Governo dos Açores anunciou que injecções na SATA são ilegais, mas Bruxelas não confirma

A Comissão Europeia está a investigar injecções do Governo açoriano à transportadora. Segundo o executivo açoriano, as injecções promovidas pelo anterior governo foram consideradas ilegais, mas a Comissão avisa que a investigação ainda decorre.

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Rui Gaudencio

O anúncio caiu com estrondo. A Comissão Europeia considerou ilegais as injecções de capital realizadas pelo Governo dos Açores na SATA, transportadora pública regional. O anúncio foi feito pelo próprio executivo regional, mas a história não ficou por aqui. Horas depois, a Comissão Europeia alertou que a investigação ainda decorria e que, para já, ainda não existem conclusões. Acusado de mentir, o Governo açoriano veio depois reiterar o que tinha dito, justificando com os formalismos da comunicação: a oficialização europeia chegará em breve, mas para o executivo açoriano já é um “dado adquirido” que a SATA terá de devolver os 73 milhões de euros à região.

Indo por partes. O anúncio chegou a meio da discussão do primeiro dia do debate do programa do Governo dos Açores, pela voz do novo secretário regional das Finanças, Planeamento e Administração Pública, Joaquim Bastos e Silva. “A direcção-geral da concorrência da Comissão Europeia comunicou-nos, por teleconferência, que os aumentos de capital, no valor aproximado de 73 milhões de euros, realizados pelo anterior Governo, de 2017 a 2020, constituem ajudas públicas ilegais, porque não obtiveram autorização prévia de Bruxelas”, atirou do púlpito da Assembleia Regional. E prosseguiu: devido à ilegalidade, a “SATA tem de devolver à região aquele elevadíssimo montante e esta devolução tem de ser feita antes de qualquer negociação sobre a urgente reestruturação”.

O secretário das Finanças não se imiscuiu de criticar o anterior governo açoriano, então liderado por Vasco Cordeiro, que agora se senta no parlamento regional como deputado. Apontou as “sérias dificuldades” atravessadas pela empresa que emprega 1400 pessoas e que registou 42 milhões de euros de prejuízo no primeiro semestre de 2020 - desses 42 milhões, 35,5 provieram da Azores Airlines (que voa do arquipélago para o exterior) e 7,5 milhões da SATA Air Açores (responsável pela ligação inter-ilhas).

Bastos e Silva avançou, também, que o grupo SATA registou, em 2019, uma dívida de 464 milhões de euros, valor que “excede largamente” os activos no valor de 244 milhões. “Incompetência”, “imprudência” e “irresponsabilidade”: o secretário regional não foi parco nas palavras para descrever a actuação do anterior governo do PS.

É precisamente a actuação do governo açoriano, na altura liderado por Vasco Cordeiro, que a Comissão Europeia está a investigar, concretamente as injecções de capital realizadas entre 2017 e 2020. A investigação foi motivada pelo auxílio de Estado de 133 milhões na SATA. Aquando da autorização do auxílio, que Bastos e Silva frisou não estar em causa, a vice-presidente Margrethe Vestager, que tutela a política de concorrência europeia, avisou: o auxílio é aprovado, mas carece de mais informações do lado português. Numa carta de 18 de Agosto revelada pelo PÚBLICO, a Comissão Europeia considerava que naquela fase os aumentos de capital açorianos pareceriam não cumprir as normas europeias.

As palavras do secretário regional das Finanças pareciam indicar o fim da investigação, mas, pouco depois, a Comissão Europeia afirmou à agência Lusa que a investigação ainda decorre, não existindo ainda conclusões. “Nesta fase, não conseguimos prever em que momento [será revelado] e que resultado terá a investigação. De acordo com a prática normal, a Comissão está em contacto com Portugal e outras partes interessadas no contexto da sua investigação em curso”, disse fonte do executivo comunitário à agência noticiosa.

Com a notícia de que a investigação, afinal, não estava concluída, o PS, que governou a região de 1996 até ao mês passado, reagiu de imediato. Primeiro, com um comunicado a criticar a “má-fé” e o “aproveitamento” do secretário regional. Depois, em conferência de imprensa. “O que disse não corresponde à decisão da Comissão Europeia pelo simples facto de que a Comissão Europeia ainda não tomou uma decisão. E isto tudo foi feito com o objectivo de prejudicar o PS, mas quem acabou por ser prejudicado concretamente foi a companhia aérea e, por consequência, o povo açoriano”, afirmou Francisco César, deputado socialista, na cidade da Horta, onde decorrem os trabalhos parlamentares.

Após a notícia da Lusa, Bastos e Silva reiterou o que tinha dito no dia anterior. Para o secretário regional, a confusão deveu-se à inexistência de uma comunicação formal, ou seja, a Comissão Europeia informou-lhe “em formato de teleconferência” da ilegalidade dos apoios, mas a investigação em si ainda não está oficialmente concluída.

“A comunicação formal [da obrigatoriedade da devolução do dinheiro] far-se-á mais à frente, mas é um dado adquirido”, realçou Joaquim Bastos e Silva, considerando que Bruxelas o avisou com antecedência para “ganhar tempo” e “não haver risco” da ruptura do serviço da SATA.

A investigação da Comissão Europeia incide sobre três injecções de capital: uma de 21,5 milhões, outra de 27 e outra de 80 milhões. No total, desde 2017 e até 2020, o governo açoriano do PS pretendia injectar 128,5 milhões na transportadora área. Uma parte do último apoio, cerca de 23 milhões, estava previsto decorrer até 2023. Até ao momento, só chegaram a ser injectados 73 milhões – valor que a SATA arrisca ter de devolver aos cofres da região.

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