João Lourenço tem “uma revolução latente em Angola” e pode acabar como Marcelo Caetano

Para Rui Santos Verde, investigador angolano em Oxford, tentar “reformar por dentro” um regime é um risco muito grande para quem conduz as reformas e a sorte do Presidente angolano pode vir a ser a mesma do último chefe do Estado Novo ou de Mikhail Gorbatchov na União Soviética.

Foto
Ampe Rogério/LUSA

O investigador do Centro de Estudos Africanos da Universidade de Oxford Rui Santos Verde considerou hoje que há uma “revolução latente” em Angola, que poderá ser controlada até às eleições, mas que pode vir a tornar-se “um perigo” para o Presidente João Lourenço e para o MPLA depois das eleições.

João Lourenço “está a tentar reformar por dentro, e essa é a pior reforma”, afirma o também investigador não residente na Universidade de Joanesburgo e professor convidado do Institute of Indian Management-Research. 

Para Rui Santos Verde, a posição do Presidente da República de Angola, João Lourenço, neste momento, é comparável à de um Marcelo Caetano, no final do período de ditadura em Portugal, ou mesmo de Mikhail Gorbatchov, quando levou a cabo as reformas que acabaram por pôr fim ao regime da União Soviética.

Reformar por dentro “é sempre difícil, sobretudo quando se inicia a abertura, porque a abertura vira-se contra quem abre, como aconteceu com o Marcelo Caetano, como aconteceu com o Gorbachov”, sublinhou.

“Muitas vezes é mais fácil fazer uma revolução, mandam-se embora os que lá estão, vêm os novos e não há cumplicidades com o passado”, explicou.

O Presidente angolano “está a tentar evitar a revolução, que está latente. Basta andar nas ruas de Luanda, basta sentir o que o povo diz e está latente”. O problema maior “não vai residir tanto na eleição 

Rui Verde acredita que o problema maior para João Lourenço “não vai residir tanto na eleição – ​o MPLA está habituado a ganhar eleições –, o problema residirá possivelmente no pós-eleição, isto é, se as pessoas vão aceitar ou não o resultado” eleitoral. “Aí será o momento mais chave ou perigoso”, frisou.

Não quer com isso dizer, nem faz qualquer sentido, que João Lourenço não se recandidate, apesar de todos os perigos para o chefe de Estado, “porque só agora começou o trabalho” e “isto de desmantelar e reestruturar os últimos anos, pelo menos desde 2002, é um trabalho que demora pelo menos dez anos”, frisou.

A questão é se a sua vitória será aceite, a nível interno e externo, porque os resultados das próximas eleições em Angola “vão ter de ser legitimadas internamente e externamente”.

O antecessor de João Lourenço na Presidência de Angola, José Eduardo dos Santos seguiu uma política de “não se interessar muito com o que dizia o exterior. Se os americanos não se interessavam por o que ele fazia, ia ter com os chineses, se estes não gostavam ia ter com os russos”, considerou.

Agora, João Lourenço, pelo contrário, “procurou criar novas redes, pediu adesão do país à Commonwealth, faz parte da Francophonie , como observador, portanto está a querer dar mais atenção ao que o mundo exterior diz”.

Perdida a expectativa e esvaziado o balão do entusiasmo, sobretudo depois de em 2018 ter começado “com as grandes demissões”, que levaram a população a galvanizar-se “mesmo sem comida”, veio a desilusão e o descontentamento com a política económica e a austeridade imposta pelo Fundo Monetário Internacional. 

“Essas políticas, são, como sabemos contraccionistas, isto é, acentuam as recessões, porque têm de se subir os impostos, diminuir a despesa”, o que levou o Governo a apertar o cinto e “apertou bastante”, afirmou Rui Verde, que é director de investigação do CEDESA, grupo de académicos que estuda assuntos económicos e políticos da África Austral, nomeadamente de Angola.

Mas é normal que antes das eleições, o Presidente acabe por aliviar um pouco o cinto, de modo a diminuir a impopularidade das suas políticas e mobilizar o eleitorado para votar no MPLA.

“Há folga orçamental para isso”, afirmou, porque a dívida foi “razoavelmente bem negociada” com a China, “a base tributária angolana foi efectivamente alargada e ainda há o dinheiro do fundo soberano, que está a ser utilizado no PIM, uma espécie de plano de investimento municipal, que tem sido gerido um bocado atabalhoadamente, mas acredito que vai ser gerido com mais atenção”.

Portanto, defendeu, “há folga orçamental para neste ano e meio João Lourenço poder dar um empurrão para a população ficar minimamente confiante”.

Por outro lado, “é muito provável” que o famoso plano de combate à corrupção possa ser acelerado, para que se apresentem resultados.

“Há processos a chegar ao fim e outros que terão de começar, como os mais importantes, ligados ao Manuel Vicente, ao Kopelipa [o general Hélder Vieira Dias], Dino [o general Leopoldino do Nascimento] que têm de ter um desenlace. Não podem estar em banho-maria o tempo inteiro. Portanto, é possível que a parte do combate à corrupção tenha uma forte aceleração”, afirmou Rui Santos Verde.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários