Primavera Árabe: dez anos depois do início da revolta, condições de vida pioraram

Sondagem feita nos países do Médio Oriente e do Norte África que viveram a Primavera Árabe mostra que a maioria dos entrevistados sente que as perspectivas para o futuro não são animadoras. Maioria dos sírios, iemenitas e líbios arrepende-se da revolução.

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Retrato de Mohamed Bouazizi na fachada dos correios de Sidi Bouzid, na Tunísia Reuters/ANGUS MCDOWALL

Dez anos depois de Mohamed Bouazizi se ter imolado pelo fogo em protesto contra o desemprego e a pobreza na Tunísia, a maioria dos países que viveram a chamada Primavera Árabe sentem que vivem hoje em sociedades mais desiguais do que em 2010.

A conclusão é de uma sondagem do YouGov para o jornal britânico The Guardian – em que foram entrevistadas 5275 pessoas –, publicada esta quinta-feira, dia em que se assinalam precisamente dez anos do acto de desespero do vendedor de fruta tunisino, de 26 anos, que levou à queda do regime de Zine al-Abidine Ben Ali, na Tunísia, e inspirou uma vaga de protestos no Médio Oriente e no Norte de África, pondo a nu a fragilidade dos regimes autoritários. 

Na Síria (75%), no Iémen (72%) e na Líbia (60%), países que após a contestação aos seus regimes acabaram por se ver envolvidas em violentas guerras civis que ainda perduram, a esmagadora maioria das pessoas sente que hoje vive com mais dificuldades. No Sudão, 51% da população considera que a desigualdade é maior em 2020 do que há dez anos.

No Egipto (38%), na Argélia (42%) e no Iraque (47%), menos de metade dos entrevistados considera que a sua situação piorou nos últimos dez anos. Contudo, a percentagem dos que sentem que a sua vida é hoje melhor não ultrapassa os 24% em nenhum destes três países.

Já na Tunísia, considerada um caso de sucesso após a Primavera Árabe, uma vez que as instituições têm resistido e o país tem realizado eleições livres, 50% dos entrevistados acham que as suas condições de vida pioraram, enquanto 27% afirmam que melhoraram.

No entanto, a maioria dos países não se arrepende da vaga de protestos que assolou a região. As excepções são os sírios, os iemenitas e os líbios – na Síria (73%) e no Iémen (74%), quase três quartos dos entrevistados dizem que se arrependem da revolução, enquanto na Líbia este sentimento é partilhado por 63% dos inquiridos. 

Quanto às perspectivas para o futuro, mais de três quartos dos sírios, iemenitas e iraquianos acreditam que as crianças de hoje terão uma vida pior que a dos seus pais, uma ideia que também é subscrita pela maioria dos entrevistados da Líbia (72%), Sudão (68%) e Tunísia (63%).

Na Argélia, 30% dos entrevistados acreditam que as crianças terão uma vida melhor do que a dos seus pais, enquanto no Egipto são 26% a ter esta percepção.

Pequenas vitórias 

O movimento conhecido por Primavera Árabe esteve na origem dos processos que levaram à queda de alguns ditadores do mundo muçulmano, nomeadamente de Muhammar Khadafi na Líbia, ou Ben Ali na Tunísia. Outros, como Bashar al-Assad, na Síria, permaneceram no poder, levando a intervenções externas e a violentas guerras civis, que deixaram a região ainda mais instável, agravando os efeitos que se fizeram sentir após a invasão norte-americana do Iraque em 2003.

“A guerra do Iraque e as Primaveras Árabes levaram ao [aparecimento do] Daesh e à guerra civil síria, que criaram a crise dos refugiados para a Europa, contribuindo para o crescimento do populismo no Ocidente e para a saída do Reino Unido da União Europeia”, resumiu ao Guardian Emma Sky, antiga consultora política das tropas norte-americanas no Iraque.

A vaga de protestos, contudo, não acabou com o fim da Primavera Árabe, e no ano passado, na Argélia e no Sudão, respectivamente, os presidentes Abdelaziz Bouteflika e Omar al-Bashir foram derrubados devido à contestação popular.

“Tivemos algumas pequenas vitórias e ainda estamos a travar batalhas”, afirmou Nancy Okail, activista egípcia e doutoranda da Universidade de Sussex, no Reino Unido, que participou nas participou nas manifestações na Praça Tahrir, no Cairo.

“Pelo bem dos direitos humanos e da democracia, não podemos confiar apenas nos governos para mudar as coisas. Precisamos de abordagens diferentes. É assim que acontece a verdadeira mudança”, acrescentou.

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