Presidência portuguesa da UE: uma oportunidade para o ambiente?

Em vários aspectos, Portugal, mais do que bom aluno, tem algo a ensinar. A experiência da Reserva Agrícola e da Reserva Ecológica Nacional, lançada por Gonçalo Ribeiro Telles, deu resiliência às cidades portuguesas.

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Portugal assume, já no início de 2021, a presidência do Conselho da União Europeia. Já o fez em 1992, 2000 e 2007, primeiro mostrando ser bom aluno, mais tarde afirmando uma posição mais pró-activa. O ano que se segue vai ser desafiante: tendo o Green Deal europeu sido apresentado como uma resposta à crise pandémica, Portugal terá uma oportunidade para apontar novos caminhos.

A tarefa podia ser mais difícil, porque há um longo caminho para percorrer. Porque, por maiores que sejam as ambições europeias, para uma sociedade mais sustentável, falta coordenar o trabalho dos vários Estados Membros. Não se trata só de harmonizar a legislação ambiental: importa articular os planos dos estados, por exemplo, em Ordenamento do Território.

A tarefa também não será fácil, já que a política territorial se arrisca a ficar refém da deriva dos Estados-membros. Veja-se o veto da Hungria e da Polónia ao Plano de Recuperação Europeu. No caso húngaro, o Governo, sem ministério do ambiente, reduziu o investimento em energias renováveis e vetou a neutralidade carbónica europeia em 2050. A resposta europeia, para um território mais sustentável, só pode passar por maior cooperação e nunca pelo isolacionismo.

Como é possível que, ao fim de mais de 30 anos na União Europeia, os Instrumentos de Gestão de Território se baseiem no Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território e na lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, que é exclusivamente nacional? Nenhum destes instrumentos jurídicos, e de gestão do território, parece contemplar o que se passa no outro lado da fronteira.

Também surpreende que, quando se definem critérios para atribuir fundos europeus, falte uma Política Europeia de Ordenamento do Território, onde se possa consultar o crescimento das cidades ou o ordenamento das florestas. Sem uma acção conjunta, o Green Deal arrisca-se a ser apenas um conjunto de intenções, porque uma Europa sustentável também controla os processos de urbanização, em cidades mais compactas, menos difusas, com mais opções de transporte.

Uma Política Europeia de Ordenamento do Território também harmoniza o desenvolvimento transfronteiriço, muito além das euro-regiões e dos programas da Interreg: à semelhança do que Portugal e Espanha acordaram na última Cimeira Ibérica, passa a existir uma identidade fronteiriça, também alicerçada num território que é cada vez mais partilhado.

Só essa integração vai poder dar resposta aos problemas ambientais que enfrentamos. Na criação de áreas protegidas comuns aos países, capaz de preservar ecossistemas. Mais do que cuidar da Rede Natura 2000, importa pensar na Estrutura Ecológica Europeia. Tendo já redes de estradas, gasodutos e até ciclovias europeias, por que não ter corredores verdes a unir cordilheiras, da Serra do Gerês aos Pirenéus, aos Alpes e aos Cárpatos, até ao Mar Negro? A preservação e recuperação ambiental das regiões menos humanizadas vai ser um factor-chave para a resiliência das sociedades, durante o século XXI.

Coloca-se a questão: porquê Portugal, para orientar o esforço Europeu para uma Política Territorial? Quando há tantos problemas ambientais por resolver, falta participação cívica e faltam instrumentos relevantes, como a legislação sobre solos contaminados, há tanto prometida. Provavelmente, cada Estado-membro terá os seus desafios. Mas, em vários aspectos, Portugal, mais do que bom aluno, tem algo a ensinar. A experiência da Reserva Agrícola e da Reserva Ecológica Nacional, lançada por Gonçalo Ribeiro Telles, deu resiliência às cidades portuguesas. Ou a mais recente proibição de construir junto à linha costeira, salvaguardando a subida do nível do mar. 

Nenhuma experiência, com políticas ambientais e de Ordenamento do Território, é totalmente isenta de sacrifícios. Há sempre cedências a fazer, pelo menos a curto prazo, para que as próximas gerações não sofram as consequências do nosso estilo de vida. E também, porque não, para manter a confiança, até do tecido económico e financeiro, para fazer investimentos de longo prazo. Mas a experiência portuguesa já tem algo para partilhar. Da mesma forma que, na protecção dos incêndios ou nas periferias das cidades, muito há para aprender com outros países europeus. Que a presidência portuguesa saiba criar esse espaço. 

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