2020 foi um ano de causas: qual é a tua?

Racismo, xenofobia ou gordofobia; mas também redes de solidariedade e crescente empatia. 2020 pôs-nos à prova e fez nascer novas lutas, sem esquecer muitas das que já existiam. É hora de olhar para trás e perguntar: qual é a minha luta?

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Luis Quintero/Unsplash

Nunca o escondemos: o P3 é feito de causas. E neste ano, marcado pela pandemia, vimos muitas nascer, florescer e, até, amadurecer. As dificuldades criadas pela covid-19 voltaram a pôr assuntos na ordem do dia: o confinamento lembrou-nos que é importante cuidarmos da saúde mental, e também nos fez pensar naqueles que não têm uma casa onde ficar. Problemas que nunca deixaram de existir voltaram em força: o racismo, a discriminação, a xenofobia.

Mas 2020 foi também o ano em que vimos a solidariedade ganhar mais força do que nunca: fosse através de redes de vizinhos, associações ou jovens que saíram de casa para ajudar os mais vulneráveis. Assistimos à união do mundo, que trabalha em conjunto para vencer o vírus — e que, graças a essa união, conseguiu uma vacina eficaz em tempo recorde.

Agora, no final do ano, é altura de olharmos para trás. Reunimos uma dúzia de causas que, ao longo de 2020, fomos mostrando. Voltamos a elas porque queremos saber o que significam para ti. Há alguma que te tenha tocado especialmente? Alguma que tivesses conhecido apenas este ano? Envolveste-te em alguma delas? O que prevês para estas lutas? Neste ano recheado, mostra-nos a que te é mais próxima e diz-nos o que te vai na alma. Queremos ouvir-te. Porque a tua causa é a nossa causa.

Começamos a lista com uma ameaça que é anterior à da covid-19: a ambiental. Por culpa dela, milhões de jovens saem à rua, desde 2018, para avisar que “não há planeta B”. Motivados pela activista sueca Greta Thunberg, faltam às aulas para gritar contra a inércia dos líderes mundiais que, impavidamente, vêem o planeta a degradar-se. Este ano, a luta continuou (online e, menos vezes do que o habitual, na rua) e foi levada adiante por seis jovens portugueses que processaram 33 países por causa das alterações climáticas. Com idades entre os oito e os 21 anos, Rita e Catarina Mota, André e Sofia Oliveira, Martim, Cláudia e Mariana Agostinho, todos familiares ou conhecidos, lançaram um crowdfunding para ajudar o construir o processo, e, com a ajuda da Global Legal Action Network, conseguiram que desse entrada no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a 3 de Setembro. Entre os 33 países processados está Portugal. Os jovens querem que o tribunal tome uma decisão que obrigue os países processados a agirem de forma urgente para travar a crise climática. “O que queremos é que a nossa era seja de menos incerteza, menos crítica e mais esperança”, explica André Oliveira. 

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Rui Gaudêncio

Um desejo semelhante tem João Pedro Anjos: “Vamos ser bons e fazer a coisa certa. Vamos fazer a diferença para as próximas gerações. Acabar de vez com o ódio.” A mensagem foi dita ao P3 em Junho, quando o jovem foi à manifestação convocada pelo Chega e ergueu uma bandeira LGBT. O protesto organizado pelo partido político, que pretendia dizer que “Portugal não é racista”, levou mais de mil pessoas à rua. João não acreditava que ela fosse mesmo acontecer até chegar 27 de Junho — véspera do Dia do Orgulho LGBT e o dia da manifestação. Foi sozinho, mas levou consigo todos os que “deveriam também marchar naquele dia e não o puderam fazer”. Acabou por se tornar num fenómeno nas redes sociais, com milhares a partilhar imagens do momento e a comentar emojis de flores na sua conta de Instagram, como forma de agradecimento e homenagem. “A vida passa tão rápido, para quê destilar ódio contra quem só quer viver?”

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Também na luta contra o preconceito está um grupo de brasileiras que “não se calam”. Em meados de Julho, um grupo de cinco mulheres criou a conta de Instagram “Brasileiras não se calam", onde partilham histórias de preconceito, assédio e discriminação de que são vítimas. Com mais de 28 mil seguidores, as publicações consistem, maioritariamente, em relatos na primeira pessoa de momentos de xenofobia e agressão. A ideia da conta é dar visibilidade a esses casos, “porque muita gente não tem noção de que isso acontece”, e também ajudar quem vive essas agressões: da página, já nasceu uma rede de entreajuda para brasileiras que vivem em Portugal. Desde aconselhamento financeiro, aulas de inglês, orientação académica e até aulas de ioga. 

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As redes sociais são palco de lutas variadas. É também lá que Mariama Injai, conhecida como Afromary, fala sobre as suas experiências pessoais enquanto mulher negra. Microagressões, cultura, saúde mental na comunidade negra… os tópicos são variados, mas todos estão debaixo do mesmo guarda-chuva: o racismo. O objectivo é criar discussão, mas também “educar”, através de conversas e entrevistas que mostram outras experiências além da sua. Num ano marcado também pela morte de George Floyd e pelas manifestações nos Estados Unidos, Mariama quer passar uma mensagem: “Basta dar equidade, as mesmas oportunidades, as mesmas ferramentas e os mesmos acessos.”

