Luís Menezes: “O tsunami não-covid que aí vem deve preocupar-nos tanto como os doentes covid”

O presidente-executivo da Unilabs-Portugal refere que em dois meses será anunciado um investimento do laboratório em tecnologias na área da saúde direccionado para o combate da vaga não-covid.

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Luís Menezes é desde 2008 presidente-executivo da Unilabs-Portugal Nuno Ferreira Santos

Na semana passada, num pico de testes de diagnóstico da covid-19, a Unilabs-Portugal fazia entre 9000 e 10.000 por dia. Tem capacidade para chegar a 15.000. Agora, já houve uma diminuição e fazem-se à volta de 7000 por dia. Há 15 anos na empresa e desde 2008 como seu presidente-executivo, Luís Menezes conta como tem sido a evolução destes testes no laboratório e fala de projectos feitos durante a pandemia e outros sobre “o tsunami não-covid” que estão em preparação. Como antigo deputado pelo PSD da Assembleia da República, o economista faz ainda considerações sobre a forma como a pandemia tem sido gerida.

Já passou quase um ano desde que o coronavírus SARS-CoV-2 chegou a Portugal. Quando começou a Unilabs a fazer os primeiros testes? E como foi a sua evolução?
Começámos em Janeiro a ter a possibilidade de os fazer, mas tomámos a opção de não avançar com a aceitação de pedidos — a não ser que fossem hospitalares —, porque percebemos que não havia casos e não quisemos entrar na política de fazer testes pelo medo. Depois de o primeiro caso ter sido diagnosticado no início de Março, tínhamos tudo preparado para montar rapidamente o laboratório.

Na altura, tínhamos uma limitação de 1500 a 2000 testes por dia, mas havia um grande constrangimento em equipamentos, zaragatoas, plásticos, máscaras, tudo. Na semana passada, houve um pico de 9000 a 10.000 testes por dia. Esta semana já vimos uma diminuição de 10 a 15% e fazemos cerca de 7000. Mas o nosso laboratório está preparado para se for preciso fazer 15.000.

Ainda é possível aumentar mais a capacidade de testagem?
Caso seja necessário, temos um plano e podemos ir até aos 20.000 testes por dia. Espero genuinamente que tal não venha a ser preciso, tal como espero não vir a ser preciso fazer 15.000. Era um sinal de que as coisas não tinham sido invertidas.

O que se fez a nível de recursos humanos para aumentar essa capacidade?
Tivemos de contratar 300 pessoas, quase mais de 60 para laboratório e mais 230 espalhadas pelo país para os drive-thru.

Em quantos locais do país fazem testes? 
Estamos em mais de 70 locais do país, dos quais, 40 são em modelo de posto de colheita tradicional e quase 30 em modelo de drive-thru. Trouxemos para Portugal o primeiro drive-thru da Europa [no Porto]. É mais seguro para o paciente e para quem recolhe, que tem menos exposição ao paciente.

E onde se fazem mais testes?

Estamos a fazer quase tantos testes no Norte como no Sul. Dos cerca de 7000 testes, fazemos cerca de 50% de Coimbra para cima e 50% de Coimbra para baixo.

Há alguma zona do país onde sintam mais necessidade de vir a fazer mais?
Neste momento, em Lisboa. Aqui há uma espera de testes de três a cinco dias para marcação [em geral], enquanto no Norte conseguem ser marcados no próprio dia ou no dia seguinte. A zona de Santarém e da Península de Setúbal também está com muitas dificuldades com marcações a irem até aos oito dias. Mas, neste momento, a nossa marcação está a ser feita para o próprio dia e a entrega de resultados em 24 horas.

Temos sentido muita pressão para abrirmos nessa zona de há umas semanas para cá. O que fizemos foi abrir dez centros de drive-thru nos últimos dias na zona de Lisboa, Setúbal e Santarém. Enviámos 65 pessoas do Norte, do Centro e do Sul para Lisboa. Como há muita falta de recursos em Lisboa, deslocaram-se para aí para abrirmos nos últimos dias centros no Barreiro, Loures, Sintra, Odivelas, em Setúbal. E vamos abrir no Estoril, Almada, Santarém ou na Malveira.

Porque se registou essa maior necessidade?
É uma constatação. Percebemos isto a partir dos clientes e das autoridades. Há duas razões principais: a primeira é que a pandemia tem andado por vagas dentro do país. A primeira começou no Norte e acabou por se estender por Julho adentro quando foi para Lisboa. Depois, em Setembro, começou mais a Norte outra vez e agora vemos que está mais em Lisboa nesta fase. Em segundo lugar, aquilo que os cientistas também têm dito e que podemos constatar é que a prevalência da estirpe inglesa na zona de Lisboa está a fazer com que haja um crescimento do número de casos positivos que leva a uma necessidade de testagem maior.

