Acabou a Up, revista da TAP que nasceu para “mostrar ao mundo o melhor de Portugal”

A directora da revista mostra-se “triste” com a decisão da TAP. “Não entendo”, diz Paula Ribeiro, que pensou e “bordou” durante 13 anos a Up , que acaba de ganhar mais um “óscar” de melhor revista de bordo da Europa.

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Treze anos, 150 revistas, mais de 25 mil páginas e mais de 600 destinos. Chegou ao fim a edição impressa da Up — de seu nome completo Up, Ouse Sonhar mais Alto — revista distribuída mensalmente a bordo dos aviões da TAP. “Foi uma aventura maravilhosa, muito intensa e muito boa”, descreveu à Fugas Paula Ribeiro, directora da Up que assume ser “viciada em Portugal”, onde vive há 34 anos, país “bonsai” ("árvore pequenina de raízes enormes") e o grande protagonista da revista desde 2007. “A função da Up era essa: Mostrar ao mundo o melhor de Portugal. Não invento nada. Está tudo aqui”.

O último número da Up, cujo tema de capa foi a Madeira, saiu no dia 1 de Março, pouco antes de ter sido decretado em Portugal o estado de emergência, situação excepcional com “impacto muito significativo” na operação da transportadora, segundo comunicado da TAP. Essa “situação de força maior” chamada covid-19 acabaria por ditar a suspensão da produção e publicação da revista bilingue cuja redacção incluía cinco jornalistas, uma directora de arte, dois designers, uma secretária e dois revisores, isto para além dos colunistas e produtores de moda convidados.

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Capa Lisboa: StoryTailors desenharam a saia com o poema Lisboa Revisitada

Cerca de oito meses depois da paragem forçada, a TAP decidia assim cancelar definitivamente a Up no seu formato actual, optando a administração por lançar um concurso tendo em vista a produção da revista em formato digital, “tendência global das suas congéneres, para o caminho da sustentabilidade e protecção ambiental”, explica a TAP, que há dias recebeu três distinções nos World Travel Awards, uma delas precisamente para a melhor revista de bordo.

A Up foi a oitava revista de Paula Ribeiro, 61 anos (Exame, Activa, Cosmopolitan, Ícon e Grazia pelo caminho), que prefere dizer que já em Janeiro deste ano havia sinais de mudança por parte da TAP em relação a este projecto e que a sua equipa “podia fazer a revista mais 13 anos sem se repetir”. “Não entendo porque é que a TAP quis terminar a Up”, lamenta.

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Paula Ribeiro: "Foi uma aventura maravilhosa, muito intensa e muito boa" DR

A TAP justifica assim a sua posição: “Para além de a operação da TAP continuar a registar níveis significativamente inferiores aos anteriores a Março de 2020 (mês em que a OMS declarou a existência de uma pandemia) e da manutenção de diversas restrições governamentais aplicáveis a voos comerciais, a produção da revista Up encontra-se ainda afectada pela implementação pela TAP de instruções emitidas por organizações internacionais do sector do transporte aéreo no sentido de estabelecer procedimentos paperless e contactless a bordo”.

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Capa Nova Iorque: a tiara da "Estátua da Liberdade" foi criada pelo joalheiro Valentim Quaresma

A Up “era um sonho”, diz Paula Ribeiro ao telefone com a Fugas depois de uma noite mal dormida assombrada pela mancha vermelha que ia preenchendo o mapa norte-americano. Há 13 anos, o mundo era outro. A TAP chamou a directora brasileira para refrescar a Atlantis, revista que tinha 26 anos de vida. As fardas da TAP ("as mais lindas do mundo") tinham new look. A revista de bordo, seis edições por ano, seria a última etapa do rebranding. “Devia ser uma revista nova”, alegou em resposta.

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Capa Berlim: evoca a cidade em permanente renovação abençoada por um anjo

“Quando cheguei à TAP, que é um mundo, caiu a ficha. ‘Como é que se faz uma revista que atenda os anseios de um CEO de uma multinacional e os de uma dona de casa açoriana que vai aos EUA visitar a filha?’” Paula lembra-se de voltar ao Brasil para um seminário sobre publicidade e de lá ter ouvido alguém dizer que nenhum de nós pertence a um só grupo. “Quase gritei ‘é isso!’ A única coisa que posso garantir é que o meu leitor vai estar dentro de um avião da TAP.” Na sua cabeça surgira “o embrião” de uma revista composta por cinco blocos que juntos fazem um voo — e com o melhor de Portugal lá dentro.

Paula lembra-se de num dos primeiros pitchs alguém ter questionado essa opção editorial. “Quanto tempo acha que consegue mostrar melhor de Portugal sem se repetir?”, perguntaram da plateia. “Acho que uns 30 anos”, respondeu. “Só o tempo dirá quem tem razão”, recorda. A TAP aprovou o projecto. Não passou o nome proposto: Upgrade. Caiu parte. Salvou-se Up (até há pouco estava um poster do filme homónimo da Pixar ao lado das 150 capas da revista emolduradas). Ao terceiro número, no dia 1 de Janeiro, António Monteiro, então director de comunicação, convidou-a para um almoço, “pediu um bom vinho” e propôs um brinde, parabenizando-a. “Ficámos muito amigos”.

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Capa Grande Porto: Miss Susy materializou o porto de Leixões num chapéu

A Up, sublinha, também nasce num momento em que há uma mudança na forma como Portugal se mostra ao mundo. “Esse crescimento exponencial de Portugal como destino é paralelo à história da Up, diz a sua directora, recordando o trabalho no terreno de Adolfo Mesquita Nunes, então Secretário de Estado do Turismo, bem como do actual presidente do Turismo de Portugal, Luís Araújo. “Elevou-se o padrão”, diz a directora da Up, que há dias recebeu pela oitava vez um dos World Travel Awards para a melhor revista a bordo (seis vezes da Europa e duas vezes do mundo). “Enviei um mail ao director a explicar que a revista já não existia. Ele respondeu simpaticamente a dizer que está a pensar eliminar a categoria”.

Em breve, as capas da Up vão estar num livro (Paula Ribeiro também vai partilhar com Inês Meneses um programa de rádio sobre palavras). Dificilmente voltarão às bolsas à nossa frente no avião. “Se há lugar onde fará sentido haver uma revista em papel, um sítio onde o papel ainda concorre com os monitores, é num avião. No início da Up, o meu marido disse uma frase muito engraçada ‘A Up é o seu sonho da tua vida: O leitor está amarrado à cadeira e não poder sair.’”

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Capa Chicago: A equipa Up queria o sorriso da Josiane

Paula, que trabalhava com oito meses (oito edições) de antecedência — “um crochet” desenhado a quatro mãos com a directora de arte Raquel Porto —, nunca pensou ter uma revista com um milhão e setecentos mil leitores. “Um orgulho”, resume. “Nunca tive tanta liberdade para trabalhar como na Up. Foram anos muito, muito maravilhosos. Como tudo que é muito bom, quando acaba é muito triste. Passei os últimos meses muito triste. Está na altura de virar a página”.

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