Quando a covid-19 começou a espalhar-se, a informação fiável tornou-se mais dominante

Cientistas italianos avaliaram mais de 100 milhões de tweets ligados à covid-19 antes de a Organização Mundial da Saúde ter declarado a pandemia.

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Tal como nas epidemias há surtos, nas infodemias há surtos de rumores e informações pouco fiáveis Paulo Pimenta

Uma equipa de cientistas de Itália avaliou a desinformação sobre a covid-19 no Twitter logo entre Janeiro e Março. Agora publicou um artigo científico na revista Nature Human Behaviour em que mostra a evolução da desinformação quando o coronavírus SARS-CoV-2 se começou a espalhar pelo mundo. Concluiu-se que, em muitos países, nas primeiras informações a circular sobre o vírus havia uma mistura entre informações fiáveis e pouco fiáveis. À medida que a epidemia se foi espalhando localmente, na maioria dos países, observou-se que a desinformação no Twitter se foi reduzindo de forma significa. 

“Durante a [pandemia de] covid-19, governos e o público não estão a lutar só contra a pandemia, estão também a lutar contra uma infodemia co-evolutiva – isto é, a disseminação rápida e de longo alcance de informação com qualidade questionável”, refere-se no início do artigo científico. De forma semelhante às epidemias, as infodemias podem ser encaradas como surtos de rumores falsos e informações pouco fiáveis, acrescenta-se. “Uma infodemia é o resultado da acção simultânea de múltiplas fontes humanas e não-humanas de notícias pouco fiáveis ou enganadoras em tempos de grande abundância de circulação de informação.”

Para avaliar os riscos da infodemia na resposta à covid-19, a equipa analisou mais de 100 milhões de tweets por todo o mundo durante as fases iniciais da epidemia nos países, concretamente entre 22 de Janeiro e 10 de Março de 2020. Avaliou-se, portanto, a disseminação da covid-19 antes da Organização Mundial da Saúde a ter declarado como uma pandemia (tal aconteceu a 11 de Março).

Na avaliação dessas publicações no Twitter, desenvolveu-se o Indicador de Risco de Infodemia (IRI), que estima quão provável uma publicação é pouco fiável e quantifica de que forma um utilizador está exposto a essa informação. Para calcular o IRI, comparou-se o número de seguidores que partilhavam desinformação contra o número de seguidores que partilhavam informação fiável.

Concluiu-se que a quantidade de desinformação sobre a covid-19 partilhada no Twitter mostrava uma “clara variabilidade entre os países”, indica Riccardo Gallotti, primeiro autor do artigo e investigador do CoMuNe Lab da Fundação Bruno Kessler, em Trento, Itália. Enquanto alguns países foram “profundamente afectados” pela infodemia na fase estudada, outros foram “imensamente contidos”.

O investigador faz esta avaliação a partir do Indicador de Risco de Infodemia, que é quantificado de 0 a 1. Os países com o IRI mais elevado (valores superiores a 0,6) foram o Peru, a Venezuela e o Irão, o que quer dizer que estão expostos a mais desinformação. Já os países com o IRI mais baixo (valores inferiores a 0,01) foram a Singapura, o Qatar e Hong Kong. Portugal teve um IRI de 0,17, o que é ligeiramente abaixo da média global de 0,22 – que corresponde precisamente ao valor dos Estados Unidos. Já Espanha tem um IRI de 0,04, um valor mais baixo do que o de Portugal.

Um conselho simples

Quanto à evolução da circulação da informação sobre a covid-19, a equipa teve uma surpresa. Ao contrário do que esperava, no geral, viu-se que quando um país registava os primeiros casos de covid-19, havia uma tendência para a quantidade da desinformação a circular diminuir. A informação fiável vinda de fontes credíveis tornava-se dominante. “Em muitos países, a primeira informação a circular [sobre a covid-19] mostrou uma mistura entre informações fiáveis e pouco fiáveis, o que tornava difícil aos utilizadores saberem quais eram as informações bem fundamentadas sobre as quais poderiam basear o seu comportamento”, explica Riccardo Gallotti. Depois, à medida que a epidemia se espalhava a nível local, na maioria dos países a desinformação a circular no Twitter reduziu-se significativamente.

Riccardo Gallotti adianta que grande parte da desinformação observada estava ligada a notícias de órgãos com inclinação política. A equipa classificou essa informação como “pouco confiável”, pois o seu conteúdo pode ser tendencioso com o objectivo de apoiar a agenda política de um partido. “Observámos valores maiores do IRI em países onde os líderes políticos espalham activamente informação enganadora e questionavam a necessidade de monitorizar o desenvolvimento da difusão da epidemia.”

E como é que se podem mitigar os efeitos da infodemia? Riccardo Gallotti dá um conselho simples: se não se tem a certeza se a fonte de uma notícia ou publicação é fiável, o melhor é não a partilhar. A equipa continua a monitorizar a infodemia e com dados já depois de 10 de Março, mas o investigador diz que ainda não está pronto para os comentar. Em futuras investigações pretende-se, por exemplo, compreender melhor o papel de “agentes artificiais” (bots) na infodemia.  

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