Merkel quer fechar pistas de esqui na Europa por causa do coronavírus

A Áustria, onde fica Ischgl, a estância de esqui que foi um ponto de disseminação da covid-19 na Europa no início da pandemia, é o país que mais resiste à ideia. E Ischgl tem planos para reabrir no Natal.

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Na Suíça, continua a ser permitido usar teleférico, aqui com a protecção aberta Reuters/DENIS BALIBOUSE

Angela Merkel não podia ser mais clara. Enquanto nos vários países europeus alpinos os empresários pressionam os respectivos governos para poderem reabrir as estâncias de esqui no Natal ou no Ano Novo, a chanceler alemã, que detém a presidência rotativa da União Europeia, anunciou esta quinta-feira no Parlamento, em Berlim, que vai esforçar-se por mantê-las fechadas na Europa, por causa do risco de transmissão do novo coronavírus.

“A época do esqui está a chegar. Vamos tentar obter um acordo na Europa para encerrar todas as estâncias de esqui”, declarou Merkel.

A chanceler disse isto pouco depois de a Alemanha ter anunciado que não abrandaria as restrições sanitárias até 20 de Dezembro, com as mortes diárias devido à covid-19 a atingirem 15 mil, relatou o Financial Times. Com os dados actuais, a chanceler quer manter os europeus fora das pistas de esqui até 10 de Janeiro – até depois férias de Natal e Ano Novo.

“Preferia um acordo a nível europeu: que não houvesse férias de esqui em lado nenhum, nem teleféricos a funcionar em local algum”, comentou Markus Söder, o primeiro-ministro do estado federado da Baviera, para onde muitos alemães gostam de ir esquiar. “As taxas de infecção não permitem ter férias a esquiar clássicas”, acrescentou, citado pelo jornal britânico.

Por isso, e porque está a ser pressionado pelos empresários do sector para permitir a reabertura das estâncias de esqui, o primeiro-ministro francês, Jean Castex, anunciou nesta quinta-feira que esses espaços poderão abrir no Ano Novo, mas estará interdito o funcionamento dos meios mecânicos para levar as pessoas para o topo das pistas de esqui. Os visitantes poderão ir para “respirar o bom ar das montanhas”, mas não poderão aglomerar-se nos elevadores, teleféricos ou nos acessos às pistas, disse, citado pelo Le Monde.

Esta interdição suscitou uma revolta no sector, pressão sobre o Governo, publicação de anúncios e artigos de opinião indignados na imprensa – até porque antes de Jean Castex dizer que os hotéis de montanha, pelo menos, poderiam reabrir, o Presidente Emmanuel Macron tinha anunciado que o esqui seria interditado durante todo o Inverno, pura e simplesmente.

O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, também já apelou a um encerramento, em toda a Europa, das pistas de esqui. “Se a Itália decidisse encerrar as pistas sem ter o apoio de França, da Áustria e todos os outros países, os turistas italianos arriscariam ir para o estrangeiro, e poderiam trazer a covid-19 para casa”, disse Conte na semana passado, citado pelo Financial Times.

As muitas infecções de Ischgl

Mas de onde vem tanto receio relativamente ao esqui? A resposta está no que se passou em Ischgl, uma cidade nos Alpes austríacos, também conhecida como a “Ibiza das Neves” por causa das festas e da animação contínua, e que se tornou, no início da pandemia, num importante pólo de contágio da covid-19 na Europa. Dali saíram muitas pessoas infectadas, que levaram o vírus para o seu país, criando novos focos de transmissão.

Uma investigação posterior à forma como as autoridades locais e os proprietários dos estabelecimentos daquele local turístico no Tirol, um dos mais badalados do Inverno europeu, mostrou que os alertas foram ignorados, que, quando já não se podia ignorar que havia pessoas a ficarem doentes, os hóspedes que tinham de ser dali retirados foram mantidos durante muitas horas juntos, em espaços fechados… É uma história exemplar do que não se devia ter feito.

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A conhecida marroquina Karima El Mahroug em Ischgl, em 2011 REUTERS/Dominic Ebenbichler

Um estudo do Instituto da Economia Mundial de Kiel, na Alemanha, publicado em Maio, e citado pelo jornal italiano La Repubblica, estima que 48% das infecções iniciais pelo novo coronavírus na Alemanha estão relacionadas com férias em Ischgl. O mesmo aconteceu com um terço das primeiras infecções na Dinamarca, um sexto das da Suécia e 40% das infecções na Áustria. Outro estudo, do Instituto de Virologia da Universidade de Innsbruck, na Áustria, publicado em Junho, concluiu que 42% dos habitantes de Ischgl tinha anticorpos para o novo coronavírus – uma prova de que o vírus passou por aquela povoação como fogo em capim.

Em Setembro foram iniciados os primeiros quatro processos relativos a Ischgl, em que a associação de consumidores VSV recolheu 6000 pedidos de indemnização de visitantes de 45 países diferentes – incluindo os dos familiares de 32 pessoas que estiveram em Ischgl e morreram com covid-19. Entre as pessoas que devem ser acusadas está o presidente da câmara, relata o La Repubblica.

Perdas de dois mil milhões de euros na Áustria

Apesar desta catástrofe, Ischgl estava pronta para reabrir neste Natal para mostrar que tinha aprendido as lições e provar que tinha a estância de esqui “mais segura do mundo”. Queria reabrir a 17 de Dezembro, a tempo das férias de Natal e Ano Novo, após um investimento de cerca de 700 mil euros em medidas sanitárias desde a Primavera, relata a Deutsche Welle (DW).

Sem as famosas festas pós-esqui, os responsáveis pela estância de Ischgl anunciam medidas que incluem testes e máscaras obrigatórios e controlo do cumprimento das regras de distanciamento entre as pessoas nos teleféricos que vão para o topo das pistas de esqui através de câmaras, com recurso a altifalantes para mandar as pessoas afastarem-se se for preciso, relatava a DW. Mas fotos publicadas nas redes sociais mostram que, mesmo assim, é difícil controlar o comportamento das pessoas, dizia o repórter alemão.

Os desejos de reabertura chocaram no agravamento das restrições na Áustria, esta semana, devido ao aumento do número de casos de covid-19 – e que estarão em vigor pelo menos até 6 de Dezembro. Mas a vontade de voltar à montanha não se acabou para os austríacos e, se forem impedidos de ir esquiar, vão vender cara a sua pele.

“Se a UE quer mesmo isso, terá de pagar”, afirmou o ministro das Finanças, Gernot Blümel. Na estimativa feita por Viena, encerrar as estâncias de esqui austríacas deverá causar perdas na ordem dos dois mil milhões de euros.

A Suíça, que não faz parte da União Europeia, mas faz parte do espaço europeu – e é facilmente acessível pelos europeus – diz que vai manter as suas pistas de esqui abertas. As dos cantões alemães, no Leste, onde a pandemia não tem sido tão grave, já estão a abrir, diz o Financial Times.

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