Cansado da pandemia? Oito dicas para evitar a fadiga neste novo confinamento

Manter uma rotina, separar a vida profissional da pessoal e não descurar cuidados de protecção, apesar do cansaço, tornam-se aspectos cada vez mais importantes nesta pandemia que teima em não dar tréguas. O PÚBLICO falou com um psiquiatra e analisou os conselhos da Ordem dos Psicólogos para lhe dar algumas sugestões.

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Com um novo confinamento à vista e após quase um ano de restrições e cuidados redobrados, há quem se sinta cansado e acuse “fadiga pandémica”. Este fenómeno identificado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é uma “reacção natural” à adversidade e incerteza, está relacionada com o desgaste emocional em torno do vírus SARS-CoV-2 e manifesta-se através de um sentimento de cansaço e desmotivação — sobretudo em assuntos relacionados com a covid-19.

Outra das suas características é fazer com que haja quem descure cuidados para se proteger (a si e aos outros) do vírus, havendo quem desvalorize a gravidade da covid-19 e tenha menos vontade de cumprir as medidas de protecção por sentir que de nada servem. Ainda assim, o psiquiatra Pedro Morgado refere que “a verdade é que a esmagadora maioria das pessoas tem aderido às regras e cumprido com os sacrifícios que lhes são pedidos” — e acredita que, neste segundo confinamento, se voltará a ter “elevadas taxas de cumprimento”. Com o novo confinamento a entrar em vigor na quinta-feira, o PÚBLICO seleccionou algumas recomendações para enfrentar um novo período de isolamento em casa.

1. Saiba que sentir-se cansado e desmotivado é normal

Em primeiro lugar, importa esclarecer que, numa altura de crise pandémica, os sentimentos de cansaço e desmotivação são “normais”. “É normal sentirmo-nos ansiosos, preocupados e tristes e é importante salientar que a maioria das pessoas acaba por se adaptar e encontrar a tranquilidade necessária para lidar com a adversidade dos nossos dias”, defende o psiquiatra Pedro Morgado.

A Ordem dos Psicólogos lembra que a pandemia exigiu uma “grande capacidade de adaptação” e que “é natural” que as pessoas se sintam “fartas” da situação; afinal, a pandemia dura há meses e o seu fim ainda está longe. “É natural que nos possamos sentir menos motivados para seguir as orientações e os comportamentos de protecção, após tantos meses a viver com limitações, sacrifícios e incerteza” — mas é agora ainda mais importante seguir os cuidados recomendados pelas autoridades de saúde. Segundo a delegação europeia da OMS, há países em que o sentimento de fadiga pandémica pode afectar já mais de 60% da população.

“Aquilo que nos cansa e desmotiva são as dificuldades em controlar a transmissão do vírus e as consequências sociais e financeiras que se abatem sobre algumas pessoas”, refere Pedro Morgado. Também “não é fácil perspectivar o futuro e lidar com as alterações frequentes das orientações das autoridades de saúde”, nem é fácil “lidar com a desinformação”, escreve a Ordem dos Psicólogos.

Certo é que a saúde mental está também em risco — com estimativas que apontam para que 20 a 30% sofram com o impacto psicológico da pandemia, segundo a Ordem dos Psicólogos —, numa crise que “gera insegurança, medo e ansiedade acerca do presente e do futuro”. Conhecendo os desafios, é importante “não baixar a guarda”: “Apesar do cansaço, é altura de redobrar esforços para combater o vírus” e “é importante continuar a fazer a sua vida”, procurando actividades que aumentem o bem-estar, mas que sejam de risco reduzido.

2. É importante manter uma rotina (e ter planos para o futuro)

Definir uma rotina “é algo fundamental para o funcionamento do nosso organismo e para o nosso bem-estar físico e psicológico”, garante Pedro Morgado. Mesmo em confinamento, ajuda “continuar a actuar como se vivêssemos em condições normais”: “Vestirmo-nos para trabalhar, alimentarmo-nos de forma adequada e regular, praticar exercício físico e separar os períodos de trabalho e de descanso/lazer com muita clareza”, esclarece. Tal ajuda a “preservar a normalidade, mas sobretudo a preservamo-nos”.