Aquilo que percebemos e o nosso director médico tem sido muito assertivo nisso é: não se pode demorar mais de 24 horas a marcar um teste destes – ou 48 horas no máximo – e o resultado tem de ser dado o mais rapidamente possível até 24 horas. [Senão,] ao fim de seis ou sete dias, a pessoa já está bem e não precisa do teste e pode ter infectado outras. Ou a condição clínica dessa pessoa pode ter piorado e chegou ao hospital numa situação pior do que se já tivesse sido diagnosticada.

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Centro de rastreio móvel da Unilabs no Queimódromo do Porto Nelson Garrido

Qual a proporção dos testes que fazem em relação a todo o país?
Vi que o país está a fazer cerca de 50 mil testes [por dia] e agora estaremos a fazer cerca de 13% do total de testes do país.

É o laboratório privado que mais faz testes?
Somos um dos laboratórios que mais fazem testes no país, mas não sei se somos o maior, porque não sei o número de testes que os outros fazem.

Fazem testes de PCR e de antigénio. Qual a percentagem de cada um?
Até agora, os números que lhe dei são de testes de PCR. Testes de antigénio estamos a fazer à volta de 500 por dia. Em Portugal, as autoridades de saúde pública olharam para os antigénios com responsabilidade. Os de antigénio são testes que em determinados contextos clínicos devem ser utilizados. Mas para rastreios populacionais são perigosos, porque têm uma percentagem enorme de falsos negativos.

Houve um aumento na procura desses testes, mesmo da parte das pessoas?
Não, desde o fim de Dezembro que tem havido uma diminuição da procura desses testes.

Mas na altura do Natal houve…
Na altura do Natal, houve um aumento na procura desses testes e depois do Natal houve uma diminuição. Estamos a fazer à volta de 500 por dia e houve dias em que fizemos 1500, no período do Natal.

Quanto custam os testes?
Um teste de PCR particular custa 100 euros e um de antigénio é 25 euros. Mas os testes de PCR para o Estado estão a ser cobrados a 65 euros. O Estado não prescreve testes de antigénio.

O que já facturaram com esses testes?
O Serviço Nacional de Saúde representa 45% a 50% dos testes de PCR [no global].

Isso é 50% de que valor?
Posso-lhe dizer que, no ano passado, facturámos menos do que em 2019 e, mesmo assim, metemos mais 300 pessoas dentro da empresa. Também fazemos todo um conjunto de outros serviços de radiologia, de análises clínicas normais ou de anatomia patológica, que tiveram uma queda de quase 40% face a 2019. De Março a Abril estivemos quase parados – só com a rede de emergência aberta – e quando reabrimos houve uma recuperação, mas nunca nos níveis de 2019.

Facturaram menos quanto?
No ano passado, facturámos menos 10% do que no ano anterior.

No primeiro confinamento, a empresa decidiu reduzir muito a actividade. Como está essa situação?
Neste segundo confinamento tomámos a decisão de nos mantermos abertos em todos os locais, quer haja muitos doentes ou não. A grande vaga que vem a seguir a este confinamento vai ser um tsunami de doentes não-covid com patologias agravadas para as quais as empresas de diagnóstico como a nossa, os hospitais públicos, privados e do sector social têm de estar preparados. Tivemos de fechar alguns locais só para que esses recursos pudessem ir, por exemplo, para Lisboa, mas foram muito poucos. Neste momento, o tsunami não-covid que aí vem deve preocupar-nos tanto como a defesa do presente com os doentes covid. Agora, desde que se confinou, as quedas no diagnóstico tradicional rondam os 30% face a Janeiro de 2020.

Além dos testes, o que se está a fazer mais em relação à covid-19?
Temos trabalhado com as autoridades públicas em coisas mais e menos visíveis. Mais visível tem sido o trabalho que fizemos com o Insa [Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge]. Faz-se o mapeamento da estirpe inglesa com base na nossa amostra em tempo real com uma ferramenta de dados que criámos para o Insa e a DGS [Direcção-Geral da Saúde].

Essa ferramenta permite ver a prevalência da variante do Reino Unido em Portugal. Como surgiu a colaboração?
Desde o princípio da pandemia que o Insa pede amostras regulares dos vários laboratórios para fazer a sequenciação [genómica]. Em Inglaterra, num determinado equipamento, começou a perceber-se que o gene S não aparecia e mostrou-se que em cerca de 90% dos casos dessa falha estávamos a falar da variante inglesa. Como temos uma grande equipa de dados, quando percebemos que era isso que estava em causa, sugerimos ao Insa se, em vez de receber os dados de forma tradicional, podíamos construir um dashboard em tempo real. Cada vez que aparecia um caso positivo, isso aparecia no mapa, ao mesmo tempo que se podia estratificar por zona. Em 72 horas disponibilizámos isso ao Insa e depois foi publicado um estudo que ajudou o Governo a tomar algumas decisões.

