Com copo-d´água cancelado e catering não reembolsável, o que fazer? Um casal escolheu oferecer jantares a quem precisa

Dois norte-americanos arranjaram uma maneira de fazer limonada com os amargos limões que a pandemia lhes trouxe e, com o dinheiro do catering do copo-d´água cancelado, ofereceram 200 jantares de Acção de Graças a pessoas que sofrem de doenças mentais.

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A fotógrafa, Sophie Cazottes, ofereceu-se para documentar as núpcias na Câmara Municipal Sophie Cazottes Photography LLC via The Washington Post

Tinham preparada uma festa de sonho, com tudo a ser tratado por uma agência especializada. Mas, com cerca de 150 convidados, o lugar escolhido e a empresa de catering contratada, Emily Bugg e Billy Lewis depararam-se com um problema: terem de cancelar tudo por causa do surto de covid-19 e não terem como recuperar algumas das despesas, nomeadamente os cinco mil dólares da reserva do catering. Mas, como para qualquer problema, a solução desenhou-se rapidamente: a dupla escolheu oferecer 200 jantares de Acção de Graças a pessoas com doenças mentais graves, apoiados pela Thresholds, uma organização sem fins lucrativos, a operar no estado do Illinois, que fornece serviços e recursos para pessoas com doenças mentais graves e distúrbios derivados do uso de substâncias e para o qual Emily trabalha.

“Esta parecia ser uma boa maneira de tirar o melhor partido de uma má situação”, resumiu Emily Bugg. Assim, na semana que antecedeu o dia de Acção de Graças, que se celebra nesta quinta-feira nos Estados Unidos, dezenas de utentes da Thresholds receberam um jantar especial numa caixa: peru, molho, puré de batata, feijão-verde e outras iguarias preparadas pelo Big Delicious Planet, um reconhecido fornecedor de catering com sede em Chicago.

“Quando a funcionária da Thresholds Emily Bugg e o seu noivo Billy decidiram abdicar do seu grande casamento e optar por uma cerimónia íntima na Câmara Municipal, transformaram um dia mágico para eles numa surpresa maravilhosa para muitos”, enaltece a organização na sua página oficial de Facebook, onde partilha o artigo do Washington Post.

Emily e Billy, de 33 e 34 anos, ficaram noivos em Julho de 2019 e começaram a planear o casamento. Tinham reservado um espaço para eventos em Chicago que estava na moda, um DJ divertido e uma fotógrafa. Emily comprou o seu vestido de noiva, de cor creme e com alças finas, e a sua lista de convidados era composta por 150 pessoas.

Mas, à medida que a pandemia se prolongava, avançaram com um plano B, reduzindo a sua lista para 50 convidados. Depois, delinearam um plano ​C: mudar a data do evento. Até que, por fim, concluíram que o melhor seria adoptarem um plano ​D: cancelar tudo e dirigirem-se à Câmara Municipal no dia 1 de Outubro.

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O valor da festa reverteu para 200 refeições entregues a pessoas com doenças mentais graves DR

Seguir em frente

O casal, que se conheceu na aplicação de encontros online Bumble em 2017, decidiu que preferia ir em frente e casar do que esperar que uma pandemia aparentemente interminável se atenuasse. “Tínhamos chegado a um ponto em que tínhamos algumas grandes decisões a tomar”, disse Billy, que trabalha para uma empresa de publicidade. “Decidimos simplesmente avançar e seguir em frente com as nossas vidas.”

Quanto aos depósitos não reembolsáveis e às compras, os recém-casados atribuem a culpa à pandemia. O vestido de noiva – ainda dentro do plástico e pendurado no armário – foi uma causa perdida. O mesmo se passou com o cheque entregue ao DJ. Porém, outras despesas acabaram por ser alocadas a outras causas: o local, o Salvage One, um armazém de 5500 m2, concordou usar o valor da reserva do casal para um futuro evento para a Fundação Epilepsia, uma causa à qual Emily está associada, e a fotógrafa, Sophie Cazottes, ofereceu-se para documentar as núpcias.

