Autocaravanistas dizem-se num colete de forças com novo código da estrada

Entrou em vigor um novo diploma legislativo que proíbe a pernoita e o aparcamento de autocaravanas nos parques de estacionamento, nas áreas de descanso e em qualquer outro lugar que não os destinados a estes veículos.

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LUSA/Cabalar

Com a entrada em vigor as alterações ao Código da Estrada, expressas no novo articulado do artigo 50-A, do Decreto-Lei n.º 102-B/2020, a pernoita e aparcamento de autocaravanas em todos os lugares que não sejam designados para este tipo de viaturas e em todo o território nacional passa a ser proibida. Só será permitido o seu estacionamento em Áreas de Serviço para Autocaravanas, parques de campismo ou parques exclusivos para autocaravanas.

Na sequência desta decisão, surgiram nas redes sociais vários protestos a contestar as alterações ao Código da Estrada com uma observação crítica: os critérios seguidos pelo legislador “vêm afectar a liberdade e a forma como o autocaravanismo é encarado em Portugal”. Sandra Santos, subscritora da petição “Pela alteração do art.50-A, do Código da Estrada”, enviada ao presidente da Assembleia da República, observa: a partir de agora “não existe uma situação análoga à portuguesa em toda a Europa”, pelo que pede a “revogação ou alteração” do artigo 50-A.

A petição sustenta, ao longo de 95 parágrafos, “a forma bizarra” como se fundamentaram as alterações legislativas, destacando as contradições que a subscritora analisou exaustivamente, vincando que as mesmas colidem com a própria Constituição da República Portuguesa e decisões tomadas pelo Tribunal Constitucional. As “acções estaduais não devem, para realizar os seus fins, empregar meios que se cifrem, pelo seu peso, em encargos excessivos (e, portanto, não equilibrados) para as pessoas a quem se destinem” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 632/2008, de 23-12-2008).

E alerta ainda para a dimensão das consequências que as alterações ao artigo 50-A podem vir a suscitar no futuro, destacando “os abusos e atropelos aos direitos, liberdades e garantias, com fiscalizações e interpretações arbitrárias e desproporcionais” que pode vir a propiciar, para além de “ferir um dos mais icónicos direitos”, constitucionalmente consagrado: “a liberdade”.

A isenção pela qual se deve pautar a acção estatal é violada de forma grosseira, acentua a petição, destacando a recente Resolução do Conselho de Ministros n.º 38/2020, de 17 de Maio, que, a pretexto do combate à pandemia de coronavírus, proibiu a paragem de autocaravanas em locais de estacionamento. Nela se refere que “os espaços adequados para a permanência e pernoita de autocaravanas e similares são os parques de campismo e autocaravanismo.” Porém, todos os lugares de estacionamento são adequados para veículos ligeiros, desde que devidamente estacionados e sem realização de acampamentos, quer estejam com ou sem ocupantes, sublinha-se.

Apesar de se tratar de uma legislação temporária, veio antecipar o que a petição interpreta como sendo “algo sem correspondência no direito dos países da UE e com consequências perversas” que encerra aspectos de natureza jurídica que “vão dar azo a interpretações arbitrárias, a confusão e à instabilidade” nomeadamente “o conceito de autocaravana e similar.

Conceitos de espaço habitacional e pernoita criticados

Com efeito, o artigo (50-A) em análise define como sendo “autocaravana ou similar” o veículo que apresente um “espaço habitacional ou que seja adaptado para a utilização de um espaço habitacional”. Ou seja, basta que o veículo apresente um espaço habitacional para que caiba no conceito apresentado. A petição faz referência a certas cabines de camiões que “criam um excelente conforto habitacional e para dormir” em “camas de alta qualidade”.

Questionando os critérios seguidos pelo legislador, que se terá importado “exclusivamente com os veículos classificados como autocaravanas”, sublinha que a norma conduz sempre a situações “aberrantes”: “ou as cabines dos camiões são autocaravanas ou vamos assistir a mecanismos para contornar a norma colocando em causa a segurança habitacional e a saúde pública.”

É, contudo, o conceito de pernoita que merece a crítica mais contundente. O legislador passou a considerar pernoita “a permanência de autocaravana ou similar no local do estacionamento, com ocupantes, entre as 21h horas de um dia e as 7h horas do dia seguinte”.

Ora, o termo “permanência” é um conceito “ambíguo, sem expressão no nosso ordenamento jurídico, e que vai levar, invariavelmente, à discricionariedade”, acentua a petição, recorrendo ao Código da Estrada que concebe e define dois tipos de imobilização das viaturas: a paragem e o estacionamento. No primeiro caso, para a entrada ou saída de passageiros ou para breves operações de carga ou descarga. Considera-se estacionamento quando a imobilização de um veículo que não constitua paragem e que não seja motivada por circunstâncias próprias da circulação.

A partir daqui os peticionistas perguntam: “O que é a “permanência”? A paragem? O estacionamento? A estadia continuada na extensão de todo o período das 21h às 7h? Ou fica ao critério de quem fiscaliza?” Realçam o caricato: Se o autocaravanista imobilizar a viatura e estiver dentro dela a consultar o mapa ou a aguardar que o cônjuge venha do supermercado, está, a na verdadeira acepção da palavra, a permanecer dentro dela. Isso constitui infracção?”

Qual a razão, lê-se na petição, que o legislador encontrou para “permitir o descanso dentro de uma qualquer viatura, com excepção da autocaravana” presumindo-se que “todos” poderão continuar a descansar, enquanto os autocaravanistas, terão de se manter em marcha se não encontrarem um local “expressamente” autorizado para o efeito. Confrontados com os condicionalismos impostos, “estamos perante o mais completo alheamento pela segurança rodoviária” sintetiza a petição.

Com a entrada em vigor do novo diploma legislativo, “Portugal será visto como um país difícil de visitar”, apenas acessível “para breves incursões de um dia, iniciadas e finalizadas a partir de Espanha”, concluem os contestatários.

Ao início da tarde desta sexta-feira, a petição já tinha recolhido mais de 5300 assinaturas.

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