Duas horas de uma Lisboa confinada e em eleições. “Estão na bicha para saber onde votar”

Uma hora de espera para votar, falta de informação e filas que vão até ao Campo Grande. O voto antecipado na capital exigiu paciência para quem quis pôr o boletim na urna. A Cidade Universitária parecia uma excepção a uma Lisboa confinada.

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Saída de casa: 11h30m. Chegada: cerca de duas horas depois. No caminho para a Cidade Universitária, onde decorre o voto antecipado para as eleições presidenciais em Lisboa, o ambiente foi aquecendo. A temperatura melhor que nos outros dias pede passeios e corridas no jardim do Campo Grande e a possibilidade de exercer o voto já este domingo levaram muitas pessoas à rua em pleno confinamento. A surpresa surge ao virar da esquina, quando já se avista a reitoria, ainda antes de atravessar o relvado que se tem pela frente. Já dentro desse edifício, Manuel Rodrigues explica o que se passa: “Lá fora a bicha chega ao Campo Grande. As pessoas estão bicha para saber onde votam”.

Apesar da confusão, este eleitor passou à frente de outras pessoas dada a idade (88 anos) e a sua condição física. Escolheu votar antes para evitar aglomerações em tempos de pandemia: “Ia para multidões?” 

Tal como Manuel Rodrigues, também Joana Lima, de 38 anos, decidiu inscrever-se no voto antecipado por “uma questão pragmática. Para não estar em grandes filas”. Porém, não foi o que aconteceu. 

Joana Lima ainda adiantou que a “fila era aparentemente longa. Mas cheguei aqui rápido”. Quanto tempo? “15 a 20 minutos”, respondeu. Mas à medida que o tempo ia passando, a espera ficava pior. Já depois das 13h, Gonçalo Oliveira que estava na rua prestes a entrar no edifício da reitoria disse ao PÚBLICO que o seu tempo de fila foi “demasiado. Quase uma hora”. 

Os relatos da demora eram vários e no relvado foi possível ver pessoas que levaram bancos desmontáveis que iam abrindo e fechando à medida que a fila avançava. 

Nestas eleições inscreveram-se em voto antecipado 246.880 eleitores. A possibilidade de voto antecipado em mobilidade foi alargada em tempo de pandemia, e cada concelho tem um ponto de voto, quando em 2019 o voto antecipado em mobilidade era exercido apenas nas capitais de distrito. Mas um local de voto revelou-se pouco ou pelo menos confuso, tendo em conta a procura.

Salvador Nery, de 31 anos, considera que “é notória alguma desorganização”, mas explica que o problema começa mesmo antes de chegar à cidade universitária. “Quando nos inscrevemos no voto antecipado recebemos uma mensagem de confirmação que indica o local de voto, mas não diz o edifício”. Em Lisboa havia quatro edifícios onde era possível fazê-lo: Reitoria, Faculdade de Letras, Faculdade de Direito e Cantina velha. Era este o detalhe que faltava na mensagem. As mensagens diziam reitoria. O que fez com que muitas pessoas chegassem e se colocassem na fila da reitoria.

“Julgo também que não deviam estar à espera de tanta gente”, admitiu. Só em Lisboa estão inscritos para votar hoje 33.364. Nas legislativas de 2019 inscreveram-se para votar antecipadamente um pouco mais 56 mil pessoas, em todo o país.

Quando chegou, este eleitor perguntou ao staff espalhado pelo relvado qual seria a sua mesa de voto e isso evitou que estivesse na fila errada. No entanto, não foi assim com todos. No meio do relvado foi possível ouvir uma pessoa que contava que já tinha andado “em filas perdida”. 

Carlos Silva, presidente da mesa da secção 12, adiantava que as pessoas chegavam à mesa a queixar-se de “falta de sinalética”. “As equipas do staff podiam ter uma bandeirinha” para serem vistas e assim ser mais fácil às pessoas procurar a informação sobre a mesa em que votaria.  

De novo dentro do edifício, tudo parecia mais simples. As pessoas guardavam distância umas das outras e respeitavam as regras de segurança sanitária. Ainda lá dentro viam-se pessoas da organização espalhadas que iam ajudando com indicações sobre por onde entrar e onde sair. 

Na rua, nas filas, o distanciamento era o possível e as pessoas usavam a máscara. Mas nem tudo parecia encaixar no quadro de confinamento que Portugal atravessa. “As pessoas não podem ir aos centros comerciais e depois é isto”, desabafava um homem junto ao edifício da reitoria.

Houve quem desistisse de votar, mas houve quem preferisse esperar. Foi o caso de Manuela Laranjeiras que vota habitualmente em Esposende e que estava na Cidade Universitária com o marido e a filha pequena. “No meu concelho não ia haver ajuntamento mas não equaciono fazer tantos quilómetros nesta situação” de crise sanitária, disse. Manuela estava no fim da fila, mas não pensava em desistir porque esta era a única hipótese de votar, apesar da filha pedir colo. “Até pensámos em um ir votar e o outro ir para casa com a menina. E depois trocávamos”. 

Apesar da demora, nem todos deram o tempo por perdido. Mesmo sabendo que podia votar na mesma no próximo domingo, Gonçalo Oliveira aguentou-se para cumprir o que salientou ser seu “dever”. “Acho que vale a pena vir hoje”, disse Salvador Nery. Os eleitores com que o PÚBLICO falou revelaram não terem sentido falta do dia de reflexão, que não existe no voto antecipado. “Já voto há muitos anos”, justificou Manuel Rodrigues. 

Na hora de almoço as filas mantinham-se e o regresso a casa permitiu ver que só ali, onde se vota antecipadamente, parece uma cidade desconfinada. De resto, com as lojas fechadas e nem os postigos a funcionar, as ruas estavam vazias. 


 
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