Mas havia ainda a delicada questão do depósito do catering, no valor de cinco mil dólares (quase 4200 euros). Para esse valor, Emily traçou um plano: fazer com que o banquete de casamento se transformasse numa Acção de Graças para os utentes da Thresholds, onde trabalha há nove anos.

Jane Himmel, proprietária da Jane Himmel Weddings and Special Events, em Chicago, disse que a maioria dos organizadores e fornecedores de casamentos tem um depósito não reembolsável ou uma política de retenção, mas que muitos tentam também encontrar alternativas mutuamente aceitáveis, tais como permitir que o depósito passe para o próximo ano civil ou trocar fotografias de casamento por retratos de família. Por exemplo, a responsável conhece uns noivos que, há pouco tempo, doaram todos os seus arranjos florais a lares de idosos da área. E, porque os casamentos parecem tão diferentes na pandemia, pensa que estes gestos se tornarão mais comuns.

“No início da pandemia, era apenas o caos total. Mas, à medida que [a duração do surto de covid-19] se estendia, as pessoas começaram a adaptar-se à realidade”, constata Jane, que está há mais de duas décadas no negócio dos casamentos. “Houve uma mudança de mentalidade. Os casais querem transformar os limões em limonada.”

E isso estava na mente de Emily quando apresentou a proposta de Acção de Graças a Heidi Moorman Coudal, proprietária do Big Delicious Planet, que abraçou instantaneamente a ideia. Mark Ishaug, CEO da Thresholds, organização que serve cerca de oito mil utentes com problemas de saúde mental em Chicago, também gostou do plano. “Os feriados já são duros para pessoas com doenças mentais e com problemas de uso de substâncias, e a pandemia e o isolamento associado só exacerbaram ambos”, justifica.

Nos últimos meses, a Thresholds intensificou as formas de chegar às pessoas, lançando carrinhas de medicamentos móveis e acrescentando mais linhas para teleconsultas. Mas, tal como houve um aumento na necessidade de serviços, as doações caíram a pique. Por exemplo, a gala anual da Thresholds, que normalmente angaria cerca de 40 mil dólares (33.580 euros) para refeições foi substituída por um evento virtual que trouxe apenas cerca de 18.000 dólares (15.110 euros), relatou Mark Ishaug.

Por isso, o responsável mostra-se grato pelas refeições de Acção de Graças doadas, especialmente porque os habituais jantares comunitários da organização estão cancelados por causa da covid-19. “Esperamos que os utentes ainda possam sentir o calor de saber que nos preocupamos com eles. Estes pequenos momentos de ligação são o que nos mantém durante estes meses difíceis.”

Além do mais, este género de exemplo desencadeia um movimento de imitação. “Outras pessoas começam a perguntar-se: ‘O que posso fazer pelos outros no Dia de Acção de Graças?’”, assume Mark Ishaug, para depois desabafar: “Tem havido tanta raiva e medo o longo do ano... E depois temos algo assim de Emily e Billy, que é apenas sobre humanidade e bondade.”

Os recém-casados disseram que teria sido divertido celebrar com os seus entes queridos, mas que a pandemia tem permitido que estejam mais atentos a muitas coisas pelas quais são gratos: ambos são saudáveis, estão empregados e recentemente resgataram um segundo cão – uma cadela cruzada de Labrador que baptizaram de June.

“E tenho a sorte de ter uma mulher que é inteligente e atenciosa o suficiente para transformar uma situação menos boa em algo tão positivo para tantas pessoas”, constata Billy. Já Emily não consegue deixar de sentir uma pontada de tristeza quando vê o seu vestido por estrear. Mas, embora não tenha tido o seu momento no altar, recebeu algo mais significativo, tanto de amigos, familiares e estranhos: “Foram tantas as pessoas que me disseram que esta era uma bela maneira de começarmos juntos a nossa vida de casados.”

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