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Nuno Ferreira Santos

“O racismo que impede as pessoas de respirarem na América é o mesmo que faz com que pessoas se afoguem no Mediterrâneo”, disse Lokas Cruz, que concilia o trabalho como médica interna numa unidade de saúde familiar em Freamunde com acções humanitárias que resgatam refugiados no Mediterrâneo. Ao P3, contou como estar nestas duas situações é um “contraste muito grande”, já que o que faz no Mediterrâneo é considerado criminoso. A médica activista lamentou o quanto a pandemia prejudicou a acção humanitária e como “desvendou a desigualdade, os privilégios de classe, e as pessoas que são mais vulneráveis”. “Percebemos, com alguma resistência, que não estamos todos no mesmo barco”, afirmou. Controlar a pandemia num campo de refugiados é o exemplo dessa mesma desigualdade: “As pessoas vivem todas umas em cima das outras. Não há distanciamento. Não há torneiras para lavar as mãos, não há sabão. Não há cuidados intensivos.” 

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Nelson Garrido

Mas se a pandemia mostrou as desigualdades e nos alertou para urgências sociais, também fez nascer ondas de solidariedade por todo o mundo. Assim que foi decretado o estado de emergência em Portugal, surgiram redes de vizinhos que abriram as suas portas para ajudar os mais vulneráveis. Idas às compras, à farmácia ou, simplesmente, uma palavra amiga: por todo o país, vizinhos fizeram questão de lembrar que “ninguém é uma ilha”, como referiu Inês Pais, uma das muitas vizinhas que se prontificou a ajudar, ao P3. As primeiras redes surgiram logo em Março, quando foram detectados os primeiros casos e decretado o estado de emergência; outras vieram mais tarde, como os futuros veterinários que levaram cães de idosos a passear ou os jovens de Abrantes “adoptavam um avô” e lhe faziam companhia pelo telefone. Mas sempre a tempo. 

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Foi também por telefone que muitas pessoas combateram o isolamento. Fosse com profissionais ou com amigos, numa altura em que era preciso ficar em casa, encontramos na tecnologia a chave para combater o isolamento. A saúde mental foi posta à prova e o conforto foi encontrado, tantas vezes, numa palavra amiga. Mas Rita Fatela optou pela ilustração para mostrar que não faz mal sentir coisas. Psicóloga de profissão, ilustra pequenos quadrados de banda desenhada com recurso a metáforas, humor e sarcasmo. O que quer que funcione, desde que torne mais fácil entender os assuntos do cérebro (e do coração). O livro Diz lá, Beatriz – Isto não é um Manual de Instruções para Ser Humano não substitui a ida a um profissional de saúde, como alerta a autora, mas pode ajudar a descomplicar monstros de sete cabeças. E pode ter sido uma ajuda em tempos difíceis. 

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E por falar em monstros de sete cabeças: Inês Oliveira quer mostrar que a paralisia cerebral não é um. Diagnosticada com a doença aos três anos, escreveu o livro Sentires Especiais, onde conta a sua história e tenta alertar para a inclusão e acabar com o capacitismo. “Há muito estigma, muito preconceito, falta de acessibilidade e de reconhecimento perante as pessoas com necessidade educativas”, referiu ao P3, numa entrevista onde contou também ter sido vítima de bullying por causa da paralisia cerebral. Com o livro, quer “mudar mentalidades”.

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Diogo Ventura

Tal como Catarina Corujo, Jéssica Sá ou Tarik Carroll, que querem lutar contra o estigma em relação a corpos gordos. Cansados da falta de representação, discriminação e pressão para emagrecer, deixaram de tentar encaixar num “padrão de beleza irrealista”. Seja através das redes sociais, como faz Catarina e Jéssica, ou de projectos fotográficos na área da moda, como é o caso de Tarik, procuram mostrar que ser gordo não quer dizer não ser saudável e acabar de vez com a gordofobia. “É assim tão necessário termos uma opinião sobre o corpo do outro?”, questionam.

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Tarik Carroll

É precisamente com o corpo que Babaya Samambaia combate o discurso de ódio. Eleita Miss Drag Lisboa de 2019, diz ser “uma bandeira ambulante”. Em Fevereiro, a drag queen subiu ao palco do Got Talent Portugal e arrasou. Depois de quatro anos a sentir-se culpado e a forçar-se a ser heterossexual, Lucas Medeiros deixou de ver o seu lado feminino como “uma fraqueza” e aceitou a sexualidade. Ser drag não é só “imitar uma diva, estar bonita ou ser sexy”. É “liberdade, amor do feminino e de tudo o que muitas vezes é negado ou visto com outros olhos”. E é fazer uma rebelião com o próprio corpo.

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Este ano o activismo chegou também às universidades. “As desigualdades sociais estão, agora, visíveis a olho nu. Já não é possível empurrar para debaixo do tapete”, avisaram os estudantes da Brigada Estudantil, quando, em Novembro, organizaram uma manifestação em Lisboa pelo fim das propinas e da desigualdade no ensino superior. Também no início da pandemia, a Quarentena Académica apareceu para dar respostas às mudanças que a pandemia estava a provocar na educação. Mas, desde então, os estudantes de ambos os grupos não pararam: têm denunciado abusos nas faculdades, como casos de discriminação e xenofobia contra alunos brasileiros ou falta de condições nas residências para enfrentar a covid-19. “Se o ensino superior não é para todos, não é justo para ninguém”, afiançam. 

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Paulo Pimenta

Francisco Cordeiro de Araújo tem um objectivo: humanizar os políticos portugueses e combater o voto desinformado. Para isso, decidiu entrevistar os 230 deputados do Parlamento. É um modo de acabar com a iliteracia política de uma forma “isenta e transparente”. “Os 230”, nome do projecto, pode ser especialmente útil num momento em que as eleições presidenciais, marcadas para Janeiro, se avizinham. Não pretende “orientar ideologicamente as pessoas”, mas desculpabilizar os políticos e aproximá-los da sociedade em prol da informação. 

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