Líderes tigré anunciam reconquista de cidade às tropas federais da Etiópia

Um dia depois da declaração de vitória do Governo etíope fica claro que o conflito não acabou. Partido rebelde lançou ataque contra a capital da Eritreia e promete resistir.

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A Um Raquka, campo de refugiados no Sudão, a 70 km da fronteira, continuam a chegar etíopes em fuga BAZ RATNER/Reuters

A Etiópia lançou este domingo uma caça ao homem para encontrar os líderes do partido que até agora governava Tigré, um dia depois de ter anunciado que as tropas federais assumiram o controlo da capital desta província do Norte. Mek’ele está agora tranquila, mas a declaração de vitória do primeiro-ministro, Abiy Ahmed, sobre a Frente de Libertação do Povo Tigré (FLPT) parece ter sido prematura: ao início a noite, o líder da organização reivindicou a reconquista de uma cidade e o derrube de um avião militar.

Há vários dias que o paradeiro do chefe da FLPT, Debretsion Gebremichael, assim como da restante liderança, é desconhecido. E é a através de mensagens de texto enviadas à agência Reuters que Gebremichael tem comunicado: foi assim que este domingo reclamou que as suas forças recuperaram o controlo de Axum ao Exército federal e que anunciou o derrube de um avião e a captura do piloto que “estava numa missão para bombardear”.

Como sempre desde o início do conflito lançado por Adis Abeba a 4 de Novembro, não é possível verificar no terreno estas afirmações. Continua a ser quase impossível contactar com Tigré, onde as comunicações telefónicas e de Internet estão cortadas há mais de três semanas.

O Governo não comentou no imediato estas reivindicações da FLPT – pela mesma altura, denunciava ter encontrado umas 70 sepulturas na cidade de Humera, umas em valas comuns, outras individuais. Humera é uma das principais cidades da região de Tigré e foi das que mais terá resistido às forças enviadas por Abiy. Entre os 43 mil etíopes que fugiram para o Sudão há muitos que escaparam aos confrontos nesta cidade.

Ataque contra Asmara

Antes das acções militares divulgadas por Gebremichael, a FLPT já tinha respondido à perda da sua capital com um ataque à capital da Eritreia. Ainda na noite de sábado, Asmara foi alvo de vários rockets disparados de Tigré que diplomatas ouvidos pelas agências de notícias dizem ter atingido o aeroporto e instalações militares – a Eritreia é um dos países mais secretos do mundo e não houve comentários oficiais, como já não tinha havido nas duas primeiras vezes que Asmara foi atacada nas últimas semanas.

A FLPT justifica estes ataques com a acusação de que as autoridades eritreias têm estado a ajudar militarmente o primeiro-ministro Abiy, o que tanto a Etiópia como a Eritreia desmentem. Os dois governos são próximos desde que Abiy negociou a paz com a nação vizinha, enquanto a FLPT considera a Eritreia como arqui-inimigo.

Abiy não esperou para declarar vitória. Fê-lo assim que as suas forças entraram em Mek’ele sem a catástrofe humanitária que a ONU e os países da região temiam. O primeiro-ministro que recebeu o Nobel da Paz em 2019 por causa da aproximação à Eritreia recusou todas as tentativas externas de mediação por considerar que os líderes da FLPT são “criminosos” que ameaçavam a soberania da Etiópia.

Mas apesar do optimismo do chefe do Governo, era pouco credível que a FLPT pudesse desaparecer. Alguns analistas lembram que a sua batalha contra as forças federais na guerra civil entre 1975 e 1991 terminou com o partido a tomar o poder em Adis Abeba – isto num contexto regional muito diferente, que faz com que a FLPT esteja hoje muito mais isolada.

Mas os mesmos observadores que antecipavam que nenhum dos chefes da FLPT estaria em Mek’ele quando as forças federais lá entrassem antecipam agora que estes prepararam o regresso às montanhas para dali lançarem uma guerra de guerrilha. E para além de 250 mil combatentes bem armados que se estima ter à sua disposição, contava, pelo menos até este conflito, com uma amplo apoio entre os 6 milhões de tigrés.

Hospital a precisar de tudo

Ainda se sabe pouco sobre a situação no interior de Tigré. Mas um comunicado do Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV), que foi autorizado a visitar o principal hospital de Mek’ele permitiu um raro vislumbre da situação no terreno: o CICV diz que “80% dos pacientes têm lesões traumáticas” resultantes do conflito e que todos os serviços com excepção das urgências foram encerrados. “O hospital está prestes a ficar sem material de suturas, antibióticos, anticoagulantes, analgésicos e até luvas”, afirma a responsável do CICV na Etiópia, Maria Soledad.

De resto, há poucas informações sobre as necessidades da população de Tigré. Nem sequer é possível ter uma ideia aproximada do número de mortos, estimando-se que sejam milhares.

Só num massacre denunciado pela Amnistia Internacional na cidade de Mai-Kadra, a 9 de Novembro, 600 pessoas terão sido mortas a golpes de facas e machetes – o Governo acusa a FLPT destas mortes e a organização não-governamental diz que aconteceram depois da derrota da FLPT numa batalha nos arredores da cidade.

As vítimas eram trabalhadores à jorna da etnia ahmara que viviam em Tigré e ao lado das forças do Governo, nesta e noutras batalhas do conflito, estiveram milícias da província de Ahmara. Já os refugiados que estão no Sudão descrevem ataques étnicos cometidos por milícias ahmara contra os tigrés.

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