Centeno: cumprindo-se os contratos, Novo Banco “não é um problema para sistema financeiro”

Governador do Banco de Portugal considera que as moratórias da banca representam um risco de crédito malparado. E calcula o seu valor em 11 mil milhões de euros.

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Nuno Ferreira Santos

O governador do Banco de Portugal (BdP), Mário Centeno, disse esta quarta-feira acreditar que “cumprindo-se os contratos”, o Novo Banco “não é um problema para a estabilidade do sistema financeiro”.

Convidado do programa Grande Entrevista, da RTP, Mário Centeno foi questionado sobre a aprovação por partidos da oposição de uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 2021 (OE 2021) que trava a transferência de 476 milhões de euros do Fundo de Resolução para o Novo Banco e impacto da medida sobre a estabilidade do sistema financeiro.

Salientando que um contrato “tem de ser honrado pelas duas partes” e assinalando que este é um contrato vigiado e supervisionado por várias entidades, o governador do Banco de Portugal, referiu que, cumprindo-se o contrato, “quero crer que o Novo Banco não é um problema para o sistema financeiro português”.

Mário Centeno referiu ainda o conjunto de informação que vai chegar nestas próximas semanas e meses “que vai permitir ajuizar a todos do cumprimento” do contrato “por todas as partes”, tendo ainda sublinhado que todos devem estar conscientes da importância que, para o país, significa, o cumprimento dos contratos e das responsabilidades que o Estado assumiu.

Já sobre as moratórias de crédito, o antigo ministro das Finanças revelou que “a nossa estimativa é que o conjunto de pagamentos aos bancos que deixará de ser feito até Setembro de 2021 é de 11 mil milhões de euros”.

Questionado sobre os riscos que estas moratórias poderão acarretar no futuro, o antigo ministro das Finanças e governador do BdP sublinhou que as moratórias não são um perdão de dívida e que o risco que poderão ter é de, quando terminarem se estar perante “uma realidade de [crédito] malparado”.

“Na verdade, do que estamos a falar é de projectos empresariais e familiares e estamos a adiar este pagamento que devia ocorrer entre Março de 2020 e Setembro de 2021 para a frente”, referiu Centeno, para acrescentar ser necessário acompanhar a capacidade de estes projectos “voltarem a fazer face às suas responsabilidades a partir de Setembro”.

Neste contexto, precisou que os indicadores existentes dão conta de que as empresas com moratórias, dispõem de depósitos no sistema bancário no valor de 20% do crédito em moratória, ou seja, existe uma ‘almofada financeira’.

Mário Centeno referiu que, depois da interrupção de 2020, Portugal deve reiniciar a trajectória de descida da dívida pública e precisou que no ano passado a ‘almofada’ que esteve à disposição da recuperação da crise foi, essencialmente, a da dívida pública.

"Reacção da economia foi muito forte"

O governador do Banco de Portugal (BdP), Mário Centeno, realçou, por outro lado, a revisão em alta das previsões económicas, atribuindo esse facto à forma “forte” como as economias têm reagido à pandemia.

“A análise que fazemos é que em todos os momentos de desconfinamento, a reacção da economia, emprego, consumo, investimento foi automática, foi muito forte. E na verdade aconteceu isso: todas as previsões económicas foram sendo revistas em alta ao longo do tempo pela reacção que as economias tiveram”, referiu Mário Centeno de adaptação que as economias têm tido a laborar”, num ambiente de dificuldades como o que a crise pandémica veio impor.

O governador do Banco de Portugal acrescentou que vários motivos têm contribuído para esta situação, nomeadamente as políticas implementadas pelas autoridades monetárias e orçamentais nos países onde a pandemia tem sido “severa” e que se mostraram eficazes no combate aos efeitos imediatos dos impactos causados pela crise sanitária.

Apesar de Portugal ter entrado neste mês de Janeiro num confinamento geral semelhante ao que vigorou no ano passado, em Abril e durante parte dos meses de Março e Maio, o governador do Banco de Portugal acredita que o Produto Interno Bruto deste primeiro trimestre não vai ter uma queda tão acentuada como a registada no segundo trimestre do ano passado.

“O comportamento da economia em Novembro, em que também houve medidas de confinamento, [comparado] com o que aconteceu em Março e os indicadores preliminares que temos de Janeiro indicam que não vamos ficar em números dessa grandeza”,afirmou.

Questionado sobre se prevê para 2021 uma nova recessão, Mário Centeno referiu que “não anteciparia” esse desfecho, embora tenha referido que os dados existentes são ainda escassos.

“Ainda é cedo. Temos que ver. Os números que temos para as compras e levantamentos em ATM tem uma queda muito significativa nos primeiros dias no novo confinamento, atingiram valores em queda superiores a 20%”, referiu para acrescentar que ao mesmo tempo há os “indicadores de consumo de energia que, mesmo corrigidos do efeito da temperatura, tem valores de variação praticamente nula em Janeiro”.

Ao assinalar outra vertente única resultante desta crise sanitária, relacionada com o facto de neste momento haver mais incerteza sobre o curto prazo do que para o final do ano ou para 2021, Centeno referiu que, sem querer parecer optimista, “a revisão em alta do crescimento do quarto trimestre do ano passado é muito relevante para o crescimento em 2021 porque estabelece uma base para o crescimento económico mais elevada”.

“O primeiro trimestre de 2021 provavelmente vai ser revisto em baixa” pelo que uma revisão em alta do último trimestre de 2020, equilibra “e não carrega necessariamente para diante um fardo para o crescimento”, disse, quando questionado sobre o cenário que antevê para 2021.

Ainda sobre previsões, afirmou que o BdP mantém a de que no final de 2022 a economia possa ter um crescimento idêntico a 2019.

Nesta entrevista, Mário Centeno assinalou ainda a necessidade de não deixar que esta crise sanitária que passou a crise económica possa resvalar para uma crise financeira, sendo essa uma barreira que não pode ser ultrapassada. E acrescentou que esta crise tem sido assimétrica e que as políticas devem ser adaptadas a essa assimetria e aos sectores mais atingidos.

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