Covid-19: portugueses resgatados de Wuhan regressam à cidade agora “mais segura” do mundo

O primeiro epicentro da pandemia, no centro da China, soma já meio ano sem novos casos. A preocupação agora são as pessoas que chegam do exterior. Internamente, as autoridades e a imprensa estatal chinesa passaram a sugerir que a doença não teve origem no país à medida que o vírus se espalhou pelo mundo.

Foto
Wuhan, na província chinesa de Hubei, onde foram identificados os primeiros casos de infecção pelo vírus SARS-CoV-2 Reuters/STRINGER

Os portugueses resgatados em Fevereiro passado de Wuhan regressaram, entretanto, à cidade chinesa onde foram diagnosticados os primeiros casos da covid-19 e sentem-se agora “no sítio mais seguro do mundo”, após a China ter contido a epidemia.

Volvido quase um ano desde que foram detectados os primeiros casos de uma misteriosa pneumonia, a vida retornou à normalidade em Wuhan, enquanto o Partido Comunista Chinês parece ter reforçado a sua legitimidade, abalada inicialmente pela epidemia.

Situada no centro da China, a cidade, que permaneceu bloqueada durante mais de dois meses, obrigando ao resgate de milhares de estrangeiros, incluindo 20 portugueses, soma já meio ano sem novos casos.

“Estamos no sítio mais seguro do mundo”, observa à agência Lusa o treinador de futebol Miguel Moreira, um dos 20 portugueses que, em Fevereiro passado, voou para Portugal, numa operação coordenada pelas autoridades europeias.

Cerca de um mês e meio depois de Moreira ter sido resgatado, o continente europeu tornou-se o epicentro da epidemia, ultrapassando a China no número total de casos.

No total, a Europa soma hoje mais de 17 milhões de casos e quase 390 mil mortes, segundo dados do Centro Europeu para a Prevenção e Controlo da Doença. A China soma 86495 infectados e 4634 mortes desde o início da pandemia, de acordo com dados do Governo chinês.

O antigo guarda-redes dos clubes Paços de Ferreira, Varzim e Mafra regressou, entretanto, a Wuhan, para prosseguir o seu trabalho numa academia de futebol da cidade.

A preocupação em Wuhan, cujos cerca de onze milhões de habitantes estiveram durante mais de dois meses confinados em casa e proibidos de sair da cidade, é agora quem chega do exterior, à medida que a China regista sobretudo casos importados.

“As velhinhas afastam os netos quando me vêem; o segurança no meu condomínio faz sempre questão de verificar a minha temperatura antes de me deixar entrar”, descreve à Lusa António Rosa, professor de Design e Arte numa escola internacional de Wuhan, que foi também resgatado, mas acabou por voltar, em Maio passado.

As origens da pandemia caem em esquecimento

A China, onde os primeiros casos da doença foram diagnosticados no final de 2019, foi alvo de críticas pela gestão das fases iniciais do surto. O Governo chinês recusou-se inicialmente a compartilhar amostras do vírus e resistiu a uma investigação transparente e independente. Na primeira quinzena de Janeiro, as autoridades de Wuhan reportaram apenas 41 pacientes, e descartaram que a doença fosse transmissível entre seres humanos.

Durante semanas, o número de pacientes manteve-se inalterado. A 18 de Janeiro, as autoridades de Wuhan permitiram ainda um banquete com 40 mil pessoas, com o objectivo de estabelecer um recorde mundial.

No entanto, já no final de Dezembro, vários médicos da cidade começaram a alertar para os perigos de uma doença desconhecida. As autoridades agiram de imediato, não para conter o surto, mas punindo os denunciantes: a polícia deteve oito médicos para os “educar” sobre os perigos associados a espalhar rumores.

Várias evidências sugerem que o vírus quase certamente teve origem num animal, antes de evoluir e contagiar seres humanos. As autoridades chinesas baniram o comércio e consumo alimentar de animais selvagens, após o início do surto. No entanto, à medida que a doença se alastrou pelo mundo, as autoridades e a imprensa estatal chinesa passaram a sugerir que a doença não teve origem no país.

Uma exposição temática sobre a luta de Wuhan contra o surto, no Centro de Exposições de Cultura da China, um pavilhão com 1,8 milhões de metros quadrados, no norte da cidade, exalta o papel do Partido Comunista Chinês, em particular do líder Xi Jinping, na luta contra a epidemia, mas não faz qualquer referência à origem da covid-19.

A exposição enaltece antes o apoio prestado pela China a países estrangeiros, incluindo o envio de equipamento médico e funcionários de saúde, e a generosidade dos líderes chineses em partilharem a “solução chinesa” com “organizações e países estrangeiros”.

Zhao Xiaosong, um estudante chinês, de 24 anos, que assiste à exposição, parece convencido: “Em dois meses conseguimos derrotar a doença. Um feito único a nível mundial”, explica. “O Partido Comunista desempenhou um papel crucial”, diz.

Sugerir correcção
Comentar