Portugal prevê gastar 200 milhões de euros em mais de 22 milhões de doses de vacinas

Ministra Marta Temido avisou que, nesta primeira fase, o número de doses que chegar ao país será limitado e que ainda não se conhecem todos os resultados dos ensaios clínicos. Estratégia de vacinação é apresentada esta quinta-feira.

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LUSA/RODRIGO ANTUNES

Portugal prevê gastar cerca de 200 milhões de euros e receber mais de 22 milhões de doses de vacinas contra a covid-19, anunciou esta quarta-feira a ministra da Saúde. A estratégia de vacinação é apresentada amanhã, mas Marta Temido deixa já dois avisos: nesta primeira fase o número de doses que chegar ao país será limitado e ainda não se conhecem todos os resultados dos ensaios clínicos. O processo de vacinação “será longo”, antecipou.

“Estimamos que o montante global de vacinas poderá atingir os 200 milhões de euros e ultrapassar os 22 milhões de doses vacinas”, disse Marta Temido no final de uma reunião que decorreu durante a tarde com elementos da task force criada para delinear e gerir a estratégia de vacinação e que inclui representantes de vários ministérios. Os detalhes sobre “as vacinas disponíveis, a quantidade de doses que se estima que sejam entregues no início do próximo ano, os grupos alvo em função dessa disponibilidade, a logística e a monitorização dos vacinados” foram deixados para hoje à tarde, quando o plano nacional for apresentado.

Mas a ministra deixou desde logo um alerta: “Há ainda muitas incertezas neste processo.” Primeiro, ainda não são conhecidos os resultados dos ensaios de fase 3 e, portanto, a “eficácia ainda não está avaliada pela Agência Europeia do Medicamento [EMA, na sigla em inglês]”. Para já, relembrou, estão agendadas duas reuniões – a primeira a 29 de Dezembro com a Pfizer (vacina da Pfizer e BioNTech)​ e a segunda a 12 de Janeiro com a Moderna – que se espera que culminem com a avaliação positiva.

Mas os resultados dos ensaios clínicos publicados até agora, acrescentou Marta Temido, abrangem, “na sua maioria, idades entre os 18 e os 55 anos”. “Não se conhece ainda a duração da imunização e os dados disponíveis não recomendam ainda a vacinação em crianças e grávidas”, referiu a ministra, destacando “a margem de incerteza" que envolve todo o processo.

“O Ministério da Saúde entendeu partilhar informação a par e passo, mas temos de ter a percepção de que o processo de vacinação vai ser longo. Não se vai concretizar num único dia ou sequer num período de tempo curto”, observou a governante, para enfatizar que nos próximos meses continuará a ser necessário manter as regras de distanciamento, de higienização e de uso de máscara.

Questionada sobre os locais onde poderá decorrer a vacinação, Marta Temido respondeu que as vacinas serão dadas no Serviço Nacional de Saúde (SNS). A vacinação “será universal - destinada a todos com indicação clínica de acordo com as características das vacinas ainda em avaliação pela EMA -, gratuita e facultativa”. “Admitimos a possibilidade de dois cenários: um primeiro momento de maior escassez de vacinas - no primeiro trimestre -, mas depois, ao longo do tempo, um cenário de maior abrangência e maior expansão do plano de administração”, especificou a ministra, prevendo que na primeira semana de Janeiro as primeiras doses de vacina estejam disponíveis.

A Comissão Europeia já anunciou que em Janeiro deverá começar o processo de distribuição pelos Estados-membros, mas o Presidente da República pediu aos portugueses que não tenham “ilusões”. Em declarações ao Observador, Marcelo Rebelo de Sousa frisou que as pessoas não podem relaxar em Janeiro e Fevereiro, mesmo que a vacinação esteja para breve. “Não tenhamos ilusões, este é um processo longo, de muitos meses”. Das duas vacinas que estão perto da aprovação, numa delas o fornecimento “vai prolongar-se durante meses e até ao Outono e, no caso da outra, vai prolongar-se até ao fim do ano”, disse.

