiçam vacinas'”, escreveu o ex-vereador na sua carta de demissão.

O PSD, que na semana passada já tinha pedido a demissão de Carlos Castro, congratulou-se com este desfecho. Desde a primeira hora considerámos que deixara de ter condições para se manter em funções, por não ser aceitável que o vereador, assim como a directora municipal de Higiene Urbana e os comandantes do Regimento de Sapadores Bombeiros e da Polícia Municipal, tenham sido privilegiados no processo de vacinação por ‘inerência’ dos cargos​”, escreveu Luís Newton, líder da concelhia social-democrata em comunicado.

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