Os abacates continuam a proliferar num Algarve ameaçado pela seca

O proprietário pagou multa de 12 mil euros por ter arrasado zonas de Reserva Ecológica Nacional e espera que tudo fique como está. O investimento é superior a seis milhões e as árvores estão quase a dar fruto.

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Rui Gaudencio

A produção de abacates no Algarve soma e segue, indiferente à questão da escassez da água - esquecida logo que começa a chover. Nesta terça-feira termina a fase da consulta pública do processo de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) para mais uma exploração, desta vez de 128 hectares de abacates, em Barão de São João, Lagos, só que as árvores já foram plantadas há dois anos, até em zonas protegidas, e deverão começar a dar fruto este ano. As associações ambientalistas Zero e Regenearte dizem que “não se compreende” como é que as entidades públicas responsáveis pela fiscalização e ocupação do solo, nomeadamente a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve (CCDR), “não impediram o decorrer dos trabalhos ilegais”, várias vezes denunciados. Agora, sublinham, promove-se a avaliação “quando a acção preventiva já não é possível”

O projecto, consideram os ambientalistas, é “insustentável e viola as regras de ordenamento do território”. De acordo com o próprio Estudo de Impacto Ambiental (EIA), alegam, “há uma grande probabilidade de não haver água disponível para assegurar sequer a viabilidade da cultura, numa região onde a procura de água para rega é cada vez maior”. Por conseguinte, defendem, “a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) deve ser desfavorável”.

O promotor, Luís Neves, em declarações ao PÚBLICO, contesta: “Este é o sítio onde há mais água disponível do Algarve [aquífero Almádena-Odiáxere]”. A título de exemplo, refere, na zona do Algoz e Silves, onde possui mais 400 de hectares de citrinos e abacates, diz, o nível freático baixou quatro a cinco metros enquanto “nesta área [Barão de João] baixou 40 centímetros que já foram repostos neste Inverno”. Os valores, sublinha, foram obtidos através da monitorização efectuada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

A razão pela qual avançou com a exploração agrícola antes de obter as licenças, disse, “deveu-se às demoras do processo - não podia esperar mais”.

De resto, o aumento da procura desta fruta tropical desencadeou – à semelhança do que se passou com o olival no Alentejo - uma corrida às novas plantações intensivas de abacates. Segundo a Direcção Regional de Agricultura do Algarve, as áreas deste tipo de cultura deverão já atingir os 2 mil hectares. “Uma gota de água no oceano”, comenta Luís Neves, comparando com Espanha que já atinge os 64 mil hectares, sendo que as maiores áreas se concentram à volta de Málaga, próximo do mar. Assim, o Algarve está a imitar o que se passa na zona de Andaluzia, a pensar nas exportações.

Para os ambientalistas trata-se de uma situação “insustentável” e sem futuro na medida em que é “reconhecido em vários planos e documentos de orientação estratégica que são previsíveis situações de seca mais frequentes, devendo-se apostar em culturas menos exigentes em água”. A atitude “passiva” da CCDR Algarve, Direcção Regional de Agricultura e Câmara de Lagos merece críticas da Zero, que acusa estas entidades de ficarem “alheias às suas responsabilidades de agir atempadamente para prevenir danos e sancionar de forma eficaz e dissuasora”.

O PÚBLICO confrontou a CCDR com as críticas dos ambientalistas mas não obteve resposta.

Abacateiros ou golfe

A propriedade em questão estava, no passado, ocupada com vinha. Porém, as cepas viriam a ser arrancadas para dar lugar a um campo de golfe, que ficou pela terraplanagem do terreno depois de um embargo. Luís Neves, na fase seguinte, comprou a quinta e converteu o terreno, maioritariamente situado em zona de Reserva Agrícola Nacional (RAN), num pomar de abacateiros, imitando outros agricultores das redondezas. Ao mandar avançar as máquinas deparou-se com “manchas [mais de 25 hectares], situados em zona Reserva Ecológica Nacional”. Como “não foi possível separar a RAN da REN, plantei tudo”. A infracção resultou no pagamento de uma coima no valor de 12 mil euros. “Tenho lá investidos mais de seis milhões de euros e não vou arrancar as árvores nem deixar de as regar”. Observam os ambientalistas: “Inaceitável que as ilegalidades cometidas se convertam em coimas e que estas não passem de meros custos de investimento para os prevaricadores”

A cerca de três ou quatro quilómetros de distância, Luís Gonçalves já tinha feito, dois anos antes do colega, juma exploração de abates numa propriedade com 90 hectares. Porém, ainda não concretizou todos os planos. “Apresentei um projecto para mais 50 hectares à CCDR, estou há três anos a aguardar pela resposta”, disse, criticando, a morosidade da análise dos licenciamentos. Por seu lado, Luís Neves, lembra que se fala em diversificar a base económica da região “mas ignora-se a importância da agricultura, um sector exportador”.

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