Governo pondera repatriamento de portugueses do Brasil. Consulado brasileiro aconselha rota alternativa

Ministério dos Negócios Estrangeiros diz que está a “recolher a informação indispensável para verificar as situações de emergência sofridas por nacionais portugueses não residentes” no Brasil. Já o consulado brasileiro diz que não há previsão de voo de repatriamento para o Brasil. Há pessoas com a vida suspensa nos dois países.

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Voos entre Portugal e o Brasil vão estar suspensos pelo menos até 1 de Março Nuno Ferreira Santos

Depois de ter prolongado a suspensão dos voos até pelo menos até 1 de Março, o Governo português está agora a ponderar uma operação de repatriamento de portugueses não residentes no Brasil que querem regressar a Portugal.

Fonte oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) afirmou ao PÚBLICO que os serviços consulares portugueses no Brasil “estão a recolher a informação indispensável para verificar as situações de emergência sofridas por nacionais portugueses não residentes nesse país, as quais justifiquem a realização de voo humanitário”.

O PÚBLICO questionou o Governo sobre as situações que envolvem cidadãos brasileiros com residência em Portugal, mas não obteve resposta até ao momento.

Já o Consulado do Brasil em Portugal diz, em comunicado, que não está previsto voo de repatriação no sentido inverso e aconselha os cidadãos brasileiros a procurarem rotas alternativas.

A mesma fonte do MNE refere que o despacho de suspensão também permite, “naturalmente, a realização de voos de repatriamento de cidadãos brasileiros que se encontrem em Portugal”, mas que essa não é uma competência do Governo português.

A suspensão de voos entre Portugal e o Brasil por causa da nova variante de covid-19 entrou em vigor a 29 de Janeiro e durava até 14 de Fevereiro mas foi prolongada até 1 de Março. O mesmo aconteceu com as viagens aéreas entre Portugal e o Reino Unido. A 5 de Fevereiro, conforme noticiou o PÚBLICO, tanto Portugal como o Brasil descartavam a hipótese de voos de repatriamento.

O MNE diz que foi a actual situação pandémica que “obrigou à prorrogação da suspensão de voos entre Portugal e o Brasil” e que “esta medida será levantada assim que a situação epidemiológica o permitir”. Da mesma forma, o Ministério da Administração Interna (MAI) não dá uma previsão de retoma dos voos comerciais com o Brasil e refere apenas que antes de terminar a suspensão a situação será reavaliada.

“Faço hoje 40 anos, estou retida, sozinha, afastada do meu filho”

A 5 de Fevereiro, uma petição pública intitulada “Retorno de cidadãos portugueses e de residentes em Portugal retidos no estrangeiro” e dirigida ao Governo português, contava com 229 assinaturas. Ao início da tarde desta segunda-feira eram já 677.

Com origem no Brasil, a petição pede ao executivo que “ajude os cidadãos portugueses e os estrangeiros residentes em Portugal a regressar a Portugal”.

“Muitas destas pessoas retidas fora do seu país natal ou de residência estão com problemas em manter alojamento e outras despesas básicas nos países onde se encontram retidos. Muitas famílias estão separadas, muitas pessoas anseiam voltar a casa e rever os seus cônjuges, filhos e familiares próximos. Muitas destas pessoas precisam de voltar, mesmo que de forma online, aos seus trabalhos e às suas escolas em Portugal”, lê-se na petição.

A petição foi lançada por Catarina Miranda, uma cidadã portuguesa que, com a sua família, residiu no Brasil nos últimos anos. A suspensão dos voos apanhou-a a meio das mudanças, quando voltou sozinha para este país com o objectivo de trazer os seus dois cães.

“Fiquei cá retida e tenho a minha criança em Portugal. Faço hoje 40 anos, vim por necessidade, estou sozinha, afastada do meu filho. É uma situação muito difícil. Sou portuguesa, tenho o bilhete de volta comprado (agora com data em aberto) pela TAP, tenho estado à espera que me dêem a possibilidade de fazer a viagem”, contou por email ao PÚBLICO.