Quanto às outras variantes, como a da África do Sul e do Brasil, há já algo pensado para colaborarem na sua detecção no país?
Essas estirpes não dão nenhum sinal aos equipamentos da sua presença, porque não aparece a tal falha. Neste momento, só se conseguem detectar através de sequenciação genética. Mas estamos ao dispor das autoridades com todas as nossas amostras e o Insa continua a pedir com regularidade amostras para sequenciação. Se alguém perceber uma forma de detectar [melhor] essas estirpes, vamos imediatamente tentar também fazer isso. Além disso, temos a capacidade de sequenciação genética numa das nossas unidades. Caso seja necessário, também podemos de apoiar o Estado nisso.

Para a covid-19, também lançaram o Intelli4covid. Que projecto é este?
É uma plataforma de dados e de apoio à gestão que montámos internamente para a área da covid-19. Permite perceber, em tempo real, onde as amostras estão, como o laboratório está a responder ou quais as taxas de positividade em cada zona geográfica.

Há outros projectos que já estejam a preparar?
Há dois grandes focos: o primeiro é o de continuar a apoiar onde for preciso na área da covid, mas já estamos muito focados também em perceber como vamos poder ajudar o país no tsunami de doentes não-covid, que vão precisar ou já precisam hoje de ajuda. Depois de dois confinamentos e do atraso que já havia, esse tsunami não-covid é algo onde vamos querer criar projectos específicos com as autoridades públicas e empresas privadas. Enquanto empresa da saúde, temos a obrigação de estar a olhar para o presente, mas também de pensar no que vai acontecer amanhã. E olhar para o amanhã é pensar que vem aí uma vaga de doentes não-covid que carecem de diagnóstico e temos alguns projectos em carteira de grande dimensão para o país.

Que projectos são esses?
Têm a ver essencialmente com inovação tecnológica no que diz respeito a equipamentos de diagnóstico. É o que lhe posso dizer nesta fase.

Quando serão anunciados?
Nos próximos dois meses vamos estar em condições de anunciar um grande investimento em tecnologias na área da saúde direccionado para o combate da vaga não-covid nos próximos meses e anos.

É presidente-executivo da Unilabs-Portugal, mas já esteve do outro lado: entre 2009 e 2014, foi deputado na Assembleia da República pelo PSD. Como tem visto a gestão da pandemia?
Não queria estar no lugar de quem está a decidir. De todos os momentos da nossa história, se pudéssemos escolher algum, este é aquele em que ninguém gostava de estar a tomar decisões, porque são decisões de crítica muito fácil. O Governo geriu muito bem a primeira vaga da pandemia, mas não viu chegar a segunda tal como nenhum governo europeu viu. A questão do Natal foi muito mal gerida pelo Governo e por todos os partidos políticos. Acho vergonhoso ver agora os partidos políticos – que antes disseram que o Governo fazia bem em não meter limitações ao Natal – virem dizer que a culpa disto é do Natal e do fim do ano. Tendo estado na política anteriormente, mas estando atento, é algo que me mete muita confusão e a expressão é mesmo esta: “Mete-me nojo.”

Fala-se agora muito da gestão do Natal, mas, na altura, chegou a fazer algumas considerações?
Fiz as considerações sempre no local certo. Não havia consensos [em Portugal] entre os especialistas, mas havia consenso fora do país e estava tudo a fechar, como na Alemanha e na Holanda. Vários países na Europa meteram restrições ao Natal e nós não. Enquanto empresa não temos de nos meter na luta político-partidária, estamos aqui para servir os portugueses e as autoridades nesta fase. Nos locais próprios, demos a nossa opinião, que não é diferente daquela que estou aqui a dizer.

Em que locais próprios?
Quando nos perguntavam informalmente qual a nossa opinião e estou a falar de contactos diversos que temos com entidades privadas, públicas e do sector social numa base quase diária. No dia 21 de Novembro escrevi mesmo no Twitter que mais valia confinar completamente já e com apoios fortes à economia. 

Neste momento, deveria haver maior ponderação, porque vai existir tempo para a luta política. Agora é tempo para a luta da saúde pública. Precisamos de coordenação, menos ruído político e durante este mês e meio temos de fazer aquilo que o senhor Presidente da República nos pediu: estarmos unidos como nunca. Essa coordenação entre público, privado e social vai ser crítica para podermos salvar o maior número de vidas e sairmos o mais rápido possível deste confinamento – algo que não vejo que possa acontecer antes de Março.

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