Covid-19: empresas recusam tolerância de ponto, entre crise e teletrabalho

Nas exportadoras como a PSA ou a Polopiqué, o impacto da crise económica justifica que as fábricas continuem a trabalhar. Nas telecomunicações e eléctricas, o teletrabalho é usado como argumento.

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No grupo PSA, em Mangualde, uma das maiores exportadoras do país, não vai haver paragem PHILIPPE WOJAZER/REUTERS (ARQUIVO)

O primeiro-ministro fez um apelo às empresas privadas para interromperem a actividade nas vésperas dos próximos dois feriados de Dezembro, de modo a facilitarem o cumprimento das limitações de mobilidade definidas para travar a pandemia de covid-19. Mais tarde, a ministra do Trabalho e da Segurança Social explicou que os trabalhadores terão falta justificada nesses dias, mas perdem a remuneração correspondente e não têm acesso ao apoio para ficar a cuidar dos filhos com menos de 12 anos criado em Março.

Neste contexto, as empresas contactadas pelo PÚBLICO deixam pouca margem para dar tolerância de ponto aos trabalhadores, alegando o recurso ao teletrabalho ou a tentativa de contrabalançar os efeitos negativos da crise económica provocada pela pandemia.

No grupo PSA, em Mangualde, por exemplo, uma das maiores exportadoras do país, não vai haver paragem. “A empresa irá manter a actividade” tanto na filial comercial como na fábrica, diz Jorge Magalhães, director de comunicação desta empresa do grupo Peugeot-Citroën com 1000 trabalhadores.

As razões dessa decisão são duas. Em primeiro lugar, porque fora da fábrica estão todos em teletrabalho desde Abril e dentro da fábrica vigora um “intenso protocolo” de protecção que tem dado frutos, visto que até ao momento não houve casos de contágio no sector da produção. Em segundo lugar, para evitar o “impacto” de dois dias de paragem adicionais “num sector profundamente afectado” e que “no acumulado do ano até Novembro já regista uma quebra de 36%” face ao mesmo período de 2019.

Mais a norte, no grupo têxtil Polopiqué, também com 1000 trabalhadores, nunca se colocou a hipótese de parar nas vésperas dos feriados, conta o presidente Luís Guimarães. Pelo contrário, para garantir o cumprimento das encomendas, quem quiser ganhar horas extraordinárias pode ir trabalhar nos dois feriados. Mesmo assim, a administração sabe que vai haver trabalhadores a meter férias.

“Tem sido uma grande luta para obter encomendas e se parássemos dois dias estaríamos a comprometer a nossa carteira”, resume o empresário. “Tenho a certeza de que haverá trabalhadores a meter férias, porque, se as creches param, mãe ou pai vão ter de ficar em casa com as crianças”, vaticina, acrescentando que o absentismo tem estado em níveis “elevados”. “A quebra já é enorme, o absentismo chega aos 30% e 40%, têm sido meses terríveis”, descreve, explicando que muitas dessas faltas se devem aos isolamentos profilácticos impostos a filhos em idade escolar de trabalhadores do grupo e também com casos de contágio em contexto familiar que obrigam os próprios trabalhadores a ficarem longe das fábricas.

Para Luís Guimarães, a tolerância de ponto dada pelo Governo ao sector público “não faz sentido” e “pode mesmo ser contraproducente”. “Muitos funcionários públicos já estão em teletrabalho. E esta ausência prolongada vai facilitar reuniões familiares que, pelo que dizem, são um foco importante de contágios. Por isso, não compreendo como é que o Governo decide neste sentido achando que o mesmo se pode aplicar no sector privado”, acrescenta.

Já na Casais, uma das maiores empresas de construção nacional, ainda não há decisões tomadas sobre se os trabalhadores vão todos para casa nos próximos fins-de-semana. O presidente da empresa explicou ao PÚBLICO que ainda estão a analisar a situação, admitindo que podem ter respostas diferentes nas diversas frentes de obra. O que vai pesar na decisão é a experiência tida na Páscoa, em que decidiram parar de quinta a terça-feira e o resultado foi o aumento do número de casos positivos.

“As autoridades de saúde explicam que o aumento de contágios acontece em perímetro familiar e a nossa experiência confirmou-o”, disse o presidente-executivo António Carlos Rodrigues. Há a probabilidade de que não parem as obras de todo. “É costume não fazermos a ponte e às vezes nem paramos no feriado. Pelo menos no feriado não religioso [1 de Dezembro] é costume estar a trabalhar”, explicou. O grupo Casais tem mais de 4500 trabalhadores, 1300 em território nacional. Os que não estão em frentes de obra estão praticamente todos em teletrabalho. Na sede da empresa, em Tibães, Braga, está muito pouca gente a trabalhar.

Nas telecomunicações, tanto a Altice como a Vodafone descartam a tolerância de ponto. A Vodafone explica que “a quase totalidade” dos trabalhadores está em teletrabalho, não havendo “necessidade de circulação de e para as instalações da empresa”. Como tal, os dias 30 de Novembro e 7 de Dezembro “serão dias normais de trabalho”. Reconhecendo que podem ser “mais desafiantes a nível da gestão familiar”, a empresa diz também que “não serão agendadas reuniões, com excepção das urgentes,” nesses dias, para dar mais flexibilidade aos trabalhadores.

A Altice também tem parte dos trabalhadores em casa e salienta que nas funções não compatíveis com o teletrabalho, como “nas áreas operacionais e de rede, ou outras em que o trabalho presencial é crítico para a continuidade do negócio”, aplica-se o regime de rotatividade. A dona da Meo diz que “não se justifica a tolerância de ponto, visto estarem garantidas todas as condições de segurança” dos trabalhadores, “além de que a manutenção, protecção e reforço das redes de telecomunicações exige o empenho transversal da empresa”, particularmente em “dias como esses, em que o tráfego aumenta de forma muito significativa”.

Depois de ter voltado a adoptar o regime do teletrabalho como regra para as funções que podem ser desempenhadas à distância, a Galp destaca os resultados “bastante positivos, quer ao nível da produtividade”, quer na “conciliação da vida profissional e pessoal” dos trabalhadores. “Nesse sentido”, a empresa “não vai proceder à dispensa” dos trabalhadores nas próximas duas segundas-feiras, “mantendo o regime de teletrabalho”.

A EDP refere que já tem “actualmente cerca de 70% dos colaboradores em teletrabalho” e decidiu que próximos dias 30 de Novembro e 7 de Dezembro irá encerrar os estabelecimentos abertos ao público “tendo em vista a diminuição da circulação, em resposta ao apelo do Governo”.

Já a REN confirmou que irá acompanhar o pedido do Governo e dar tolerância de ponto aos trabalhadores.

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