A vacina na Europa de Beethoven

A vacina contra a covid-19, a exemplo da Alegria na Sinfonia de Beethoven, contribuirá para unir, de novo, quem o vírus implacavelmente separou.

No ano em que a covid-19 invadiu a Europa, assinala-se o 250º aniversário do compositor alemão Ludwig van Beethoven (1770-1827). Considerando a genialidade das suas obras, a Nona Sinfonia é, entre todas, a que assume maior protagonismo. No quarto andamento da sinfonia, por último era o verbo. Versos do poeta alemão Friedrich Schiller (1759-1805) são cantados por coro e solistas, elevando a voz humana acima dos instrumentos da orquestra transportada por fugas arrebatadoras, em acordes transcendentais “que nenhum ouvido ouviu nem mente alguma imaginou”.

A União Europeia (UE) viria a adotar a melodia de Beethoven como hino oficial. Não se pretendia desconsiderar os hinos nacionais dos diferentes países, cada qual com a sua história, a sua cultura, a sua identidade. Procurava-se, antes de mais, celebrar os valores comuns que os aproximam. A música servia este propósito, linguagem sem palavras e universal, que, ao contrário de Babel, permitia sonhar o que as palavras de Schiller prometiam – a amizade entre os povos.

A UE é a concretização desse projeto de cooperação económica e social, de defesa da liberdade e dos direitos humanos. A Nona Sinfonia é a banda sonora desse projeto. Deste modo, a sua interpretação tem acrescentado solenidade às cerimónias oficiais da UE. Fez-se ouvir em momentos marcantes da História da Europa, como em 1989, após a queda do muro de Berlim, quando o maestro Leonard Bernstein substituiu a palavra Alegria pela palavra Liberdade, que Schiller inicialmente imaginaria para título do poema.

Não obstante os seus ideais de solidariedade e de progresso, a UE não cessa de enfrentar crises financeiras, rasgos independentistas ou ameaças ao estado de direito. Também não é imune a crises sanitárias, como a funesta pandemia que atravessamos.

Mas “amigos, não mais esses tons!” Este apelo do barítono com palavras de Beethoven representa a primeira intervenção da voz humana na Sinfonia Coral. Após um ano de covid-19, surge o apelo a uma maior coordenação entre os Estados membros, no sentido de garantir uma resposta atempada e eficaz aos problemas de saúde atuais.

Neste contexto, a Agência Europeia do Medicamento (EMA) acabou de autorizar a primeira vacina contra a covid-19, que será um elemento decisivo no combate à pandemia. A Comissão Europeia prontamente se empenhou em assegurar a sua comercialização e distribuição por todos os Estados-membros. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, recordou que a vacina é “produto da inovação europeia”, salientando o investimento, científico e financeiro, que tornou possível o seu desenvolvimento. É na sequência desse esforço conjunto que a vacina se encontrará disponível, em uníssono e a um tempo, em todos os países da UE.

Deste modo, a vacina contra a covid-19, a exemplo da Alegria na Sinfonia de Beethoven, contribuirá para unir de novo quem o vírus implacavelmente separou. Entretanto, resta-nos continuar a cumprir as orientações das autoridades de saúde até ao dia em que, novamente, “as multidões se possam abraçar”.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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