Ministra diz que proposta do Estatuto do Artista está concluída, Plateia responde que não

Graça Fonseca garantiu que em Janeiro o Governo começará a trabalhar no decreto-lei que tornará o novo enquadramento definitivo. Profissionais das artes cénicas dizem-se “surpreendidos” com declarações.

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Nuno Ferreira Santos

A ministra da Cultura, Graça Fonseca, afirmou esta manhã, no Porto, que a proposta de estatuto do trabalhador da cultura está concluída e “será agora vertida num decreto-lei autorizado” pela Assembleia da República. 

“Naturalmente, caberá ao Governo aprovar e é esse processo que se iniciará a partir do início de Janeiro”, disse Graça Fonseca, que participava na apresentação de um projecto-piloto do Coliseu do Porto que permitirá levar o seu circo de Natal às salas de cinema da rede Nos.

A PLATEIA - Associação de Profissionais das Artes Cénicas reagiu às declarações da ministra. Em comunicado, os profissionais do sector dizem-se “surpreendidos” e garantem que “não corresponde à realidade que o diálogo esteja terminado”.

Considerando que “ninguém tem dúvidas de que 2020 foi dos anos mais difíceis da nossa vida contemporânea, em muito sectores e em especial para o da cultura”, a ministra destacou, em jeito de balanço, a “resiliência, a resistência extraordinária e a adaptação” que este sector demonstrou.

“Não tínhamos experiência de sermos obrigados a ficar em casa, foi um ano particularmente difícil. Fizemos tudo o que foi possível fazer, no diálogo com todos, procurando dar resposta aos tempos que estávamos a viver, sem nunca perder a capacidade de pensar o pós-pandemia”, referiu.

O estatuto do artista é, em seu entender, “um bom exemplo” desse trabalho, na medida em que “era algo que já vinha sendo pensado e planeado, mas que cujo trabalho foi muito em Março/Abril de 2020, precisamente com a noção de que é importante para o futuro”, “para que as situações de precariedade que se tornaram mais visíveis com a pandemia não se repitam e para que todos estejam protegidos em situações de paragem ou dificuldade de trabalho”.

"Processo de discussão está ainda a decorrer"

Mas a Associação de Profissionais das Artes Cénicas diz estranhar as declarações da ministra. “Estranhamos tais declarações, uma vez que a PLATEIA tem-se reunido com o grupo de trabalho interministerial regularmente há mais de seis meses e o processo de discussão está ainda a decorrer, havendo não só várias reuniões agendadas no futuro, como estão ainda várias matérias em aberto e faltando conhecer a posição do Governo sobre propostas fundamentais como o modelo de protecção social e o enquadramento laboral que acabe com o incumprimento e a generalização dos falsos recibos verdes”, lê-se num comunicado às redacções.

Para esta associação, a discussão não deverá ser afectada pelo “calendário político": “Na última reunião bilateral entre o grupo de trabalho e as estruturas representativas, que decorreu no passado dia 15 de Novembro, foi-nos dito que só em Janeiro teríamos acesso a uma proposta concreta do governo quanto à protecção social. A PLATEIA deixou claro nessa reunião que a discussão do Estatuto não deverá ser afectada por pressões de calendário político.” Na nota, a PLATEIA afirma ainda ter o “máximo interesse que o Estatuto seja amplamente discutido antes de ser entregue ao Conselho de Ministros” e diz que os profissionais estão “conscientes de que esse trabalho poderá demorar alguns meses”.

A associação é clara sobre as declarações da ministra. “Não só não corresponde à realidade que o diálogo esteja terminado, como da parte do Governo foi já assumido que haverá continuação da discussão em 2021 na concretização da proposta de estatuto às associações”, lê-se no documento enviado à imprensa, no qual se acrescenta que, “até ao momento, o Governo ainda não entregou uma proposta aos interlocutores do sector que concretize questões centrais como os prazos de garantia no acesso ao subsídio de desemprego e de cessação de actividade, o tempo de concessão do subsídio, e o seu valor, a conversão de valores recebidos em horas de trabalho, taxa das contribuições das entidades empregadoras para os trabalhadores Independentes”, entre outras questões. Mais, alerta esta associação: “Tão pouco estão previstos mecanismos de combate e fiscalização do falso recibo verde ou falso outsoursing que garantam que o que até agora não tem sido a prática no sector o passe a ser”.