É igualmente recomendado ter planos diferentes para os dias de folga e fazer planos para o futuro, mesmo a curto prazo, como uma caminhada ou uma videochamada no fim-de-semana; ou planear uma viagem para mais tarde, quando for possível viajar em segurança e sem restrições.

3. Não descurar cuidados, apesar do cansaço

Por muito cansados que possamos estar, há cuidados que não podem ser descurados e que se vão enraizando com o hábito, como o uso de máscara, a lavagem ou desinfecção das mãos e o distanciamento social, que nunca deixam de ser importantes — ainda mais numa altura em que se registam milhares de novos casos todos os dias.

“Há dois factores que contribuem para uma melhor aceitação das medidas restritivas propostas. Em primeiro lugar, o facto de se destinarem a salvar vidas, garantindo que temos condições para dar assistência médica a todas as pessoas que necessitam de tratamento. Em segundo, o facto de serem universais — os hábitos partilhados são mais fáceis de adquirir e de cumprir”, diz ao PÚBLICO o professor Pedro Morgado, da Escola de Medicina da Universidade do Minho. O psiquiatra não acredita que o cansaço pandémico ponha em causa o cumprimento das regras, “que tem sido globalmente muito elevado”.

Mesmo que seja difícil, não se pode facilitar: “Há comportamentos que temos de repetir até se tornarem um hábito e os fazermos sem esforço”, lembra a Ordem dos Psicólogos num documento de Novembro. É mais fácil se o desinfectante e a máscara estiverem sempre à mão. Certo é que “a pandemia ainda está para durar, mas adaptar a nossa vida ao novo coronavírus é possível”.

4. O bem-estar deve ser prioridade

O estado de vigilância constante pode ter efeitos nefastos. “Vivemos um tempo marcado pela incerteza, pelo medo e, em muitos casos, por dificuldades financeiras muito importantes. A activação prolongada ou excessiva dos mecanismos biológicos de resposta ao stress é um factor de risco para o desenvolvimento de ansiedade e depressão”, argumenta Pedro Morgado.

Assim, é preciso cuidar do seu bem-estar. Em tempo frio, é importante comer bem e privilegiar uma alimentação saudável e variada — incluindo frutas e leguminosas —, fazer exercício físico e sair para espaços verdes ou apanhar sol para estimular a produção de vitamina D. Além disso, é importante procurar actividades que promovam o bem-estar — sempre com noção do risco associado —, como ler, escrever, desenhar, pintar, jogar, ver filmes ou séries, cozinhar, tratar das plantas, ligar a amigos ou familiares. Ou tão-somente contemplar a vista da janela.

Se o novo confinamento seguir os mesmos moldes da primeira vaga e dos fins-de-semana com restrições, será possível sair de casa para praticar exercício físico, para fazer caminhadas perto de casa ou para passear os animais de estimação. “O primeiro confinamento deu-nos lições muito importantes que podemos por em prática agora”, acredita Pedro Morgado. “Mais importante de tudo, descobrimos que o confinamento é temporário e ultrapassável. Agora que sabemos como foi, será seguramente mais fácil.”

5. Evitar álcool, drogas e outros comportamentos abusivos

Ainda que possam parecer uma escapatória fácil à realidade e uma boa forma de passar o tempo, não se deve abusar de consumos que causem dependência, precisamente por terem um efeito oposto ao esperado. Como explica o psiquiatra Pedro Morgado, “os confinamentos agravam os riscos relacionados com as dependências”: há países em que foi reportado um aumento do consumo de álcool durante o confinamento e, “em Portugal, alguns dados apontam para um aumento do jogo online”.

A ideia de que o álcool ajuda a dormir também é um logro — pode parecer que se adormece mais facilmente, mas o sono é de menor qualidade. Assim, “é da maior importância garantir que os consumos de substâncias adictivas e os hábitos de jogo e consumo da Internet se fazem de forma moderada e sem prejuízo do nosso funcionamento global”, recomenda o psiquiatra.

