As crianças não são robots

Se, há um ano, tudo era novo e desconhecido, temos agora um conjunto de aprendizagens que vão seguramente ajudar-nos a enfrentar os desafios que temos pela frente. Esta é uma boa notícia. Mas temos ao mesmo tempo crianças e jovens cansados, com sintomas depressivos e ansiosos. Com perturbações do sono, medos diversos, maior irritabilidade, tristeza e ansiedade.

Iniciamos esta semana mais um período de aulas em casa. Com muitos pais em teletrabalho e em modo “polvo”, que é como quem diz, a tentarem fazer trinta mil coisas ao mesmo tempo, somos inundados de regras e orientações. Do ponto de vista teórico, são efectivamente directrizes muito válidas e que fazem todo o sentido. Do ponto de vista pragmático da vida familiar… diria que não é bem assim.

As crianças devem assistir às aulas síncronas vestidas e arranjadas, com pontualidade e o material necessário sempre à mão. Sem estímulos distractores, num espaço privado e tranquilo. Desejamos ainda que estejam atentas e sejam participativas, com a câmara ligada e sabendo fazer um bom uso do microfone. Ao mesmo tempo, devem realizar as tarefas propostas nas aulas assíncronas e enviá-las a tempo e horas.

Ora, este é o segundo período de confinamento que as nossas crianças vivenciam. E, se há um ano atrás tudo era novo e desconhecido, temos agora um conjunto de aprendizagens que vão seguramente ajudar-nos a enfrentar os desafios que temos pela frente. Esta é uma boa notícia. Mas temos ao mesmo tempo crianças e jovens cansados, com sintomas depressivos e ansiosos. Com perturbações do sono, como insónias e pesadelos, medos diversos, alterações no apetite e no comportamento, maior irritabilidade, tristeza e ansiedade.

Destacamos ainda as crianças que vivem afastadas da sua família e que, em regime de acolhimento, permanecem há meses e meses sem contactos presenciais com a mesma. Crianças que se sentem abandonadas, sozinhas e revoltadas.

Por outro lado, é importante não esquecer as crianças que vivem em contextos familiares disfuncionais e violentos. Crianças que não têm um tecto que as proteja da chuva e do frio, refeições quentes ou um ambiente de afecto positivo. Crianças que são testemunhas da violência parental, batidas, negligenciadas ou abusadas sexualmente.

Temos, pois, muitas crianças e jovens com problemas de saúde mental, como diversos estudos empíricos têm vindo a confirmar.

Também os pais e cuidadores experienciam elevado stresse, associado às dificuldades em conciliar os diferentes papeis, em lidar com as perdas e a imprevisibilidade do dia de amanhã. Falamos ainda de muitos pais que estão a atravessar processos de luto e que, naturalmente, estão menos disponíveis do ponto de vista emocional para os filhos.

Neste contexto especialmente desafiante, é importante salientar que as crianças não são robots. Não têm um botão de on e off que se liga e desliga consoante a necessidade. Agora desligamos o botão da saúde psicológica, bastante fragilizada, e ligamos o botão da escolaridade, porque é preciso estudar e aprender. E, por isso mesmo, é natural que os professores identifiquem sinais de alerta diversos, aos quais devem estar especialmente atentos e que podem justificar uma sinalização às entidades competentes em matéria de infância e juventude.

Em simultâneo, aos pais pedimos tolerância e flexibilidade. As crianças podem precisar de algum tempo para se ajustarem a esta realidade que, não sendo nova, pode ainda ser mais desafiante, atendendo ao cansaço e stresse acumulados.

Por fim, apenas um alerta.

Os professores também são pais e experienciam stresse.

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