Brexit, o fim da aventura

O Reino Unido foi sempre um membro atípico da União Europeia e o sentimento anti-União existe desde os primórdios. Não é apenas o medo da imigração nem o “populismo” que explicam, só por si, o Brexit, nem o afastamento da União foi ao longo das décadas uma coisa só dos conservadores

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No princípio dos anos 60, um jovem ambicioso, mortinho por ser líder do Partido Trabalhista, chamado Harold Wilson descobriu uma causa – ser frontalmente contra a entrada do Reino Unido no então mercado comum. O país tinha ficado de fora do Tratado de Roma de 1957, mas o primeiro-ministro conservador Harold MacMillan começava a explorar a possibilidade de se juntar aos fundadores. Wilson faz vários discursos ferozes contra a ideia, muito antes do então líder do Labour, Hugh Gaitskell, que, estando inicialmente em dúvida, acaba por se render à tese de Wilson. Na conferência dos Trabalhistas em 1961, Gaitskell diz que a entrada no mercado comum significaria o fim da Grã-Bretanha como um Estado independente e o fim de “mil anos de História”. Harold Wilson festeja o “discurso histórico” do líder e diz que o texto deveria ser editado e distribuído a todos os militantes do Partido Trabalhista. Harold Wilson acaba por ser eleito líder do Labour e primeiro-ministro e, em 1966, acossado pela crise económica, inicia as negociações para a entrada no mercado comum. Contra a vontade de uma grande parte dos trabalhistas, torna-se um “europeísta”. Finalmente, depois de muitas crises, o Reino Unido entra na comunidade a 1 de Janeiro de 1973 (pela mão dos conservadores), o dia do início de uma conturbada história que meteu dois referendos e a cujo fim assistimos por estes dias.

O Reino Unido foi sempre um membro atípico da União Europeia e o sentimento anti-União existe desde os primórdios. Não é apenas o medo da imigração nem o “populismo” que explicam, só por si, o Brexit, nem o afastamento da União foi ao longo das décadas uma coisa só dos conservadores.

Se o mais provável, no ponto actual das negociações, parece ser uma saída do Reino Unido sem acordo, é verdade que a União Europeia costuma surpreender os seus cidadãos à 25ª hora. O Parlamento Europeu estabeleceu a meia noite deste domingo como “deadline” para que o texto possa ainda ser ratificado este ano, mas Michel Barnier, o comissário responsável pelas negociações do Brexit, já deu a entender que as conversas vão continuar depois do marco estabelecido. A questão das pescas, do acesso europeu às águas territoriais do Reino Unido, parece ser agora a questão mais complexa.

Apesar de ter sido a palavra de ordem “get Brexit done” que fez Boris Johnson alcançar há um ano uma incrível maioria (um sucesso similar ao de Thatcher em 1987) a popularidade do primeiro-ministro tem vindo a cair e a contestação entre os conservadores cresce – essencialmente por causa da crise da Covid. A falta de um acordo pode ser muito prejudicial para um homem que se afirmou politicamente quando abraçou a ideia de saída da Europa. Numa altura particularmente dura, em que uma segunda estirpe da covid descoberta em Londres e no sul de Inglaterra está a provocar uma avalancha de cancelamento de voos para o Reino Unido, a sensação de isolamento de um “no deal” até para Boris será difícil de aguentar.

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