Director da Seiva Trupe demite-se por falta de apoios do Ministério da Cultura

Após ver recusado o subsídio da DGArtes ao projecto pontual O Crime da Aldeia Velha, Jorge Castro Guedes decidiu abandonar a histórica companhia portuense e deixar a própria actividade teatral.

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Os actores António Reis e Júlio Cardoso, dois históricos da Seiva Trupe, numa encenação de Castro Guedes, em 1999 PAULO PIMENTA

O director da Seiva Trupe, Jorge Castro Guedes, anunciou esta segunda-feira que se demite devido à “falta de apoios do Ministério da Cultura” e da exclusão da companhia que dirige – criada no Porto há já 47 anos – dos financiamentos da Direcção-Geral das Artes [DGArtes].

“Decidi demitir-me da actividade teatral e, consequentemente da direcção artística da Seiva Trupe, dada a falta de apoios do Ministério da Cultura, traduzidas agora no não apoio da DGArtes a um projecto pontual, após diversas promessas da senhora ministra no sentido de resolver o problema da Seiva Trupe”, disse Jorge Castro Guedes à Lusa.

O director da Seiva Trupe considerou ainda uma “canalhice” a decisão do júri da DGArtes, por não contemplar, com um subsídio, o espectáculo O Crime da Aldeia Velha, baseado na peça homónima de Bernardo Santareno (1920-1980), cujo centenário do nascimento se comemora este ano. 

“Considero uma canalhice na medida em que são júris ad hoc, que houve todo um trabalho desenvolvido, e que realmente se comportam como miúdos”, precisa Castro Guedes. “Canalhas nesse sentido; se alguém eticamente quiser entender noutro, eu também o compreendo”.

O director demissionário assume que, com a sua decisão de se demitir, a companhia, que iria celebrar o seu 50.º aniversário em 2023, não tem “grandes condições para continuar”.

Numa carta enviada à Lusa que também chegou ao PÚBLICO, Jorge Castro Guedes vê a decisão da tutela como uma “sentença de morte, sadicamente por garrote, da Seiva Trupe, ironicamente proferida sob o mandato de quem afirmara querer salvá-la e aplaudiu a sua renovação”.

“A única coisa que queria era um mínimo de condições para trabalhar, mas, pelos vistos, nem a Seiva Trupe nem eu o merecemos dos poderes instituídos. Ou a nós não nos merecem eles. A ordem disto é comutativa. A situação, neste particular, da sobrevivência, é-me preocupante, mas mais preocupante seria continuar a viver o que, para mim, passou a ser um cancro intelectual que literalmente me corrói e mata. Antes a eutanásia do artista”, escreve o encenador, que se estreou na Seiva Trupe, como actor, em 1973, no próprio ano em que a companhia era fundada por Júlio Cardoso, António Reis e Estrela Novais. 

Tendo depois criado, e dirigido durante uma década, o Teatro Estúdio de Arte Realista (TEAR), onde iniciou a sua extensa carreira de encenador, Castro Guedes esteve envolvido em muitos outros projectos teatrais  –​ como Dogma 12: Estúdio de Dramaturgias de Língua Portuguesa, que fundou em 2012, depois de deixar o Centro Dramático de Viana –​​. ​antes de regressar como director à companhia portuense cujo núcleo inicial integrara há quase meio século. 

Agora avisa que dará uma nota pública, em “momento oportuno” e longe do “habitual chavascal”, em carta à ministra e ao primeiro-ministro, num “último acto de uma batalha” que diz ter perdido “sem perder o rosto”.

A 26 de Julho de 2019, Jorge Castro Guedes e a ministra da Cultura trocaram impressões durante uma visita da ministra às instalações da Seiva Trupe na Cooperativa do Povo Portuense, local para onde a companhia se mudara depois de ter sido despejada em 2013 do Teatro do Campo Alegre.

Na altura, a justificação para o despejo prendeu-se com o facto de a companhia de teatro ter falhado o pagamento de prestações em dívida. Castro Guedes avançou na ocasião à Lusa que a companhia pretendia constituir uma “incubadora de teatro” para integrar um “banco de estagiários onde licenciados da Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto, por exemplo, pudessem fazer livremente os seus projectos, depois dos dois anos de estágio”.

Desde Agosto de 2019 que a sede administrativa da Seiva Trupe passou para a Fundação Escultor José Rodrigues, porque as salas de espectáculo e de ensaios na Cooperativa do Povo Portuense “jamais passariam, com as novas normas da IGAC [Inspecção-Geral das Actividades Culturais]”, porque não têm, por exemplo, “acessos para deficientes” nem “saídas de emergência”, explicou então o director da companhia.

A Seiva Trupe passou então a ensaiar os seus espectáculos em vários espaços da cidade, como a Cooperativa Árvore, o Museu Nacional da Imprensa, o Café Lusitano, o Pinguim Café, a Casa Allen, a sala do Cineclube, na Casa das Artes, ou o Convento de Francos.

A companhia esteve para fechar portas em 2018, depois de não ter conseguido apoios da DGARtes nos concursos do Programa de Apoio Sustentado às artes 2018-2021. 

Na sexta-feira passada, a DGArtes anunciou os resultados do Programa de Apoio a Projectos, nas áreas de Criação e Edição, com a garantia, para 2020, do financiamento de 110 candidaturas, num valor de cerca de 2,4 milhões de euros.

Este ano foram analisadas pela DGArtes 506 candidaturas. Destas, 388 foram consideradas elegíveis para apoio. Porém, só 110, menos de um terço dos candidatos elegíveis, irão de facto receber financiamento. De acordo com os mapas do concurso, a candidatura da companhia Seiva Trupe foi considerada elegível para apoio financeiro, com uma classificação de 72%.

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