Privados vão receber entre 8431 e 2495 euros por internamento de doentes covid-19

Valores variam consoante a necessidade ou não de recurso a ventiladores e o tempo de uso destes recursos. Grupo Luz Saúde já reagiu e defende que devia haver revisão de preços, já que os preços estabelecidos não reflectem “os custos reais desta patologia”.

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O Grupo Luz Saúde diz que os dados do Hospital Beatriz Ângelo, sobre os custos reais do tratamento de doentes covid, estão disponíveis e podem servir para ajustar os preços agora fixados Rui Gaudêncio

O novo acordo entre as Administrações Regionais de Saúde (ARS) e as entidades privadas, para a prestação de cuidados de saúde para doentes covid-19, publicado na página da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), tem valores muito diferentes do acordo anterior, desenhado na primeira fase da pandemia. Agora, os hospitais privados que aderirem a este acordo irão receber bastante menos pelos doentes com covid-19 que necessitem de ventilação por mais de quatro dias, mas bastante mais pelos que só utilizam o ventilador por um período inferior a esse.

Tal como acontecia no primeiro acordo, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) só irá pagar por doentes covid-19 que sejam encaminhados pelos hospitais públicos, mas os valores não têm nada que ver com os que foram estabelecidos há poucos meses. A tabela definida pelo novo acordo prevê o pagamento de 8431 euros por doentes internados com recurso a ventilação por mais de quatro dias, 6036 euros para aqueles que necessitem desse recurso até quatro dias (96 horas) e 2495 euros para “episódios de internamento sem necessidade de ventilação”. O acordo anterior definia apenas duas categorias de pagamento - 12.861 euros para internamentos com recurso a ventilação por mais de quatro dias e 1962 euros para os que necessitassem de ventilador até quatro dias ou que não precisassem desse recurso.

A ministra da Saúde, Marta Temido, justificou, entretanto, a alteração de preços com o conhecimento que foi adquirido nos últimos tempos sobre os custos relacionados com o tratamento de doentes covid. “Em Abril de 2020, quando a ACSS preparou a primeira convenção extraordinária, não havia casuística que permitisse apurar um preço específico. Foi um preço por aproximação. A esta data já temos sete, oito meses de disponibilidade de dados dos custos do SNS, e foi com base nesse costeio que se fez a revisão de preço”, disse, na conferência de imprensa desta sexta-feira sobre a evolução da pandemia no país. 

Questionada sobre os custos destes doentes no SNS, Marta Temido disse que o preço fixado para doentes em termos globais (independentemente do tipo de cuidados e recursos que exigem) é de 2759 euros - um valor superior ao que será pago aos privados por doentes covid que não necessitem de ventilação, mas que a ministra disse reflectir “um conjunto de custos a que o SNS tem de dar resposta, desde logo a formação de internos”. Os novos valores propostos aos privados para o tratamento de doentes covid, garantiu, foram actualizados “no sentido de tornar as convenções mais atractivas para os prestadores de serviços e melhorar o que era a nossa dificuldade de ter respostas para doentes covid”.

E, a este nível, a ministra precisou que na região Norte, onde o aumento de casos tem sido mais marcante, “há um conjunto de respostas efectivas”, incluindo 45 camas disponibilizadas pela Fundação Ensino e Cultura Fernando Pessoas, 40 camas do Hospital das Forças Armadas e oito camas do Hospital CUF Porto. Em fase de conclusão estão acordos que permitirão ao SNS dispor de 20 camas do Grupo Trofa Saúde e de 40 camas, que poderão ir até 80, da Santa Casa da Misericórdia da Póvoa de Lanhoso.

Numa reacção aos termos do acordo, divulgada esta tarde em comunicado, a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) defende que, dado o momento actual, “seria incompreensível” que o Estado não recorresse aos privados e que estes não aceitassem ajudar. “Nós aceitámos imediatamente”, garante, argumentado que “nunca esteve em causa nenhuma questão contratual ou de preço”.