Catarina Miranda diz que, até agora, o Governo português não lhe deu “soluções satisfatórias”. O conselho foi procurar “rotas alternativas por outros países”.

Só que, refere, “há pessoas que já perderam o voo de regresso inicial, compraram uma viagem por uma rota alternativa, e já perderam também essa viagem devido ao fecho da circulação de mais países”. Mesmo essa possibilidade implica “correr riscos acrescidos em plena pandemia, e gastar muito dinheiro em bilhetes exageradamente caros devido à grande procura”. Com uma agravante, explica: “Fingindo que não vimos do Brasil”.

Ao todo, Catarina Miranda diz que conhece “mais de 160 pessoas em situações semelhantes”, incluindo “grávidas sozinhas e prestes a ter que ter as crianças no Brasil”, pessoas “que estão a ser despedidas dos seus trabalhos por falta de comparência”, “mães e pais separados dos filhos”, e pessoas “que precisam com urgência de voltar para apoiar familiares doentes”. “São muitas situações realmente trágicas”, sublinha, explicando que foi por isso que criou a petição.

Ao PÚBLICO, chegaram também relatos de cidadãos brasileiros que estão retidos no seu país de origem e em dificuldades uma vez que que não conseguem voltar para Portugal, onde têm o seu emprego.

“Ninguém quer favor, a gente comprou passagem”

Do lado de cá, há também centenas de brasileiros em Portugal à espera de regressar. Foi criado um grupo de WhatsApp que contava com cerca de 300 membros até esta segunda-feira, conta Flaviana Leite, 42 anos, que tinha voo marcado para o dia 30 de Janeiro de ida para o Brasil. Esse voo foi remarcado para dia 15, esta segunda-feira, mas também não descolou.

A viver em Portugal há três anos Flaviana Leite detectou um cancro na tiróide que tem de ser removido “com urgência”. Não arranjou data para operação no Serviço Nacional de Saúde; a família brasileira conseguiu marcar-lhe uma consulta com um especialista e ela preferiu então retornar com os dois filhos, de oito e de 12 anos, já que não sabia quanto tempo iria durar a recuperação. Comprou apenas bilhetes de ida. A esta altura era suposto já ter feito essa consulta no Brasil, mas continua em Tavira a tentar perceber como fazer com os dois filhos que já nem sequer estão a ter aulas porque os retirou da escola.

Era também suposto ter saído da casa onde mora. Não sabe se irá embarcar no voo que foi remarcado para início de Março. “Você faz toda uma rota na sua vida: o dinheiro não é muito e você calcula tudo para chegar naquele dia e não ficar a dever nada a ninguém”, lamenta ao PÚBLICO, confessando estar nervosa.

Também Luciano Medeiros — professor de Física na Universidade Fluminense que veio há um ano para Portugal fazer um pós-doutoramento e voltaria a dar aulas no início de Março no Rio de Janeiro — diz sentir-se “preso” em Portugal. “O Governo que revoga o estado de emergência nem pensa nos brasileiros que estão a querer retornar ao seu país, nem nos portugueses que querem voltar. Há pessoas que estão sem casa para morar. Muitas deixaram o emprego e as suas casas. A minha esposa pegou um ano de licença para ficar aqui comigo e já tinha que estar a trabalhar. Tenho filho menor que está sem estudar. Me sinto no limbo”, desabafa.

E critica o consulado do Brasil que “não dá resposta”: “Estou a tentar contactar desde dia 28 de Janeiro, a única coisa que dizem é para procurarmos alternativas. Mas não tenho mais 2200 euros para comprar novas passagens. Ninguém quer favor, a gente comprou passagem”, diz.

Segundo a TAP, os passageiros podem remarcar as viagens, pedir vouchers ou pedir reembolso. Luciano comenta: “Basta uma rápida pesquisa na página do Facebook da TAP para verificar que existem relatos de pessoas que estão desde Março, Abril, Julho, etc. tentando o reembolso e até agora não conseguiram”. Contactada pelo PÚBLICO, a TAP ainda não respondeu sobre quanto tempo estão a levar a pagar o reembolso.

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