Portugal desaconselha vacina da AstraZeneca a maiores de 65 anos

Norma da DGS refere que, “até novos dados estarem disponíveis”, a vacina da AstraZeneca e da Universidade de Oxford “deve ser preferencialmente utilizada para pessoas com 65 anos ou menos”. A norma vai obrigar a uma maior eficácia da forma como a vacina é administrada, diz Miguel Castanho, investigador do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa.

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Vacina da AstraZeneca Reuters/PETER CZIBORRA

A menos que seja a única opção disponível, Portugal desaconselha a aplicação da vacina da AstraZeneca a pessoas com mais de 65 anos, de acordo com uma norma da Direcção-Geral da Saúde, publicada nesta segunda-feira. Especialistas alertam para a necessidade de que as vacinas sejam “administradas às pessoas mais adequadas”. 

A vacina da AstraZeneca pode ser usada em pessoas maiores de 18 anos como prevenção da covid-19, contudo, “até novos dados estarem disponíveis”, “deve ser preferencialmente utilizada para pessoas com 65 anos ou menos”, lê-se no documento assinado pela directora-geral da Saúde, Graça Freitas.

Esta fórmula deve ser evitada a menos que seja a única opção para inocular um idoso, conforme se lê: “Em nenhuma situação deve a vacinação de uma pessoa com 65 ou mais anos ser atrasada se só estiver disponível” a vacina da AstraZeneca.

As duas doses da vacina da AstraZeneca devem ser aplicadas com um intervalo de 12 semanas. “Se houver atraso em relação à data marcada para a segunda dose, ou, por qualquer intercorrência, não puder ser administrada a segunda dose, a mesma será administrada logo que possível”, assinala o mesmo documento. A única situação em que não deve ser administrada uma segunda dose é quando a pessoa a imunizar já teve covid-19 ou há uma infecção por SARS-CoV-2 (o vírus que causa a doença covid-19) após a toma da primeira dose.

Tal como já acontecia com a vacina da Pfizer, esta vacina é desaconselhada a pessoas que tenham uma “história de hipersensibilidade à substância activa ou a qualquer um dos excipientes” ou “história de reacção anafiláctica a uma dose anterior”. 

No mesmo documento, assinala-se que as pessoas devem esperar pelo menos 30 minutos no local onde foram vacinadas, para despistar possíveis reacções: “Após procedimentos clínicos, como a vacinação, existe a possibilidade de lipotimia com eventual queda (principalmente em adolescentes e adultos) ou, muito raramente, reacção anafiláctica. Por estas razões, as pessoas devem aguardar, na posição sentada ou deitada, pelo menos 30 minutos antes de abandonar o local onde foram vacinadas.”

Não há dados sobre a administração desta vacina em grávidas, pelo que a DGS recomenda que seja aplicada “se os benefícios esperados ultrapassarem os potenciais riscos para a mulher”. Quem está a amamentar (e pertence ao grupo de risco) deve ser vacinada, sem prejuízo para a amamentação e sem efeitos adversos conhecidos na criança.

Portugal recebeu no domingo o primeiro lote de 43.200 vacinas do consórcio AstraZeneca-Oxford, a terceira contra o novo coronavírus a chegar ao país, depois da da Pfizer e da Moderna.

Vacinas devem ser geridas por forma “a serem administradas às pessoas mais adequadas”

Para Miguel Castanho, investigador do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa e professor catedrático na Faculdade de Medicina da mesma universidade, esta decisão da DGS é “sensata”, “vem na linha do que já decidiram outros países e é coerente com o que já se sabe há muito tempo”: que tinham sido incluídas poucas pessoas com mais de 55 anos nos primeiros ensaios com esta vacina.

As únicas dúvidas que tem são mesmo sobre a ressalva de se vacinarem maiores de 65 anos caso seja a única vacina disponível: “Temos outras vacinas disponíveis. Pode haver falhas no fornecimento de outras vacinas, mas temos outras vacinas e, em breve, espera-se que tenhamos também a da Johnson&Jonhson”, argumenta, acrescentando que a vacina da AstraZeneca também “não vai abundar”.

“Temos de ter uma noção muito realística, prática e fria. A vacinação em si é importante, mas se as vacinas não forem eficazes, a vacinação não é muito produtiva, não contribui muito para a imunidade de grupo e não dá uma garantia total para a pessoa mais idosa. Quanto mais eficaz for a vacina, melhor para a pessoa e melhor para o objectivo global da imunidade de grupo”, sublinha. “Mesmo do ponto de vista prático, deve ser feito um esforço de gestão de vacinas de modo que sejam administradas às pessoas mais adequadas.”

