TGV para Madrid: a linha de “mercadorias” que passou a “alta velocidade”

Governo anunciou esta terça-feira que já está a ser construída a linha de alta velocidade para Madrid referindo-se ao troço Évora-Elvas do corredor de mercadorias Sines-Badajoz, mas que estará apto a velocidades na ordem dos 250 Km/hora.

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LUSA/ESTELA SILVA

Nem uma coisa nem outra. A infra-estrutura que está a ser construída entre Évora e Elvas é muito mais do que uma linha vocacionada para mercadorias, tal como tem sido apresentada publicamente, mas fica aquém de uma verdadeira linha de alta velocidade.

Esta terça-feira, o Governo anunciou estar em construção a ligação ferroviária de alta velocidade entre Lisboa e Madrid com o objectivo de “ligar o país” e não apenas as capitais portuguesa e espanhola.

“Queria dizer que a ligação entre Lisboa e Madrid está já a ser construída, está em execução. Prevemos, até final de Dezembro de 2023, ter uma ligação entre Lisboa e Madrid em alta velocidade”, disse o ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, citado pela Lusa, numa audição por videoconferência na Comissão de Transportes e Turismo do Parlamento Europeu.

Esta abordagem àquela que é a maior linha ferroviária construída em Portugal nos últimos cem anos é relativamente recente. Nas cerimónias de lançamento da obra que ocorreram por três vezes, em 5 de Março de 2018 e em 11 de Fevereiro e Novembro de 2019, este projecto foi sempre apresentado como uma linha de mercadorias que fazia parte do corredor Sines – Badajoz, fundamental para escoar o tráfego de mercadorias do porto atlântico para a meseta ibérica.

A possibilidade de esta infra-estrutura ter comboios de passageiros foi sempre relativamente omitida, apesar de a linha permitir velocidades de 250 Km/hora, o que, tecnicamente, já é considerado alta velocidade.

Havia razões para essa omissão. Depois de o TGV de José Sócrates (que chegou a adjudicar um primeiro troço entre Poceirão e Caia da futura linha Lisboa – Madrid) ter sido associado à derrapagem das contas públicas do consulado daquele governante e condenado na praça pública como um projecto de “luxo”, António Costa não quis ressuscitar o debate da alta velocidade e apelidou-a de tabu.

Passos Coelho já tinha matado o projecto de Sócrates, mas no seu governo foi estudada uma versão mais barata que aproveitaria o corredor da alta velocidade desenhado no Alto Alentejo para nele instalar a linha de mercadorias Évora – Elvas.

O governo socialista herda o projecto e integra-o no Ferrovia 2020. As obras deveriam ter começado em 2018 para ficar concluídas em 2019, mas os concursos arrastam-se e a nova previsão é 2023. A tónica é sempre dada às mercadorias: uma linha electrificada, em via única, com “estações técnicas” de 750 metros para permitir cruzamentos de comboios compridos, assente numa plataforma que já contempla espaço para a construção de uma segunda via.

A obra, porém, ignora o serviço de passageiros e atravessa os concelhos de Évora, Redondo, Estremoz, Alandroal e Elvas sem contemplar qualquer estação. Em Elvas, passa ao largo da actual estação obrigando os comboios que ali façam serviço comercial a entrar noutra linha e inverter a sua marcha.

Mas no segundo mandato de António Costa o tabu cai, muito por “culpa” do novo ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos. O sucessor de Pedro Marques assume-se como um acérrimo defensor da ferrovia e anuncia no PNI-Programa Nacional de Investimentos 2030 a construção de uma linha de alta velocidade entre Lisboa e o Porto. E outra entre o Porto e Vigo, apresentando ambas como uma forma de estruturar o território, dando prioridade às ligações internas em detrimento da ligação a Madrid.

Agora a presidência portuguesa do Conselho da UE, numa altura em que a Europa volta a falar da importância dos comboios num mundo pós-covid, levou o ministro a anunciar abertamente – sem tabus – uma linha de alta velocidade, que afinal já está em curso, entre Lisboa e Madrid.

Apesar de insistir que “a ligação entre Lisboa e Porto é prioritária para o Governo português”, o ministro acaba por reconhecer que haverá alta velocidade em Portugal já em 2023. Nem que seja integrada num corredor de mercadorias.

Entre Évora e Elvas a linha poderá receber comboios a 250 km/hora, ou até 300 km/hora em alguns troços, colocando Lisboa e Madrid à distância de cinco horas. Não será uma alta velocidade perfeita porque entre Lisboa e Évora a linha não passará dos 200 km/hora. A terceira travessia do Tejo, porém, poderá encurtar a ligação entre as duas capitais para quatro horas. Ainda assim, mais uma hora do que a alta velocidade projectada no governo de José Sócrates.

E os comboios? Um contra-relógio

Mesmo sem comboios de alta velocidade, a nova linha permitirá colocar Elvas a duas horas de Lisboa e a meia hora de Évora. Mas para tirar verdadeiramente partido da infra-estrutura, a CP vai precisar de comboios de alta velocidade iguais aos que deverão operar na futura linha Lisboa – Porto.

O concurso para a compra de 129 comboios, que inclui 12 composições de longo curso, deverá ser lançado este ano, colocando a empresa num verdadeiro contra-relógio: virão os comboios a tempo da linha Évora - Elvas estar concluída? Ou, sem material circulante, a CP deverá ceder o lugar à Renfe ou a outro operador que queira aproveitar a nova infra-estrutura?

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