A APHP afirma, por isso, que este “não é certamente o momento” para se discutir preços e que “o que o Ministério da Saúde decidiu administrativamente será cumprido pelos hospitais privados”, mesmo sendo “valores abaixo do preço de custo”. “Esperar-se-ia que tivesse sido considerado como valor de referência o custo efectivo dos hospitais do SNS no tratamento dos doentes covid, mas também sabemos que os próprios hospitais públicos se confrontam com preços administrativos e sub-financiamento que sistematicamente leva à necessidade de reforço de verbas”, refere-se no documento. A disponibilidade, garante, por isso, a associação, é total. “Ninguém pode faltar numa altura destas aos portugueses”, conclui a APHP.

Segundo dados da Direcção-Geral da Saúde, divulgados pelo PÚBLICO em Outubro, o tempo médio de internamento de doentes covid-19, tanto em enfermaria como nos cuidados intensivos, estava a baixar, tendo passado de uma média de 28 dias em Março, para quem passou por aqueles dois serviços, baixando para 15 dias em Agosto.​

O acordo é de adesão livre, por parte do sector privado e social de saúde, e, tal como na versão anterior, tem a validade de três meses (a contar de 1 de Novembro), podendo ser renovado mensalmente, em caso de necessidade. 

Numa reacção enviada ao PÚBLICO, ao final da manhã, o Grupo Luz Saúde garantiu que irá aderir ao acordo, “mesmo tendo em conta que os termos do protocolo não reflectem os custos reais desta patologia”. Por isso, mesmo estando preparada para assinar nos próximos dias um conjunto de acordos com as ARS Norte, Centro e Lisboa e Vale do Tejo (LVT), diz esperar que “estes valores venham a ser revistos beneficiando da experiência de custos verificada nas unidades do SNS que tratam esta patologia”.

Segundo uma informação escrita enviada ao PÚBLICO, o Grupo Luz Saúde acrescenta que, fruto de “contactos formais ocorridos nos últimos dias” com representantes das três ARS, e com alguns hospitais de referência do SNS, disponibilizou-se para “alocar um total de até 138 camas para tratamento de doentes não covid e covid”.

O grupo só deverá receber doentes covid na região de LVT, no Hospital da Luz Lisboa, onde diz manter a disponibilidade de 30 camas, incluindo oito de cuidados intensivos e intermédios, para “responder às necessidades dos seus doentes, mas também para apoiar o SNS”. Todos os outros protocolos que foram ou serão assinados nos próximos dias, prevêem o apoio a doentes não-covid, incluindo, ainda na área de LVT, cinco camas para doença aguda não covid no Hospital da Luz Setúbal e 30 camas para convalescença no Hospital do Mar. 

No Porto, o Hospital da Luz Arrábida (situado num centro comercial) poderá receber até 26 doentes transferidos do Centro Hospitalar de S. João “a necessitar de cirurgias complexas, nomeadamente oncológicas e do foro vascular arterial com probabilidade de virem a necessitar de cuidados intensivos pós-operatórios” - este acordo, em concreto, vigora até ao final do ano, podendo prolongar-se, caso seja necessário.

O grupo privado também disponibilizará 15 camas das suas unidades da Póvoa de Varzim, Guimarães e Vila Real para doentes “com patologia médica em fase aguda de doença não covid”; seis camas do Hospital Luz Coimbra “para doentes com patologia médica em fase aguda de doença não covid” e oito camas em Aveiro e Oiã para doentes que necessitem de cuidados “de baixa complexidade”. 

O grupo diz que, dado o momento “de extrema gravidade, avançou de boa-fé” com estes acordos, na esperança que os valores fossem revistos. E diz que em nome “da transparência, da boa-fé e equilíbrio de interesses”, o preço a pagar deveria ser revisto, assente no apuramento “com rigor” dos custos “directamente associados aos tratamentos covid”. Um exercício que diz ser “da mais elementar justiça” e para o qual o grupo até se disponibiliza para contribui, adiantando que o Hospital Beatriz Ângelo (uma parceria público-privada gerida pelo grupo, que tem recebido centenas de casos covid-19) tem “dados completos e fidedignos”, acessíveis à ARSLVT.​

Segundo os termos do novo acordo, e tal como acontecia na versão de Abril, os preços a pagar pelo SNS aos privados pelo internamento de doentes não covid terá uma redução de 10% em relação aos custos dos hospitais públicos.

Notícia actualizada com as informações da ministra da Saúde a da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada.

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