Covid-19: Teletrabalho, máscaras e confinamento aumentam cirurgias estéticas

O stress, o confinamento, o teletrabalho com a reuniões online a fazer notar de forma mais exuberante os sinais de envelhecimento e ou cansaço, e o desejo de aumentar a auto-estima são factores que explicam a procura.

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Alexandru Zdrobau/Unsplash

O teletrabalho, com reuniões virtuais a evidenciar rugas, a máscara a destacar pálpebras descaídas, tempos longos ao espelho a ver imperfeições ou sonhos escondidos são algumas das razões do aumento de cirurgias estéticas durante a pandemia, revelam especialistas.

“A pandemia veio obrigar-me a recentrar-me em mim própria e foi no primeiro confinamento que decidi marcar as cirurgias à barriga e ao peito”, conta Rosa Margarido, 56 anos, de Aveiro, afirmando que a vontade de se sentir melhor com o seu corpo era um “sonho antigo”, que se começou a desenhar após as gravidezes e os cancros na mama e tiróide.

Rosa, que ficou viúva em 2016, revela que o clique para avançar com a mudança corporal foi durante o confinamento. “Olhei para o espelho e decidi fazer algo por mim. Levantar a cabeça e voltar a ter um sorriso na cara, como o meu marido gostava de me ver”, recorda, afirmando que, depois da cirurgia combinada (mastopexia e abdominoplastia), “ganhou mais auto-estima” e voltou a sentir-se “feliz”, com “os olhos a brilhar”.

Segundo Rita Valença Filipe, médica cirurgiã, houve um aumento de procura da cirurgia estética e de procedimentos estéticos não cirúrgicos na clínica do Porto onde trabalha, desde o primeiro confinamento, logo a partir de Março de 2020, “naturalmente devido à covid-19 e à pandemia que surgiu nessa altura”.

“As pessoas passam mais tempo em casa, centraram-se mais em si, na sua imagem, olharam-se mais vezes ao espelho e repararam em pontos, assimetrias ou até imperfeições que se até à data passavam mais despercebidas, passaram a ter um novo impacto nas suas vidas”, explica, considerando um motivo válido para cirurgia facial, mas também para a corporal.

A rinoplastia (remodelar e diminuir o nariz), o lifting cervico-facial (reduzir gordura da face), a blefaroplastia (cirurgia da pálpebra) e procedimentos de harmonização facial não cirúrgicos, como a aplicação da toxina botulínica e os fillers (preenchimentos) dérmicos como o ácido hialurónico, são os principais pedidos nestes tempos de covid-19, elencou a médica.

A cirurgiã refere ainda que verificou, na cirurgia corporal, um aumento de 13% a 15%, e de 15% na cirurgia facial e procedimentos faciais. “Mesmo com as limitações do confinamento e com os colégios de especialidade a limitar a actividade não emergente e não urgente num período de seis semanas, houve um aumento durante o primeiro confinamento de 13% a 15% na cirurgia corporal e de 15% na cirurgia facial e procedimentos faciais”, contabiliza.

Rosa D., 51 anos, com uma filha e a residir na Mealhada (Aveiro), também decidiu fazer uma cirurgia às pálpebras dos olhos (blefaroplastia) e uma lipoaspiração durante o confinamento, e assevera que os resultados a deixaram “mais sorridente, mais confiante e com mais auto-estima”. “Era um sonho que andava na minha mente há vários anos. Tinha um semblante muito pesado devido a características de família e, agora, toda a gente repara nos meus olhos verdes”, conta, satisfeita, referindo que o confinamento veio, de certa forma, ajudar na recuperação das cicatrizes, principalmente nos olhos, porque assim ninguém viu “os pontos nos olhos, nem os olhos inchados e as nódoas negras”.

Máscaras e ecrãs

A máscara na cara é, por outro lado, outro motivo para tratamentos na zona dos olhos, porque destacar o olhar. “Ao destacar o olhar, destaca imperfeições, como a ptose palpebral (queda da pálpebra superior), dermatocalasia palpebral (aumento de peso ou gordura nas pálpebras superiores, podendo causar diminuição do campo visual superior) e também, por esse motivo se verificou o aumento da procura pela blefaroplastia”, explica a cirurgiã.

Cristina Queirós, docente na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, considera que o trabalho online com vídeo vem revelar “todas as imperfeições” a que geralmente não se daria importância. “As pessoas a ficarem a ver-se a si próprias durante horas numa câmara como se estivessem ao espelho, os detalhes são ampliados”, aumentando os sentimentos de desagrado constantemente e afectando a auto-estima”.

A médica dermatologista Susana Vilaça registou na sua clínica do Porto um aumento de pedidos de tratamentos de estética facial na ordem dos 20% em relação a período igual de 2019, mesmo de jovens adolescentes que chegam com mais doenças de pele, como o acne, derivado do uso de máscaras nas aulas e do stress relacionado com a covid-19.

Quando recomeçou a prática médica, depois de quase três meses parada, fez o “dobro dos tratamentos” em 2020 do que havia feito em 2019. “Em Junho, quando se abriu, foi impressionante a tendência a procurar os tratamentos de estética”, disse.

O stress, o confinamento, o teletrabalho com a reuniões online a fazer notar de forma mais exuberante os sinais de envelhecimento e ou cansaço, e desejo de aumentar a auto-estima e a própria emancipação da mulher em querer tratar dela são factores que explicam o aumento de procura, na opinião da dermatologista Susana Vilaça.

Paulo Pinho Costa, médico-cirurgião, também registou um aumento de procura de consultas online e presenciais e de tratamentos na área da cirurgia estética durante a pandemia e a “disponibilidade de tempo” das pessoas é a sua justificação. “As pessoas reduziram a sua vida social e em muitos casos e passaram a ter actividade ao domicilio e, portanto, tiveram mais tempo para se debruçarem sobre eventuais problemas. Estes períodos em que existe maior risco para a saúde pública, as pessoas aproveitam também para pensar sobre alguns problemas que tenham, algumas dúvidas que tenham e como têm mais tempo, fazem mais perguntas”, justifica.

Inês Correia de Sá, cirurgiã plástica num hospital privado do Porto, acrescenta que após o primeiro confinamento, observou-se “pontualmente”, um aumento do número de cirurgias decorrente do aumento de procura de cirurgia estética e da diminuição da capacidade de resposta dos hospitais” e que actualmente “continua a haver actividade cirúrgica no âmbito da cirurgia plástica reconstrutiva e estética”.

Sandra Torres, docente da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto e especialista no luto e comportamento alimentar, explica que a crescente procura de consultas de cirurgia estética não tem um motivo único na sua base, avisando existir uma investigação recente que sugere que os “sentimentos de ansiedade e stress causados pela covid-19 estão associados a um maior desejo de magreza nas mulheres, e muscularidade nos homens”.

Por seu lado, Inês Tomada, especialista em doenças de comportamento alimentar num hospital do Porto, refere que a pandemia veio “potenciar o recurso às suas consultas de nutrição”, mas também às da “especialidade de medicina e cirurgia estética”. “Temo que a história se repita e que, em Abril e Maio de 2021, as consultas de nutrição e de estética voltem a ser muito solicitadas e teremos um novo boom para ajudar a remediar o estrago. Preocupa-me particularmente os jovens. Na vertente da nutrição pediátrica que desenvolvo, chegaram-me crianças que em três meses engordaram dez quilos. É assustador”, conclui.

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