É nos Açores que o RSI é mais baixo: 86,11 euros por beneficiário

Os salários baixos, os empregos duros e as famílias largas explicam parte da pobreza dos Açores. Apesar de o número de beneficiários do Rendimento Social de Inserção estar a diminuir, a precariedade do emprego faz com que mesmo com trabalho os açorianos continuem a precisar deste apoio.

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O peso da agricultura nos Açores é superior ao resto do país e uma das razões para os baixos salários na região Rui Soares/Arquivo

Mulher, solteira, algures entre os 35 e os 44 anos, residente em São Miguel e com um rendimento mensal igual ou inferior a 189,66 euros. Assim é o perfil do beneficiário de Rendimento Social de Inserção (RSI) nos Açores, a região com maior nível de pobreza extrema no país. Enquanto a média nacional de beneficiários do RSI ronda os 3%, na região autónoma dos Açores o número dispara para 10,2%. Os salários baixos, as famílias grandes e o homem como o “provedor único” da família ajudam a explicar a exposição dos açorianos à pobreza (e porque é que é nos Açores que o RSI tem a prestação mais baixa do país, apesar de ser a região que mais dele depende).

De acordo com os dados mais recentes disponibilizados pelo Instituto da Segurança Social dos Açores, 61,3% dos titulares de RSI são mulheres. A maioria feminina tem sido constante nos últimos anos, reflexo da ausência da mulher do mercado de trabalho, explica Fernando Diogo, sociólogo, professor na Universidade dos Açores e investigador do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais. “Tem havido uma revolução social silenciosa sobre o lugar da mulher na sociedade, mas persiste ainda uma cultura patriarcal. Além disso, há um elevado trabalho de cuidadores informais prestado pelas mulheres”, acrescenta.

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Em conversa com o PÚBLICO, o sociólogo olha para os dados sobre o número de beneficiários do RSI nos Açores que ― embora tenha vindo a diminuir ― ainda reflectem o peso da agricultura “quando comparado com o resto do país”, nomeadamente na produção de leite e nas pescas. Apesar do crescimento do turismo ter melhorado as condições dos açorianos, “os salários continuam a ser tendencialmente mais baixos do que a média” do resto do país. 

Os números comprovam isso: 8,5% dos beneficiários de RSI têm rendimentos de trabalho, mas o valor é tão baixo que continuam dependentes desta prestação social. “Os Açores são a região do país onde as pessoas mais apresentam outros rendimentos”, nota Fernando Diogo, que hesita em chamar a estes rendimentos “salários pela sua “instabilidade e irregularidade”. Assim se explica que, mesmo com trabalho remunerado, os açorianos continuem a precisar do apoio de prestações sociais. A existência de um rendimento de trabalho (necessariamente inferior a 189 euros) e o tamanho das famílias explica porque razão o valor médio por beneficiário dos Açores seja o mais baixo do país: 86,11 euros.

Mas nem todo o arquipélago é igual. A intensidade de pobreza nos Açores varia de ilha para ilha: e é em São Miguel que a pobreza é mais penosa. Com uma densidade populacional superior às restantes ilhas (cerca de 80% da população total dos Açores) e com “um problema de transmissão geracional da pobreza”, a maior ilha dos Açores é também onde se concentram 74% do total de beneficiários do RSI nos Açores. Se no Pico, no Faial, nas Flores e no Corvo o número de beneficiários é inferior à média nacional, 14,1% dos residentes em São Miguel necessitam deste apoio, apontam os dados do Instituto Nacional de Estatística recolhidos em 2019.

O estigma da pobreza

Apesar dos traços gerais desenhados pelas estatísticas, o especialista destaca que “os beneficiários não são todos iguais”, até porque os dados apresentados dizem respeito apenas ao titular e não à totalidade de beneficiários que acabam por ter acesso ao apoio nos Açores e entre os quais “cerca de 33% são crianças e jovens até aos 15 anos”. Além disso, o valor que cada beneficiário recebe pode ir dos “dez aos 300 euros”. “A incapacidade de dar respostas mais firmes”, explica o professor, “deve-se à ausência de estudos sobre a pobreza em Portugal”. O especialista nota que “o último grande estudo sobre o RSI foi feito ainda durante o Governo de Guterres” e que desde então têm sido feitas apenas “algumas avaliações”.

“É preciso compreender que o combate à pobreza não esse faz apenas com estas medidas. Estas são medidas que ajudam a mitigar a intensidade e dureza da pobreza. Mas é preciso apostar em medidas mais estruturais, que passam pelo investimento em educação, na formação e em emprego de qualidade”, argumenta. “Gasta-se tanto na requalificação de uma rua como num programa de combate ao abandono e insucesso escolar”, lamenta o especialista. Uma escolha que “reflecte a pressão das elites locais” e que “explica a actual situação nos Açores”.

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