Hervé Le Tellier vence Prémio Goncourt 2020

O escritor, jornalista e linguista de 63 anos foi distinguido pelo romance L’Anomalie. Os prémios Renaudot foram para Marie-Hélène Lafon e Dominique Fortier.

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Le Tellier posa nos espaços da editora Gallimard depois de receber o prémio Reuters/CHARLES PLATIAU

O escritor Hervé Le Tellier é o vencedor da edição de 2020 do Prémio Goncourt, o mais prestigiado galardão da literatura francesa. O autor, jornalista e linguista de 63 anos recebeu oito votos do júri pelo romance L’Anomalie, cuja premissa envolve um acontecimento inexplicável que perturba a vida dos passageiros de um voo Paris-Nova Iorque. Maël Renouard, um dos finalistas, teve dois votos com a obra L’Historiographe du Royaume.

“Um autor nunca está à espera de um prémio como o Goncourt. Primeiro, ele nunca escreve para o ganhar. Depois, não conseguimos imaginar tê-lo”, disse Le Tellier por videoconferência, numa cerimónia forçosamente adaptada à pandemia e condicionada pela mesma, sem o habitual mar de fotógrafos e jornalistas em redor do vencedor.

O escritor, que recebeu simbolicamente um cheque de dez euros – a generalidade dos vencedores prefere emoldurar o cheque a levantá-lo – , faz parte do movimento Oulipo – Ouvroir de Littérature Potentielle​, uma corrente literária formada no início dos anos 1960 por escritores e matemáticos que, de forma aparentemente paradoxal, propunham a libertação da literatura impondo uma série de limitações à sua escrita. Um dos primeiros e mais célebres exemplos do romance oulipiano é La Disparition (1969), de Georges Perec, cujas 300 páginas não incluem um único “e”, a letra mais usada na língua francesa. Com típico humor oulipiano, Le Tellier intitulou o seu segundo romance, uma espécie de falso policial, La Disparition de Perek.

Nascido em 1957, Hervé Le Tellier começou por se interessar pela matemática antes de saltar para o jornalismo. Escreveu para a extinta revista L’Événement du Jeudi (1984-2001) e para o jornal satírico La Grosse Bertha, tendo também no currículo colaborações com o Le Monde e a revista Nouvelles Clés. Em Portugal está pouco traduzido, mas a Teodolito publicou há alguns anos Nunca é Demais Falar de Amor, tradução de Assez Parlé d’​Amour (2009).

L’​Anomalie é o seu oitavo romance e, tal como alguns dos seus livros anteriores, justapõe diversos tipos de ficção e respectivas convenções, do policial à história de aventuras ou à narrativa sentimental. O ponto de partida é um facto enigmático: o mesmo avião, com o mesmo comandante e os mesmos passageiros, voa duas vezes de Paris para Nova Iorque, com alguns meses de intervalo – uma arrojada versão colectiva do ancestral tópico literário do duplo. 

Se o Goncourt não é acompanhado de uma dotação financeira significativa, o prestígio deste prémio atribuído pela primeira vez em 1903 continua a ser considerável. A extensa lista de romances a que agora se juntou L’​Anomalie integra títulos cuja companhia não é de desdenhar, de À Sombra das Raparigas em Flor (o segundo tomo de Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust) e A Condição Humana, de André Malraux, a O Amante, de Marguerite Duras.

O anúncio do vencedor do Goncourt não foi desta vez feito no restaurante parisiense Drouant: devido à pandemia, o habitual palco das cerimónias de entrega do prémio está encerrado. L’Anomalie estava também na corrida pelo Prémio Renaudot, tradicionalmente anunciado no mesmo dia, que acabou por ir para a obra Histoire du Fils e para a autora Marie-Hélène Lafon. O Renaudot Ensaio distinguiu Dominique Fortier por Les Villes de Papier

Este é também um Prémio Goncourt atribuído ligeiramente fora de época: a cerimónia protocolar de anúncio do vencedor deveria ter acontecido a 10 de Novembro, mas a Academia Goncourt adiou a entrega do galardão numa manifestação de solidariedade para com as livrarias francesas, que, devido ao novo confinamento parcial decretado no fim de Outubro por Emmanuel Macron, tiveram de encerrar juntamente com outros serviços considerados não-essenciais.

As livrarias e outros equipamentos culturais (como lojas de artigos culturais, bibliotecas e galerias) entretanto reabriram a 28 de Novembro, dia em que a França começou a aligeirar este seu segundo confinamento. O Governo de Macron volta assim a ver na cultura um bem essencial, depois de muitos intervenientes do tecido artístico do país terem endereçado pedidos de ajuda e críticas. O sector livreiro espera que a proximidade do Natal e o entusiasmo gerado em torno dos prémios literários minimizem os estragos neste que de outra forma tem sido um ano de grande prejuízo.

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