Não tendo conhecimento acerca da forma como esta decisão pode afectar o plano de vacinação, Miguel Castanho afirma que a “euforia inicial que se vivia no Verão passado” com a vacina de Oxford resultou em planos de vacinação, um pouco por toda a Europa, feitos à medida dessa vacina e “muito dependentes dela”, por se pensar que ia ser a primeira a estar disponível em grandes quantidades. Agora, é provável que se estejam a rever esses planos.

“Eu imagino que os planos de vacinação estejam neste momento a precisar de ser revistos, face ao que se sabe da eficácia e da falha de compromisso do fornecimento. Imagino que os países estejam a replanear com os dados que têm, e suponho que Portugal não será excepção”, afirma.

As recomendações dizem que se deve esperar 12 semanas entre as duas doses da vacina, algo que o especialista acredita que se deve respeitar: “O plano de vacinação, mais do que correr depressa, tem de correr bem”, justifica. “Não conta tanto como começa, mas como acaba: tem de acabar com uma grande parte da população imunizada. Não é só vacinada, é imunizada. Estamos mais protegidos se nos mantivermos dentro do plano, à luz do que é conhecido. Não vamos perder o norte só porque estamos num comboio a alta velocidade. É uma situação que exige muitos cuidados. Precisamente por causa disso não podemos perder o pé, mas compreendo que outras pessoas nesta situação possam decidir de outra forma.”

O PÚBLICO tentou contactar o vice-almirante Gouveia e Melo, responsável pelo programa de vacinação contra a covid-19 em Portugal, mas ainda não obteve resposta.

“Temos de estar à frente” das novas variantes

Sobre a eficácia das vacinas já aprovadas face às novas variantes, Miguel Castanho recomenda atenção e cautela. Com as notícias que chegam da África do Sul (que desaconselhou esta vacina por não a achar eficaz contra a variante encontrada no país), o especialista em vacinas ouvido pelo PÚBLICO considera que esta decisão é “consistente com os dados preliminares que apontavam para uma diminuição substancial da eficácia da vacina para esta variante”. “Isto é um alerta geral para não subestimar o aparecimento de novas variantes e não sobrestimar a capacidade das vacinas.”

“Temos de estar à frente do vírus. Creio que o mais importante neste momento era estar a discutir se o fornecimento dos novos lotes de vacinas que ainda vão ser fabricados não deviam já ser lotes actualizados para as novas variantes que se conhecem, até porque muitas delas têm alguns pontos em comum, e, portanto, a adaptação das vacinas para essas características comuns faria sentido. Era algo que, por exemplo, a União Europeia talvez devesse estar a exigir neste momento aos fabricantes”, considera.

Portugal não é o primeiro país do mundo a desaconselhar esta vacina aos mais idosos. Países como Espanha, França, Alemanha, Polónia, Áustria, Suécia, Itália e Países Baixos decidiram não recomendar esta vacina a maiores de 65 anos por considerarem que não há provas de que seja eficaz nesta faixa etária.

Em Espanha, por exemplo, justificou-se esta decisão pelo facto de não haver uma amostra suficientemente grande de pessoas com mais de 65 anos nos ensaios clínicos da vacina para que se possam tirar conclusões sobre a sua eficácia. A grande maioria dos participantes tinha menos de 65 anos.

Já a Suíça decidiu que não vai aprovar esta vacina — seja para os mais jovens ou para os mais velhos.

No Reino Unido, esta vacina está a ser distribuída junto de todos os grupos. De acordo com a agência Reuters, a agência reguladora britânica recebeu mais dados sobre os ensaios que permitem concluir que a vacina desenvolvida em conjunto com a Universidade de Oxford é eficaz nos mais velhos, que desenvolvem respostas imunitárias fortes.

Decisão de Portugal é “completamente legítima”

“A decisão de Portugal é completamente legítima. A Agência Europeia de Medicamentos dá autorização para a vacina, mas não uma recomendação ou obrigação do seu uso”, comentou o eurodeputado alemão Peter Liese, numa conferência da Comissão do Ambiente e Saúde Pública do Parlamento Europeu nesta segunda-feira, em resposta a uma pergunta de um jornalista português sobre a decisão de desaconselhar a vacina da AstraZeneca aos maiores de 65 anos.

“Se um país tiver muita gente mais jovem num grupo prioritário – por exemplo, trabalhadores de saúde –, é completamente adequado. Cada Estado-membro da União Europeia deve estabelecer as prioridades do seu programa de vacinação”, comentou o deputado do Partido Popular Europeu. “Concordo plenamente, cada país deve ter as suas prioridades nacionais. Devemos é pressionar as empresas farmacêuticas para ter cada vez mais dados”, completou a eurodeputada sueca Jytte Guteland, do grupo dos Socialistas e Democratas.

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