Com mais de dez mil cópias do vírus numa zaragatoa é-se mais contagioso

Cientista português iniciou em Junho de 2020 um projecto em que utiliza modelos matemáticos sobre a disseminação do vírus dentro do indivíduo infectado com SARS-CoV-2 para quantificar a sua carga viral ao longo do tempo.

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Partículas do coronavírus SARS-CoV-2 (a azul) DR

O Laboratório Nacional de Los Alamos, nos Estados Unidos, tem alguns dos computadores mais rápidos do mundo. Ao ter um grande poder de supercomputação, vários projectos do laboratório estão a usar modelos estatísticos e matemáticos para agregar dados experimentais, clínicos e epidemiológicos para perceber melhor o coronavírus SARS-CoV-2. Um desses trabalhos é liderado pelo português Ruy Ribeiro: a sua equipa criou modelos para quantificar a dinâmica do vírus no hospedeiro – nós. Até agora, viu-se que as pessoas infectadas podem contagiar mais quando a sua carga viral tem acima de 10.000 cópias do vírus na zaragatoa dos testes.

Há vários projectos de modelação do SARS-CoV-2 a decorrer no Laboratório Nacional de Los Alamos e as equipas tem trabalhado em conjunto. Uns tentam compreender melhor a disseminação do vírus na população e outros exploraram a evolução do vírus e a sua dinâmica de replicação dentro de uma pessoa que está infectada. “Estes projectos envolvem dezenas de cientistas do laboratório com colaborações externas [com outras instituições]”, descreve ao PÚBLICO Ruy Ribeiro. “O objectivo principal é ter uma visão completa e integrada da dinâmica do vírus em múltiplas escalas da molecular à epidemiológica.”

O que se está concretamente a fazer? Com o grande poder de supercomputação no laboratório, usam-se modelos estatísticos e matemáticos para integrar dados experimentais, clínicos e epidemiológicos para entender melhor o vírus. No projecto de Ruy Ribeiro utilizam-se modelos matemáticos sobre a disseminação do vírus dentro do indivíduo infectado para quantificar a carga viral ao longo do tempo. “Com esses modelos, podemos depois tentar perceber quando é que uma pessoa é mais infecciosa durante as suas múltiplas fases da infecção”, explica o cientista português.

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Ruy Ribeiro DR

Já foram desenvolvidos modelos que quantificam o comportamento do vírus dentro da pessoa infectada tanto no aparelho respiratório superior como no inferior. E já se sugeriram modelos para ligar a quantificação da carga viral com a probabilidade de uma pessoa ser infecciosa antes e depois dos sintomas. Até agora, percebeu-se que as pessoas serão mais infecciosas quando a sua carga viral está acima de 10.000 cópias do vírus na zaragatoa dos testes de PCR. Tendo esta carga viral ou maior, caso uma pessoa não seja isolada (e isto vai depender de pessoa para pessoa), 15 a 30% da sua infecciosidade total acontecerá antes dos sintomas. O resto da infecciosidade virá a seguir aos sintomas. “Se a pessoa for isolada, toda a capacidade de transmissão ocorreu antes, porque a pessoa deixou de se expor a outras pessoas”, ressalva.

Qual pode ser o contributo destes modelos? Podem ser usados para definir protocolos de testagem na população que sejam mais eficazes, o que inclui tanto os testes de PCR como os testes rápidos. “Estes testes rápidos podem não ser tão sensíveis, mas podem ser feitos mais vezes, são mais baratos e podem detectar os casos numa fase mais crítica para a transmissão [porque a carga viral é maior].” Uma das questões em aberto (e que a equipa quer estudar) é sobre qual é a associação da carga viral à gravidade da doença.

A carga viral e os antivirais

Também já se analisou o efeito na carga viral do tratamento com medicamentos antivirais, como o remdesivir. Para isso, a equipa de Ruy Ribeiro introduziu diferentes tratamentos num modelo para ver se algum deles pode ajudar o sistema imunitário a lutar contra o vírus. Com este modelo, observou-se que o remdesivir pode, de facto, ajudar doentes com sintomas ligeiros a recuperar mais depressa.

Contudo, o tratamento tem de começar muito cedo no processo – estima-se que tenha de ser usado quase logo no primeiro dia da infecção para ter um efeito na carga viral. Caso fosse dado ao terceiro dia, viu-se no modelo que havia pouco ou nenhum benefício no tratamento dos doentes, isto é, no efeito na carga viral. “Analisámos o efeito na carga viral do tratamento com terapias antivirais e concluímos que só há um efeito importante se o tratamento for iniciado muito cedo”, reforça o investigador.

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Laboratório Nacional de Los Alamos DR

Ruy Ribeiro destaca que este trabalho ainda está a ser analisado por outros cientistas e que ainda “não está validado, seguindo as normas científicas usuais”. “Mas continuamos a desenvolver este tipo de modelos.” Para já, os resultados destes modelos ainda não permitem dizer qual o efeito dos antivirais na gravidade da doença.

A equipa está ainda a quantificar a replicação do vírus dentro do hospedeiro. Afinal, cada vez que o coronavírus SARS-CoV-2 se replica há a probabilidade de ganhar mutações genéticas (o que faz parte do seu ciclo natural). Isto pode influenciar a capacidade de surgirem resistências a medicamentos ou às vacinas. “[A capacidade de acumular mutações] parece ser menor do que, por exemplo, no caso da gripe”, indica Ruy Ribeiro, assinalando que se tem vindo a verificar que a taxa de mutação do SARS-CoV-2 dentro do hospedeiro parece ser inferior à dos vírus da gripe. “Os detalhes da quantificação [nos nossos modelos] estão a ser trabalhados”, ressalva o cientista. 

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