Um dia, Maradona cantou e dançou no balneário do Sporting

“A dada altura, aparece-nos no balneário o Maradona a cantar e a dançar, todo contente, com 100 dólares numa mão e a camisola dele na outra. Entrou lá a perguntar “dónde está el portero? Dónde está el portero?”.”

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Maradona com a camisola do Sporting vestida DR

Setembro de 1989. O Nápoles, de Diego Armando Maradona, enfrentou o Sporting na primeira ronda da Taça UEFA. Um Sporting liderado por Manuel José, que conta, ao PÚBLICO, histórias daquela eliminatória.

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A primeira mão, em Alvalade, teve direito a um Maradona em versão light. Ou talvez não. Foi light nos minutos jogados – apenas 20, entrando aos 70’ –, mas heavy no motivo. “Ele na primeira mão mal jogou, porque tinha acabado de chegar das férias na Argentina e vinha bem anafado”, recorda o treinador português.

Quilos a mais não foram raros em Maradona (na foto com a camisola do Sporting, em 1989), sobretudo nesta fase da carreira, à entrada para a década de 90, mas nunca foram grande entrave à magia. Dias depois, o argentino comprovou-o.

Medo de Maradona? “Seria despedido no dia seguinte”

Em Nápoles, no jogo da segunda mão, Manuel José recorda que “a história foi outra”, com Maradona no “onze” italiano. Antes da partida, o técnico “leonino” tinha garantido, porém, que queria um Sporting a jogar ao ataque, com ou sem Maradona do lado contrário.

“Sendo treinador do Sporting, nunca poderia dizer que íamos jogar fechadinhos na defesa, com medo do Maradona. Seria despedido no dia seguinte se dissesse isso”. E assim foi. O Sporting teve momentos mais fulgurantes e outros menos, durante a partida, mas houve algo que se manteve: nunca houve marcação individual ao astro argentino.

Manuel José pensou que, marcando Maradona homem-a-homem, até poderia limitar o craque adversário, mas isso colocaria o jogo num plano “dez contra dez”. “E eles continuariam a ser melhores do que nós”, constatou.

O técnico pediu, portanto, uma marcação mais zonal e colectiva, mas com a preocupação de limitar o pé esquerdo do canhoto argentino. “Quando ele entrar na vossa zona de marcação, vocês marcam pela esquerda, para o obrigar a ir para o pé direito”, pediu o treinador a onze sportinguistas prestes a encararem deus.

“A dada altura, o Maradona aparece na zona do Valtinho. Era um tipo de 1,90m, contra o Maradona, que parecia anão ao pé dele. E o Valtinho não se esqueceu do que eu tinha dito: marcou-o pela esquerda, para obrigar ao Maradona a usar o pé direito, mas o tipo saca um passe de letra, de 40 metros - pelo lado direito, mas com o pé esquerdo - e isola o avançado. Eu olhei para o banco e disse “com génios destes não adianta como o vamos marcar”. Ele era um génio impressionante”.

Já Valtinho saiu desse jogo com o orgulho de ter sido eleito o melhor em campo. “Massacrei o Maradona durante o tempo todo. Fiz três ou quatro entradas duríssimas sobre ele e, no final, fui eleito o melhor em campo. Ele insultou-me várias vezes e eu só me ria”, chegou a recordar o brasileiro, em 2011.

“Apareceu com 100 dólares numa mão e a camisola na outra”

Passes de letra de Maradona não foram, porém, suficientes para o Nápoles bater o guardião “leonino” Tomislav Ivkovic, bem guardado pelo médio Valtinho. Depois do 0-0 em Alvalade houve um 0-0 em Itália. E chegava a hora do desempate por penáltis.

Ivkovic encheu o peito de coragem e, quando chegou a vez do penálti de Maradona, provocou o argentino com um já famoso desafio: “Vai uma aposta como não marcas? 100 dólares e a tua camisola”.

Maradona aceitou, claro está, mas acabou mesmo por permitir a defesa ao guarda-redes. O Nápoles conseguiu, ainda assim, vencer o Sporting nesse desempate por penáltis, mas Diego Armando Maradona provou ser um homem de palavra. E esta é a parte da história que é menos conhecida.

“No final do jogo estávamos todos tristes, como é normal. A dada altura, aparece-nos no balneário o Maradona a cantar e a dançar, todo contente, com 100 dólares numa mão e a camisola dele na outra. Entrou lá a perguntar “dónde está el portero? Dónde está el portero?”. Quando viu o Ivkovic disse-lhe: “portero, ganhaste os 100 dólares e a camisola, mas eu ganhei a eliminatória”.

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