Os farmacêuticos querem ace(n)der a luz

O acesso à informação clínica do doente é essencial. Apenas com o acesso a esta informação poderão os farmacêuticos prestar um apoio completo e integrado aos utentes e garantir a segurança e continuidade da sua terapêutica, deixando de trabalhar às escuras.

No dia 21 de dezembro foi autorizado pela Agência Europeia do Medicamento o uso de emergência da primeira vacina contra a covid-19 na Europa, o que possibilita o início do plano de vacinação anunciado pelo Governo já no dia 27.

Este plano não contempla a inclusão, ao contrário do que acontece noutros países da Europa e do Mundo, de farmácias ou farmacêuticos no esforço vacinal. Assim, não será aproveitada a rede de farmácias, tão profundamente (e bem) instalada no território nacional, nem cerca de 5000 profissionais de saúde legalmente habilitados para administrar vacinas. Se tal, por um lado, representa um grande desperdício de recursos humanos e logísticos, numa altura em que todos são poucos, acaba por permitir que as farmácias possam manter a habitual qualidade de funcionamento exigida pelos portugueses. E isto é muito importante.

Muito importante, porque infelizmente o mesmo não acontecerá nos cuidados de saúde primários e os portugueses irão, mais uma vez, necessitar do apoio das suas farmácias e dos seus farmacêuticos.

Se durante este ano milhares de doentes terão já ficado sem consultas e cuidados de saúde de que necessitavam, conjugar o esforço necessário para realizar a campanha de vacinação numa altura em que surgem recorrentes avisos de uma possível terceira vaga da pandemia, irá levar a enormes constrangimentos no acesso aos cuidados de saúde não-covid.

A matemática é simples: os recursos empregues para a vacinação não estarão disponíveis para as consultas e cuidados necessários, de rotina e não só, pois os profissionais do SNS que irão vacinar serão os mesmos que de outro modo deveriam estar a prestar e a apoiar os cuidados de saúde essenciais aos doentes. As consequências serão mais consultas não realizadas, menos atos de saúde efetuados e mais cuidados adiados.

Por isso, é extremamente importante que uma das peças fulcrais do sistema de saúde do nosso país possa continuar a providenciar os cuidados de saúde de que os doentes precisam. Sabemos que nas farmácias os pedidos de aconselhamento, as questões relacionadas com a terapêutica e a saúde dos doentes serão mais frequentes, pois não haverá uma pronta resposta dos cuidados de saúde primários. Os pedidos de dispensa de medicamentos sem uma prescrição válida vão aumentar, como já aumentaram até aqui, e é inadmissível para os farmacêuticos ter doentes a interromper a sua terapêutica, a estar meses sem tomar o seu medicamento, porque o centro de saúde não atende o telefone e não conseguem uma consulta ou pedir novas receitas.

E as farmácias e os farmacêuticos irão, como sempre, servir e ajudar os portugueses nas suas necessidades. Mas poderão fazer mais e melhor, e aliviar o esforço dos cuidados de saúde primários do SNS, se lhes forem disponibilizadas as ferramentas para tal.

O acesso à informação clínica do doente é essencial. Apenas com o acesso a esta informação poderão os farmacêuticos prestar um apoio completo e integrado aos utentes e garantir a segurança e continuidade da sua terapêutica, deixando de trabalhar às escuras. Com o conhecimento de toda a terapêutica instituída ao utente os farmacêuticos poderão renovar – de forma fundamentada – a medicação que já acabou, aferir qual ou quais os medicamentos que poderão estar a contribuir para determinada queixa e assim evitar problemas relacionados com a medicação e as suas consequências.

O acesso à informação clínica de cada um de nós pelo nosso farmacêutico de confiança é uma necessidade urgente para o garante da saúde individual e da saúde pública, principalmente pelos tempos e desafios que enfrentamos. A informação clínica é propriedade do doente e este devia ser livre de, em consciência, decidir o que fazer com ela.

Se for questionado, como doente, se quer que o seu farmacêutico consulte o seu processo clínico para garantir a segurança dos medicamentos que toma, se o está a fazer na frequência e dose corretas, se aquela queixa ou desconforto poderá ser causa do novo medicamento (ou da falta de algum), não aceitaria?

Se a consulta do seu processo clínico permitisse que obtivesse aquele medicamento que já acabou, e que de outro modo terá de deixar de tomar sem saber muito bem que implicações isso terá para a sua saúde, não aceitaria? E se for para os seus pais? Para os seus filhos?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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