Costa revisita objectivos da presidência da UE marcada pela pandemia e aposta no pilar social

Primeiro-ministro admite que o futuro da União dependerá da “flexibilização” entre os que a olham como um instrumento económico (como fazia o Reino Unido) e os que a preferem como uma “união de valores”. Acção portuguesa na presidência ficará condicionada se a Alemanha não conseguir acordos para orçamento e plano de recuperação até ao fim do ano.

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António Costa apresentou o programa português para a presidência da UE Reuters/POOL

Executar os instrumentos do quadro financeiro plurianual e do mecanismo de recuperação e resiliência, ultimar a estratégia para recuperar a autonomia estratégica da Europa e criar condições para a transição dos vectores-motores da recuperação económica através da transição climática e digital (em que o pilar social europeu terá um papel fundamental). Estes são os três aspectos fundamentais a que a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia vai dar prioridade, descreveu António Costa esta manhã de segunda-feira numa conferência no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica. “Esta será uma presidência de acção para concretizar os objectivos estratégicos da União”, prometeu.

Porém, para se focar nestes três vectores, é essencial que até ao final de Dezembro a presidência alemã consiga desatar dois nós fundamentais: obter um acordo com o Reino Unido sobre as futuras relações com a União Europeia, e conseguir que a Hungria, a Polónia e a Eslovénia acabem com o bloqueio que estão a fazer à aprovação do quadro financeiro plurianual e ao plano de recuperação. O próximo mês é, por isso, fulcral para Portugal saber o que o espera a 1 de Janeiro próximo, mas Costa diz ter “boas razões para confiar no trabalho da presidência alemã” e poder ter as duas questões resolvidas a tempo.

Porque, alega o primeiro-ministro, é preciso preparar rapidamente os regulamentos para a aplicação dos dinheiros europeus do quadro plurianual e do programa de recuperação financeira tanto no programa social, como nos novos da saúde, ciência, educação e cultura, para estarem prontos no primeiro semestre e poderem ser aplicados no segundo.

Já depois de terminar a sua intervenção, questionado por Durão Barroso sobre as dificuldades criadas pelo xadrez eleitoral dos Estados-membros ao processo decisório da União, o primeiro-ministro admitiu que essa é um problema cada vez mais notório tendo em conta o processo de decisão das instâncias europeias – boa parte dele por unanimidade e alvo de ratificações diversas. “Estamos muito condicionados pelo grau de decisão dos Estados-membros”, admitiu, lembrando que o acordo comercial com o Canadá esteve pendurado por um tribunal belga. Se não se conseguir acordo para o plano de recuperação até ao fim deste ano, “o calendário eleitoral holandês será um forte obstáculo à sua aprovação. Estamos em contra-relógio.”

Ao mesmo tempo, António Costa pretende que a sua presidência consiga definir uma “autonomia estratégica para a Europa” baseada numa nova visão política industrial mas também de concorrência e comercial. E, nas áreas da transição climática e da transição digital, é preciso assegurar as condições para as implementar, através da execução de instrumentos como o pacto ecológico europeu, a discussão e aprovação da nova lei do clima com reforço de metas de descarbonização até 2030, o plano de acção para a educação digital, o livro branco branco sobre a transição digital.

Além da concretização dos objectivos estratégicos, Portugal vai empenhar-se no desenvolvimento e consolidação do pilar europeu dos direitos sociais. A sua formalização será na cimeira do Porto, prevista para 7 e 8 de Maio. “O modelo social europeu é o pilar da Europa – foi decisivo no pós-guerra, foi vital para enfrentar a covid-19 e tem que ser a base para a mobilização e confiança da sociedade na transição climática e digital”, vincou António Costa.

Porém, estas transições, sobretudo a digital, cria uma enorme angústia no mundo laboral, embora se acredite que vão ser criados mais postos de trabalho do que aqueles que serão destruídos, isso não acontecerá para as mesmas pessoas. E a angústia e medo de tal cenário é “pasto fértil para florescer o populismo, as correntes nacionalistas, xenófobas e liberais”, admitiu, pelo que atacar o problema na raiz implica apostar na dimensão social: reforçar as qualificações para capacitar todos para participarem no processo, investir mais na inovação para melhora a competitividade das empresas, em especial das PME, e reforçar a protecção social para garantir que ninguém fica para trás.

A somar a esta tarefa difícil, Portugal quer também continuar a fazer uso da sua imagem de plataforma de ligação entre continentes e culturas. Foi sob as suas presidências que se fizeram as primeiras cimeiras com o Brasil e com África, por exemplo, e agora será a vez da Índia – também a 8 de Maio, no Porto, que Costa apelida da “jóia da coroa em matéria de política externa”. Outro evento simbólico será, em Junho, a amarração em Sines do cabo que liga a Europa e a América.

Mas há mais desafios além-fronteiras europeias, como normalização das relações comerciais com o Mercosul, com os Estados Unidos, com o Canadá, entre outros, mas também das relações políticas entre potências, dos EUA à China, do Japão à Oceânia e à Índia.

Dentro de portas o trabalho também é infindável. Além das questões financeiras do plano plurianual e do balão de oxigénio que os Estados-membros aguardam para combater os efeitos da pandemia que é o plano de recuperação, há que olhar para o caminho que a União quer percorrer. E isso far-se-á através da conferência sobre o futuro da Europa.

“A verdadeira dicotomia que se expressa na discussão sobre o Estado de direito ou as migrações é de duas visões que não devemos desvalorizar: saber se a UE é sobretudo uma união de valores fundamentais ou se é sobretudo um instrumento para gerar valor económico. A incompreensão desta distinção levou à saída do Reino Unido, que via a UE pela questão da economia”, descreveu António Costa. Hoje, alguns Estados-membros, mesmo até fundadores da União, defendem as posições que os britânicos antes defendiam.

“Temos que nos interrogar se a melhor forma é a rigidez [dos tratados] ou se devemos olhar para a UE com maior espírito de flexibilidade e assumir que, tal como Schengen e o euro não são para todos, temos que ter geometrias variáveis no futuro da União”, apontou António Costa lembrando que a abertura de fronteiras (feita em 2007, também numa presidência portuguesa) deixou de se vista como uma libertação e é agora olhada como uma “ameaça à identidade e segurança” de alguns países.

Antes de António Costa discursar, fora Durão Barroso, director do Centro de Estudos Europeus da Católica, que, ao lançar o debate, considerou que uma presidência do Conselho é sempre um “elemento essencial da apropriação da União pelos Estados-membros e pelos cidadãos” que assim se revêem nos mecanismos de acompanhamento. E defendeu a rotação que considera essencial para que todos os países, periféricos ou centrais, mais ricos ou mais pobres, mais novos ou mais antigos, tenham a oportunidade de estar meio ano “na casa das máquinas” da União, fazendo uma breve resenha sobre as presidências portuguesas.

Olhando para esse semestre português, e apesar do peso da pandemia (e da resposta sanitária com a vacina, e da social com o programa de apoio), o antigo presidente da Comissão Europeia desejou que se faça um “reset” nas relações com os Estados Unidos agora com o novo Presidente Joe Biden, tanto nas relações políticas como comerciais.

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