Não merece uma medalha, senhor ministro

Em vez de reclamar louros pelo que fez, Eduardo Cabrita devia fazer penitência pelo que tolerou durante meses

O ministro da Administração Interna passou os últimos dias a exibir desconforto, sentimentos de injustiça ou perplexidade com as críticas pela forma como geriu as sequelas do brutal homicídio de um cidadão ucraniano à guarda do Estado português. Acossado pelas críticas até do seu partido, Eduardo Cabrita desenrola as glórias do seu percurso neste caso. Foi o “primeiro a lamentar” ou a “agir”, nota. Soltou os investigadores do ministério e deu transparência às suas investigações, sublinha. Verdade, mas apenas uma verdade parcial. Porque o ministro fez mais pelo caso na última semana do que nos nove meses anteriores. Quando a pressão política e da cidadania tinham começado a pedir a sua cabeça. Quando a credibilidade do SEF e do Estado estavam irremediavelmente afectados.

Em vez de reclamar louros pelo que fez, Eduardo Cabrita devia fazer penitência pelo que tolerou durante meses. Devia, por exemplo, assumir culpas por ter deixado a ex-directora do SEF tanto tempo no cargo. Devia pedir desculpas pelo vergonhoso comunicado de ontem, que tentava diluir a demissão de Cristina Gatões numa supostamente rotineira mudança na organização dos serviços. Devia assumir que a decisão de indemnizar os familiares da vítima ainda antes do julgamento dos agentes do SEF devia ter ocorrido há meses e não agora, a reboque da pressão da oposição, do aparelho do PS e do próprio Presidente da República.

Não estão em causa os pergaminhos de Eduardo Cabrita no respeito pelos direitos humanos. Não estão em discussão as demissões que forçou ou os inquéritos que autorizou. O que está em causa é um velho vício do poder que impõe aos ministros e aos Governos uma cultura de silêncio, de protecção dos seus acólitos e de encobrimento dos desmandos dos serviços que tutelam. O crime do aeroporto foi detectado, investigado e vai ser julgado mas isso é o mínimo exigível num Estado de direito democrático. A responsabilização política exige mais. Garante-se com demissões. A nossa vergonha colectiva, como aqui a descrevemos, não se repara com estados de alma.

Dizer que falou e fez antes de todos neste caso do SEF, lembrar feitos nos incêndios ou na criminalidade para cimentar a sua glória não ilude a situação frágil em que Eduardo Cabrita se encontra. Boa parte do que fez, fê-lo a reboque dos acontecimentos ou através de cortinas de fumo com botões de pânico. Só agiu quando percebeu que não podia continuar a varrer o lixo para debaixo do tapete. Só deixou cair a ex-directora do SEF quando sentiu o fogo aproximar-se da pele. Não tem direito de reclamar o papel de herói pioneiro que anda por aí a alardear.

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