A oportunidade da TAP

Com a pandemia, a alternativa à intervenção do Estado continuava a ser o Estado como garante de toda a dívida sem qualquer capacidade de controlo operacional

A decisão de salvar a TAP não foi tomada de ânimo leve e aqueles que defendem outro caminho devem apresentar e justificar a sua alternativa. Está muita coisa em jogo, particularmente a vida de pessoas, mas também de empresas, que dependem da TAP, além do contributo para a economia portuguesa de quase 2% do PIB, de 2,6 mil milhões de exportações, mais de 1000 milhões de compras a empresas nacionais e, agora, não menos relevante, o dinheiro dos contribuintes.

Se é verdade que a situação financeira da TAP não era boa antes do início da pandemia, ela viria a agravar-se substancialmente com a crise sanitária. Os resultados da companhia portuguesa no final de 2019 anteviam dificuldades futuras. Em pleno início de pandemia os privados solicitaram garantias ao estado de 375 milhões para fazer face à crise. Hoje temos consciência que seria manifestamente insuficiente (estão previstos seis vezes mais) e tendo em conta os compromissos assumidos na privatização, através da Parpública que enviou uma carta de conforto aos bancos a garantir a dívida passada, presente e futura, colocando o Estado numa posição materialmente similar à da qualidade de acionista único”, mas apenas em termos de dívida, conforme refere o Tribunal de Contas, as responsabilidades de mais endividamento seriam totalmente dos contribuintes.

Portanto, a primeira conclusão é que com a pandemia, a alternativa à intervenção do Estado continuava a ser o Estado como garante de toda a dívida sem qualquer capacidade de controlo operacional.

Outra questão colocada aquando a decisão de intervenção do Estado para o controle accionista relaciona-se com o mecanismo de auxílios de estado para a reestruturação da TAP. Há quem defenda que teria sido possível beneficiar dos auxílios do quadro temporário da covid-19, minimizando o esforço de reestruturação. Apesar de ser pouco compreensível que se admita manter uma companhia exactamente igual num contexto em que o mercado da aviação fica de “pernas para o ar”​ e com previsões de retoma superiores a três anos, ainda assim,  vale a pena analisar a situação como ela foi efectivamente.

De acordo com as Orientações para Auxílios de Reestruturação, a TAP era já uma empresa em dificuldade antes da pandemia porque mais de metade do capital social tinha sido perdido devido a perdas acumuladas. Em final de 2019 os capitais sociais da TAP eram de 585 milhões de euros negativos. Portanto por muito esforço que se pudesse ter feito seria impossível apagar esta circunstância que negava automaticamente o acesso às ajudas covid. Da mesma forma, a Comissão Europeia também recusou a ideia de considerar a TAP, SA e não a TAP, SGPS (grupo), para efeitos de ajuda, porque já tinha estabelecido que o critério para a definição dos auxílios no âmbito da covid seria o de grupo, colocando de fora a companhia portuguesa, em virtude do cumprimento do critério visto anteriormente.

Portanto, a segunda conclusão é que não havia uma alternativa aos auxílios de Estado para a reestruturação de empresas em dificuldade.

Noutro plano, talvez com alguma obsessão ideológica, há quem defenda que, em qualquer caso, deveria ter ficado o privado na companhia a gerir esta fase extraordinária. Sobre isto, vale a pena lembrar que havia a possibilidade de empréstimos do Estado mas, obviamente, um Estado responsável solicitaria um plano de reestruturação. Vale a pena dizer que os acionistas privados queriam empréstimos mas recusaram (sempre) o plano. Além disso, perante as promessas da gestão privada de lucros de 160 milhões de euros para 2018 e 2019, mas tendo sido obtidos prejuízos de 220 milhões, houve uma natural desconfiança com os propósitos desta gestão. Gerar um buraco de 380 milhões de euros em dois anos fez acender todos os alarmes.

A terceira conclusão é que os accionistas privados da TAP não revelaram o arrojo e a determinação para acompanhar os interesses do estado. Em bom português sempre quiseram “dado e arregaçado”, protegidos por um acordo de privatização muito favorável cuja recompra pelo estado não anulou totalmente, não oferecendo, por isso, a confiança necessária para salvaguardar os interesses do contribuinte português.

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