Testes rápidos devem ser “gratuitos ou de fácil acesso”, propõe epidemiologista

Manuel Carmo Gomes defende um aumento da testagem de forma a detectar os casos de infecção precocemente e diz que população deve ser incentivada a fazer os testes. Ministra concorda com esta estratégia.

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Daniel Rocha

Portugal já conseguiu com rapidez chegar a um índice de transmissibilidade (Rt) da infecção pelo novo coronavírus abaixo de 1, mas continua com uma taxa de positividade dos testes de diagnóstico que ronda agora os 15% e com uma média diária de novos casos ainda muito elevada. O epidemiologista Manuel Carmo Gomes, um dos peritos que aconselha o Governo nas reuniões do Infarmed, é peremptório: a decisão de desconfinar deve ser tomada olhando para estes três indicadores. Se já atingimos um dos objectivos  - “um  Rt abaixo de 1,1” -, falta reduzir a taxa de positividade dos testes de diagnóstico para um valor inferior a 10%, “no mínimo”, e baixar a incidência para uma média de menos de 2 mil novos casos por dia, sublinha o professor de Epidemiologia da Faculdade de Ciências de Lisboa. 

Para o epidemiologista, não é fácil, assim, precisar quando deve terminar o confinamento. Esta terça-feira, na reunião do Infarmed, o que Carmo Gomes sugeriu foi que se respeitem estas três “linhas vermelhas”, barreiras objectivas acima das quais temos que estar confinados. E, se a incidência continuará a baixar ao longo dos próximos dias, será preciso mudar de estratégia e apostar na testagem em massa de forma a apanhar os casos de infecção precocemente, cortar as cadeias de transmissão e reduzir a taxa de positividade dos testes, preconiza. “Penso que a testagem é a arma principal que devemos usar e não o confinamento”, enfatizou.

Como é que isto se faz? Apostando sobretudo mais nos testes rápidos de antigénio, como fez a Dinamarca, ao mesmo tempo que se continua a realizar testes de diagnóstico PCR, explicou ao PÚBLICO. A diferença é que “os primeiros são mais baratos e dão resultados em poucas horas”. Por isso, defendeu, os testes rápidos devem ser “gratuitos ou de fácil acesso” e deve ser promovida a sua utilização junto da população, “que deve ser incentivada a acorrer à testagem”.

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Mas não há um limite para o número de testes diários que é possível fazer em Portugal? O que a ministra da Saúde tem dito é que o problema não reside no número de testes, mas sim no seguimento a dar aos casos de infecção detectados, o que implica reforçar os recursos humanos dedicados ao rastreio de contactos, recorda Carmo Gomes. “Eu pergunto: o que é mais barato? Investir nisso a sério ou continuarmos fechados durante semanas?”.

Na reunião do Infarmed, a intervenção de Carmo Gomes - que deixa a partir de agora de fazer parte do painel de especialistas para ter mais tempo para de dedicar ao trabalho na Comissão Técnica de Vacinação da Direcção-Geral da Saúde (DGS) - foi muito contundente e crítica. O professor de epidemiologia considerou que as medidas têm sido adoptadas com atraso pelo Governo, numa tentativa de “andar atrás da epidemia”, o que tem contribuído para dividir a opinião pública sobre as restrições adequadas para conter o crescimento dos novos casos.

 “A forma como temos vindo a lidar com a epidemia consiste em ler os indicadores – que normalmente chegam com sete dias de atraso –, adoptar medidas em resposta que parecem ser as adequadas à situação; depois, levamos uma semana a 15 dias para ver o resultado das medidas, normalmente as medidas não são suficientes e continuamos nisto”, criticou. E resumiu: o que o passado prova é que a estratégia de “medidas gradualistas” adoptada pelo Governo se tem revelado “ineficaz”.

Mas só o Ministério da Saúde é que pode definir as fronteiras a partir das quais é possível desconfinar: “Temos que nos entender quanto ao número de novos casos, de hospitalizações e de internamentos em cuidados intensivos que permitam prestar assistência aos doentes com covid-19 e não comprometer a assistência aos outros doentes. E isso tem que ser dito pelo Ministério da Saúde”.

Confinados até meados de Março?

Os peritos que têm vindo a aconselhar o Governo não vêem, de resto, outra alternativa se não a de continuarmos confinados durante mais tempo, até meados de Março, como especificou mesmo Baltazar Nunes, epidemiologista do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Insa).

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O especialista revelou que o Insa estudou três cenários de confinamento, de 30, 45 e 60 dias. Mas o cenário de confinamento de dois meses, de 15 de Janeiro a 15 de Março, é o que produz maiores efeitos. “Os modelos matemáticos dizem-nos que precisamos de manter estas medidas por dois meses para trazer o número de camas ocupadas cuidados intensivos abaixo das 200 e a incidência acumulada abaixo dos 60 casos por 100 mil habitantes”, frisou.

Baltazar Nunes também deu boas notícias, a de que o Rt nos últimos cinco dias analisados (de 30 de Janeiro a 3 de Fevereiro) era então de 0,82, e a de que a redução se observou perto do dia em que as medidas restritivas começaram a ser aplicadas. O pior já ficou para trás: o pico da incidência ocorreu a 29 de Janeiro, segundo André Peralta Santos, da DGS, e o da mortalidade, que aumentou três vezes face ao ao máximo de Dezembro, terá sido atingido na primeira semana deste mês. 

Para o presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, Henrique Barros, os dados provam que as medidas do confinamento mais leve também estavam a mostrar alguma eficácia, mas será necessário analisar outras variáveis, como a do efeito da temperatura e a heterogeneidade das taxas de letalidade nas diferentes regiões do país. Henrique Barros analisou o efeito da vacinação nos internamentos e na mortalidade e concluiu que, se a operação ocorrer como está previsto, “salvamos 3500 vidas até ao fim de Setembro”.

“Um desconfinamento não deverá acontecer nos próximos 15 dias ou um mês”, disse ao PÚBLICO Carla Nunes, directora da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, que apresentou os resultados de dois estudos na reunião. Um deles prova que houve um substancial aumento da confiança nas vacinas e o outro indica que Portugal está em quarto lugar, num grupo de sete países, no número de anos de vida potencialmente perdidos por 10 mil habitantes, que é de 39,82. Este valor resulta da soma de todos os anos potencialmente perdidos por todos os que morreram em idades abaixo da esperança média de vida.

No final da reunião, a ministra da Saúde assumiu que apoia a estratégia da testagem massiva e voltou a anunciar que vai pedir à DGS que redefina o critério dos testes para os alargar a todos os contactos, seja qual for o grau de risco, ao contrário do que acontece actualmente.

com Cláudia Carvalho Silva

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