Covid-19: fadiga, falta de respostas e comunicação explicam comportamentos, dizem psicólogos

O bastonário da Ordem dos Psicólogos explica que “as pessoas estão muito cansadas, muitas delas exaustas e com muita dificuldade em gerir as diferentes dimensões da sua vida num contexto destes”.

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Nelson Garrido

Os psicólogos defendem que a fadiga pandémica, as falhas na comunicação ao longo dos meses e a falta de resposta nos centros de saúde para a saúde mental explicam o comportamento dos portugueses que parecem desvalorizar a gravidade da pandemia.

Questionado pela Lusa sobre o que justifica que, com os recordes de infecções diárias e óbitos por covid-19 a serem batidos quase diariamente, em confinamento, ainda se continuem a verificar aglomerados de gente na rua sem máscara, como aconteceu neste fim-de-semana, o bastonário da Ordem dos Psicólogos lembra que, quando se fala em saúde mental, “é o acumular de situações que pesa nos comportamentos”.

“Não é um fenómeno que surja do nada, neste fim-de-semana toda a gente acordou assim, mas temos de recuar e olhar para o processo ao longo destes meses de pandemia”, sublinha Francisco Miranda Rodrigues.

O especialista explica que “as pessoas estão muito cansadas, muitas delas exaustas e com muita dificuldade em gerir as diferentes dimensões da sua vida num contexto destes” e que, agora, tendo em conta a situação epidemiológica, se assiste a uma espécie de disrupção “face às necessidades humanas que não podem ser desvalorizadas”.

“Independentemente de não devermos ter determinado tipo de comportamento, isso não significa que não sintamos a necessidade de os ter”, recorda, frisando que “nem todos têm as mesmas ferramentas emocionais para lidar com este problema” e que é urgente haver respostas nos cuidados de saúde primários.

“Quanto mais cansados estivermos, mais a tomada de decisão [sobre os comportamentos a ter] é automática, mais emocional, e podemos cometer mais erros, ser mais enviesados [na análise]”, acrescenta.

Falta de respostas

O bastonário destaca também a falta de respostas na área da saúde mental, afirmando que a resposta criada com o apoio através da Linha SNS 24 é curta: “Embora tenham sido criadas algumas respostas, a verdade e que estas respostas, face à dimensão da crise que estamos a atravessar, não são suficientes, particularmente para aquelas pessoas que têm mais vulnerabilidades e menos recursos.”

Sobre a comunicação, o bastonário da Ordem dos Psicólogos dá o exemplo do Natal, quando a percepção de risco da população já era baixa e os sinais que foram dados, com o aligeirar de medidas, foram em sentido contrário.

“Após a reunião do Governo com os especialistas percebeu-se que há uma queda clara na percepção de risco e isso tem que ver com um conjunto de circunstâncias. Se na dimensão da comunicação não se trabalha para aumentar a percepção de risco, é isso que as pessoas vão ler”, disse.

“Depois, quando aparece a mensagem ‘agora é a sério’, isso não é imediato. As pessoas não conseguem fazer essa leitura de imediato”, acrescenta.

O bastonário lembra a necessidade de estabilizar a mensagem para acertar o alvo: “Tendo em conta a percepção de risco, que pelos vistos existia da parte da população e que já era baixa, interrogo-me sobre o que terá estado na origem de se ter feito uma comunicação e tomado medidas menos agravadas no Natal.”

“Porque é que as mensagens e as medidas nessa altura não foram coerentes com a necessidade que agora se percebe (...) de que se devia ter feito o contrário para aumentar a percepção de risco da população?”, questiona.

Francisco Miranda Rodrigues admite que possa ter havido “uma intenção de aliviar o impacto psicológico [da pandemia]”, mas equaciona “se não terá sido pouco coerente face à percepção de risco, que já era baixa”, recordando, contudo, que este “é um equilíbrio muito difícil de se conseguir”.

Ainda sobre a dificuldade de percepção das mensagens, o bastonário diz que, ao longo dos meses, era preciso definir para que grupo populacional se está a comunicar e usar um canal específico, dirigido a esse grupo, e não falar como se fosse para todos.

“Por exemplo, se nos adolescentes a percepção de risco é mais baixa, tenho de passar a mensagem apenas para esse grupo, e não fazer uma comunicação para a população em geral, dirigida a esse grupo. Senão vai ser uma baralhação”, explica o bastonário, sublinhando que “só assim se consegue aumentar a percepção de risco e mudar comportamentos”.

“Aquilo a que se assistiu foi a uma comunicação dirigida a grupos diferentes pelos mesmos canais, e isso leva a que as pessoas dos outros grupos recebam mensagens que não lhes eram dirigidas. Esta confusão de mensagens cria ruído e já sabemos que quando há muita confusão as pessoas desligam”, afirmou.

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