Estes profissionais das artes cénicas defendem ainda que, “se este processo é realmente de construção comum de soluções, e não apenas retórica do Governo, então não foi ainda concluído o debate sobre opções em matérias fundamentais, nem sequer apresentada uma versão final para discussão com as organizações.”

Estatuto “muito longe” de satisfazer

Na semana passada, no final de mais uma reunião do grupo de trabalho que teve a seu cargo a discussão deste estatuto, Rui Galveias, o dirigente do Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos (Cena-STE), disse ao PÚBLICO que o estatuto em cima da mesa estava ainda “muito longe” de satisfazer as necessidades e as aspirações do sector, considerando impossível que pudesse estar pronto até ao final do ano, como Graça Fonseca prometeu em Junho.

“O estatuto está a resolver muito pouco o problema de fundo da precariedade no sector. Tem coisas interessantes e um trabalho que era preciso fazer para conhecer o sector e que ainda não estava feito. [Mas] Se o estatuto saísse hoje, não seria de grande utilidade. Tem coisas que poderão vir a ser positivas, mas também tem muitas negativas e isso é o que nos preocupa mais”, acrescentou então Rui Galveias.

Na sessão desta manhã no Coliseu, a ministra destacou ainda “a forma extraordinária como os equipamentos culturais em todo o país se adaptaram aos novos horários, permitindo que o público pudesse continuar a ir aos espectáculos, o que acontece em poucos países europeus”. “Mesmo em circunstâncias muito difíceis conseguimos que a cultura não pare. Continuarmos, por exemplo, com o circo de Natal do Coliseu do Porto ao final destes anos todos é um bom sinal de esperança para 2021”, considerou.

O tradicional espectáculo de Natal de circo do Coliseu Porto Ageas será transmitido entre o próximo sábado e o dia 6 de Janeiro em salas de cinemas Nos de 17 cidades: Vila Real, Braga, Matosinhos, Maia, Gaia, Gondomar, Paços de Ferreira, Viseu, Coimbra, Figueira da Foz, Torres Vedras, Lisboa, Odivelas, Oeiras, Cascais, Montijo, Évora, Faro, Távora e Funchal.

Graça Fonseca explicou que este projecto, pensado e desenvolvido pelo Coliseu do Porto, será o ponto de partida para outras parcerias públicas, privadas e empresas, com o objectivo de apoiar, promover e dinamizar a cultura e as artes, “num ano particularmente difícil”. “Em 2021, vamos continuar neste caminho de procurar parcerias como esta, com a Nos e outras empresas”, acrescentou.

Neste caso, será transmitido um espectáculo de circo, mas o conceito pode alargar-se “a um mundo de possibilidades”, como o teatro, dança, ópera ou a música, “democratizando e descentralizando o acesso à cultura”, sublinhou a ministra.

A directora do Coliseu Porto Ageas, Mónica Guerreiro, explicou que este projecto-piloto permitirá que famílias distribuídas por 17 cidades do continente e da Madeira, algumas com dificuldades de mobilidade devido à pandemia, possam “usufruir deste espectáculo”. “O espectáculo terá uma produção audiovisual que vai ser assegurada em várias sessões para permitir uma transmissão com alta qualidade na rede de salas de cinema, que por sua vez também se estão a defrontar com menos estreias cinematográficas e menos público devido à pandemia”, disse.

Segundo a responsável, este “é um primeiro exemplo de um programa maior que vai ser lançado em colaboração entre o Ministério da Cultura e os cinemas Nos, e que vai incluir muitas outras instituições que se queiram associar, quer do ponto de vista municipal, quer do ponto de vista nacional, e outro tipo de casas produtoras de espectáculo”.

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