Atraso na distribuição de vacinas: “Os processos tecnológicos não se compadecem com a nossa ambição”, diz o presidente da Apifarma

Ouvido na Comissão Eventual para o acompanhamento da aplicação das medidas de resposta à pandemia da doença covid-19 e do processo de recuperação económica e social, o presidente da Apifarma defendeu ainda que se deve avançar para a testagem maciça e regular, para que a economia possa retomar alguma normalidade.

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Fabricar a vacina contra a covid-19 em grande escala é extremamente complexo e essa é a razão para os atrasos na sua distribuição, referiu o presidente da Apifarma Nuno Ferreira Santos

Houve excesso de “ambição” da Comissão Europeia e da indústria farmacêutica no momento de contratualizarem a disponibilização de vacinas contra a covid-19, e por isso é que estamos a assistir a um atraso na entrega das doses acordadas. O que não aconteceria, provavelmente, se a Europa não tivesse “descentralizado uma série de actividades que a deixaram com deficiências estratégicas em matérias fundamentais”. Os argumentos do presidente da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), João Almeida Lopes, foram apresentados esta terça-feira na Comissão Eventual para o acompanhamento da aplicação das medidas de resposta à pandemia da doença covid-19 e do processo de recuperação económica e social.

Na intervenção inicial, e ainda antes de ser questionado pelos membros da comissão sobre o porquê de as vacinas não estarem a ser entregues à velocidade e na quantia previamente contratualizada, João Almeida Lopes explicou que, apesar do facto “notável e extraordinário” de se ter conseguido desenvolver vacinas para a covid-19 em menos de um ano, estamos perante “processos biotecnológicos extremamente complexos” que não são compatíveis com a necessidade de entregar, num prazo apertado, milhões de vacinas que cumpram todos os critérios de segurança e eficácia exigidos. “A esta escala, as vacinas não são todas feitas nas mesmas unidades, isso seria impossível. Há que descentralizar para diversas fábricas, em diversos países e nem sempre corre bem à primeira tentativa. De alguma maneira, é a isto que temos assistido. Em alguns casos as coisas correm bem, noutros não”, disse o presidente da Apifarma, resumindo: “Os processos tecnológicos não se compadecem com a nossa ambição.”

A boa notícia é que, afirmou, este processo “será cada vez mais optimizado”; a má é que, na probabilidade de enfrentarmos outra pandemia a médio prazo, e a menos que algo mude, a maior parte dos países da União Europeia não terá capacidade de resposta ao nível de produção. “Todas estas matérias teriam com certeza um desfecho mais positivo se o excesso de globalização em que vivíamos não tivesse levado a uma deslocalização de uma série de actividades na Europa que a deixaram, e a Portugal, em deficiência estratégica nestas matérias fundamentais”, disse. Para contrariar esta situação, deixou uma receita: “Se calhar faz sentido que, com os fundos de resiliência, Portugal acautele o seu futuro a médio prazo. Mas estamos sempre a falar de investimentos que terão de ser feitos para o futuro, nada se consegue fazer de um dia para o outro”, defendeu o representante da indústria farmacêutica no país, avisando: “Nenhum de nós sabe se daqui a um ano ou dois não aparece outra covid.” 

Ainda sobre as vacinas, e numa resposta à deputada socialista Hortense Martins, João de Almeida Lopes disse que não ficaria “chocado” se outras vacinas, como a russa, fossem avaliadas pela Agência Europeia do Medicamento para poderem ser também utilizadas nos países da UE. “A questão é suficientemente grave para tentarmos ir por todos os caminhos que permitam atalhar um pouco esta tragédia. Não podemos desprezar uma única possibilidade”, afirmou.

E, também por isso, o líder da Apifarma salientou que o combate à pandemia não se pode ficar apenas pela vacinação — que, afirmou ainda, poderá passar pela administração das vacinas nas farmácias se o poder político assim o entender. João Almeida Lopes insistiu na necessidade de se avançar para a “testagem maciça, com regularidade” e de se continuar a investir no tratamento da covid-19, com o desenvolvimento de novos medicamentos ou o reposicionamento de outros já existentes no mercado. “A massificação dos testes, como ainda hoje [terça-feira] o senhor primeiro-ministro referiu, é fundamental para que possamos isolar e tratar convenientemente as pessoas que testam positivo, mantendo tanto quanto possível os que estão saudáveis e não contaminados, a trabalhar, porque os danos numa economia que não funciona são dramáticos”, defendeu.

Nesta matéria, o presidente da Apifarma diz que “não há qualquer problema” com a disponibilidade dos testes, pelo que em espaços como escolas ou empresas se deveria avançar para uma testagem regular, com uma periodicidade semanal ou quinzenal. Já sobre o tratamento à doença que dizimou milhões de pessoas em todo o mundo, desde que foi identificada há pouco mais de um ano na China, o representante dos farmacêuticos insistiu que há ainda muito a fazer. “As vacinas vão melhorar dia a dia, lote a lote, semana a semana. Mas há outras terapêuticas e faz todo o sentido incentivar a procura de novas soluções, novos medicamentos ou reposicionar medicamentos mais antigos, que possam dar uma ajuda ao tratamento da covid enquanto as vacinas não estão ao alcance de toda a população.”

Na mensagem de despedida aos membros da comissão, João Almeida Santos insistiu na necessidade de se retomar, tanto quanto possível, a actividade assistencial aos doentes que têm patologias diversas da covid-19. “Neste momento, praticamente todos os profissionais de saúde estão vacinados e isto é uma razão soberana para recuperarmos a actividade assistencial. Porque é preciso não esquecer que as pessoas que têm outras patologias também morrem. Deixaram de se fazer exames, intervenções cirúrgicas, mamografias, rastreios oncológicos. Se não recuperarmos rapidamente, vamos sofrer consequências de maneira muito gravosa”, alertou.

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