A “partilha” após o fim da união de facto

Quando um dos membros da união adquiriu património apenas em seu nome, como pode o outro membro do casal, que não tem qualquer direito a tais bens, ser compensado?

Apesar de, rigorosamente, a união de facto não ser considerada, de acordo com o constante do artigo 36.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, como relação de família, a verdade é que, nos dias de hoje, é uma das formas mais utilizadas para o estabelecimento de relações familiares.

A lei tem vindo a, cada vez mais, conferir efeitos à união de facto, seja ao nível da proteção social, seja ao nível da proteção civil.

Com efeito, atualmente, a união de facto é reconhecida e protegida, seja durante a sua vigência, seja após o seu término, conferindo-se direitos resultantes da cessação da mesma aos seus membros.

Neste particular, e a título de exemplo, enfatizamos a proteção que é conferida à casa de morada de família em caso de cessação da união de facto, seja por separação, seja por morte de um dos membros da união.

Também no que respeita à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos de famílias unidas de facto, a equiparação à situação de filhos de pais unidos pelo casamento é total.

Já no que respeita à partilha do património adquirido pelos membros do casal, no decurso da união, não se pode, rigorosamente, falar em partilha de um acervo comum de bens.

Assim, existindo uma união de facto, e existindo bens adquiridos durante o tempo em que a união de facto durou, aquisição essa feita em compropriedade, aquando da sua cessação e para efeitos de repartição do que houver, terá que, caso não exista acordo quanto a essa repartição, intentar-se ação de divisão de coisa comum.

Mas quando um dos membros da união adquiriu património apenas em seu nome tendo-o feito, por exemplo, porque os rendimentos resultantes do trabalho de ambos o permitiu, como pode o outro membro do casal, que não tem qualquer direito a tais bens, ser compensado?

O entendimento doutrinário é que o pode fazer através de uma de duas formas:

  • ou através do recurso a uma ação de liquidação do património adquirido através do esforço comum, o que deverá ser efetuado, sempre que os necessários pressupostos se verifiquem, recorrendo aos princípios da liquidação das sociedades de facto;
  • ou através do recurso a uma ação declarativa de condenação, por enriquecimento sem causa.

Nesta segunda possibilidade, o membro da união que se considera prejudicado por ter participado na aquisição de bens a que não tem legalmente direito pode pedir que o outro (que adquiriu os bens) seja condenado a reembolsá-lo, na justa medida em que se enriqueceu, à custa do seu correspondente empobrecimento.

A figura do enriquecimento sem causa está prevista nos artigos 473.º, 474.º e 479.º, n.º 1 do Código Civil e determina a obrigação de restituir, por parte de quem se enriqueceu, a quem, por causa desse enriquecimento, se empobreceu.

Tem sido entendimento constante da jurisprudência dos Tribunais Superiores (tanto dos Tribunais da Relação como do Supremo Tribunal de Justiça) que a figura do enriquecimento sem causa se aplica à proteção dos interesses do membro da união de facto cessada que se viu empobrecido, desde que fique demonstrado que o património de um dos membros da união foi incrementado à custa do outro membro da união sem que, para tal, exista justificação.

Assim, existindo uma situação de união de facto, na qual, a determinada altura, os membros da união decidam adquirir património, seja conjunta, seja separadamente, importa, por forma a evitar problemas futuros, acautelar da forma mais clara possível a forma com esse património será repartido, entre ambos, em caso de cessação da união.

Advogadas na Rogério Alves & Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL

As autoras escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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