6. Aprender a desligar, seja das redes sociais, seja das notícias

Ouvir notícias sobre covid-19 todos os dias, olhar para o email ou computador fora das horas de trabalho ou passar muito tempo a fazer scroll das redes sociais podem ter um efeito nocivo na saúde mental e contribuir para esta fadiga. É importante aprender a desligar, mesmo que seja só durante umas horas ou durante um dia, e saber dosear o tempo dedicado a cada uma destas tarefas.

Numa altura de restrições, é preciso estar-se informado, mas não é por passar um dia sem ler ou ouvir notícias que ficará desactualizado e é preciso reconhecer quando a mente precisa de descanso. “Vários estudos realizados na pandemia demonstraram que os órgãos de comunicação social foram veículos muito importantes na disseminação de informação útil, mas também na exacerbação de alguns medos, contribuindo para o aumento dos níveis de ansiedade”, explica o psiquiatra Pedro Morgado.

Daí que seja “importante seleccionar adequadamente as fontes de informação, evitando os media mais sensacionalistas” e publicações de desinformação e teorias da conspiração que muitas vezes circulam nas redes sociais, garantindo que existe “moderação” no consumo que se faz de redes sociais. “Evitar consultar o email, atender telefonemas ou agendar reuniões fora do horário de trabalho” é também importante, ressalva a Ordem dos Psicólogos.

7. Separar o trabalho da vida pessoal

Com o confinamento, regressa o teletrabalho para muitos portugueses — que já é uma realidade desde Março para alguns (como acontece no PÚBLICO) ou desde que foram aplicadas medidas mais restritivas por causa do aumento de casos de infecção. Uma das vantagens do regime de teletrabalho é que há “aspectos da vida doméstica que se tornam mais fáceis quando estamos em teletrabalho: perdemos menos tempo em transportes e deslocações e conseguimos passar mais tempo connosco mesmos ou com a nossa família e amigos”, refere a Ordem dos Psicólogos. Por outro lado, pode haver uma maior pressão para demonstrar o seu valor na organização onde trabalha para garantir o seu emprego, já que a segurança e estabilidade laboral são importantes em tempos de crise. O equilíbrio entre a vida pessoal e profissional “é um desafio difícil”, mas crucial.

Ainda assim, tal não significa que deva haver uma compartimentação “estanque”, alerta a Ordem dos Psicólogos. O desequilíbrio entre estas duas esferas pode levar a um aumento do stress e de outros problemas como a ansiedade, depressão ou consumo problemático de substâncias — podendo afectar também a produtividade, a satisfação com o trabalho e ter um impacto negativo nas relações parentais ou conjugais.

A Ordem dos Psicólogos recomenda que o trabalhador saia do local de trabalho durante a pausa para almoço e que defina um alarme para se lembrar de fazer pausas regulares (seja em teletrabalho, seja presencialmente). Para quem trabalha em casa, “pode ser importante criar uma rotina que facilite a transição psicológica do contexto casa-trabalho para casa-família (e vice-versa)” – como dar um passeio a pé ou beber um café à janela antes de iniciar o dia de trabalho.

É também importante comunicar as suas necessidades à entidade patronal, tentando negociar prazos irrealistas ou a forma como o trabalho está organizado, e investir no desenvolvimento de boas relações com os colegas. É ainda relevante “ser realista”, saber dizer “não” quando as tarefas pedidas são irrazoáveis e “não esquecer as coisas básicas”, como dormir horas suficientes. E, “se o equilíbrio das dimensões pessoal e profissional representa uma dificuldade de difícil resolução”, há que pedir ajuda ou falar com um psicólogo.

8. Não ter receio de falar ou pedir ajuda

Tal como foi referido no ponto anterior, se chegar a uma altura em que se sente sobrecarregado pelos seus sentimentos e pela realidade que o rodeia, pode falar do que sente com familiares, amigos ou pedir ajuda profissional. “Quem sentir que a ansiedade e a tristeza provocam um sofrimento e uma disfuncionalidade importantes deve procurar apoio junto de amigos e familiares, contactar a linha SNS24 de Apoio Psicológico e recorrer à ajuda profissional do médico de família, de um psicólogo ou de um psiquiatra”, recomenda Pedro Morgado.

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