Bombeiros, autarquias e farmácias podem ajudar

Esta quarta-feira, a directora-médica da Pfizer Portugal adiantou à RTP que a vacina pode chegar a Portugal já em 1 de Janeiro e que está previsto que sejam vacinadas 300 mil pessoas numa primeira fase. Segundo Susana Castro Marques, a farmacêutica vai assegurar todas as etapas do transporte e distribuição da vacina até aos locais definidos pelas autoridades portuguesas.

“Isso [300 mil] é pouquíssimo. Nos centros de saúde vacinamos 1,5 milhões de pessoas contra a gripe em pouco mais de duas semanas”, recordou o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), Rui Nogueira, para concluir que “a capacidade do SNS para desempenhar esta tarefa é grande”. Lembrando que há cerca de 900 unidades nos quase 400 centros de saúde do país, Rui Nogueira estimou que esta quantidade dará “pouco mais de 300 vacinas para cada unidade” e que “bastará uma semana” para as administrar.

Mas para uma operação de vacinação em massa em que se prevê imunizar milhões de pessoas “com a maior urgência”, e passada a primeira fase de escassez das doses que obrigará à priorização dos grupos a vacinar, será necessário reforçar os centros de saúde “com pelo menos 900 secretários clínicos, um por cada unidade, e contratar mais enfermeiros”, defendeu Rui Nogueira, notando que “vamos entrar numa fase difícil de infecções típicas do Inverno” e que os cuidados de saúde primários já estão “sobrecarregados”. Na vacinação contra a covid, acentuou,  “vai ser necessário ainda encontrar respostas para as pessoas que têm que ser vacinadas em casa, que estão acamadas ou isoladas e sem capacidade de mobilidade, além daquelas que vivem em locais recônditos”.

Para Rui Nogueira, porém, em Portugal “não fará sentido criar grandes centros para vacinação”, como está previsto noutros países. “Admito que possa ser necessário ter espaços próprios, dedicados, mas poderíamos usar os quartéis das corporações de bombeiros, bastaria fazer um protocolo”. Esta seria uma solução para localidades mais pequenas e, nos grandes centros urbanos, “poderão ser encontradas respostas com as autarquias e juntas de freguesia”, propõe. Também a rede de farmácias poderia ser usada. “Temos esta rede que outros países não têm e devíamos aproveitá-la” tendo em conta a “urgência” de vacinar o máximo de pessoas contra a covid-19, advoga.

Na véspera da apresentação do plano de vacinação, a Ordem dos Farmacêuticos, a Associação Nacional das Farmácias e a Associação das Farmácias de Portugal fizeram questão de afirmar publicamente, numa carta conjunta, a sua “disponibilidade" para serem incluídos no processo, lembrando que os cerca de cinco mil farmacêuticos estão “cientificamente preparados para vacinar” e que o fazem “há mais de 12 anos”, administrando anualmente “mais de 1 milhão de vacinas e injectáveis”.

Duarte Santos, presidente do Grupo Farmacêutico da União Europeia (PGEU, na sigla em inglês), que representa mais de 400 mil farmacêuticos comunitários e 160 mil farmácias de 32 países, especificou ao PÚBLICO que os EUA e o Reino Unido já anunciaram que “as farmácias vão colaborar" e que a França, a Austrália, a Irlanda e a Suiça estão a estudar esta possibilidade. “Os bons exemplos devem ser fontes de inspiração”, até porque esta possibilidade favorece “o direito de escolha das pessoas”, defende.

“Pioneiro na vacinação nas farmácias”, Portugal tem uma rede de mais de 2900 estabelecimentos em todo o país e em muitos “(mais de 2200) há capacidade para vacinar”, por isso, afirma, “desperdiçar este potencial é algo que não faz sentido”.

O Serviço Nacional de Saúde inglês (NHS) anunciou na sexta-feira que as farmácias poderão contribuir como locais de vacinação, desde que obedeçam a um conjunto de requisitos relativos a instalações, disponibilidade de recursos humanos, ou cobertura geográfica, ente outros. Entre os requisitos definidos, as farmácias devem ter a capacidade de administrar pelo menos mil vacinas por semana, devendo o serviço estar disponível todos os dias das 8h às 20h. A vacinação será remunerada (12.58 libras no caso de uma dose, e 25.16 libras, se forem duas).

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