Vítor Poças: “Portugal está a fazer gestão ruinosa da floresta”

“Um país que não acautela um dos seus recursos mais importantes, como é a floresta, está a fazer gestão ruinosa”, acusa o presidente da Associação dos Industriais de Madeira e Mobiliário de Portugal. A escassez de matéria-prima em Portugal está a ditar o encerramento de serrações e a crescente importação de madeira.

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Nelson Garrido

Vítor Poças é presidente da Associação dos Industriais de Madeira e Mobiliário de Portugal (AIMMP) desde 2011. Já viu “queimar o Pinhal do Rei” e encerrar centenas de serrações. E não acredita, nem em “slogans”, nem na gestão da floresta “a partir da Praça do Comércio ou da Rua do Século”. Quer “ver plantar árvores e abrir caminhos e aceiros corta-fogo”, promover o “emparcelamento” e uma floresta “regionalizada”, em articulação com municípios e juntas freguesia. O mobiliário cresceu 1000 milhões de euros nas exportações nos últimos oito anos, mas o industrial avisa: “Se continuarmos a queimar a floresta, vai ser difícil continuar a fazer o milagre da multiplicação do produto florestal em móveis e produtos de madeira”.

A AIMMP define-se como a única associação empresarial no sector de âmbito nacional e com uma perspectiva de fileira. Quem representam, exactamente?

A associação foi criada [em 1957] para representar as serrações, que era o que existia. Entretanto, houve um despacho do Governo para [poder] representar todas as indústrias de base florestal, excepto a celulose, o papel e a cortiça. Hoje, está dividida – e muito bem – em cinco divisões sectoriais. A primeira, o corte, abate, serração e as embalagens de madeira (a primeira transformação); a segunda, os painéis, derivados de madeira e energia de biomassa (segunda transformação); a terceira, que representa as carpintarias e afins, e dentro das carpintarias há uma tipologia muito grande de indústrias, desde as fábricas de urnas às fábricas de portas, mobiliário de exterior, etc. Depois temos a divisão do mobiliário e afins. E temos ainda a divisão da exportação, importação e distribuição de madeiras e derivados. Tem sede no Porto e delegações em Leiria e Lisboa.

Estamos representados em termos internacionais nas principais confederações do sector, designadamente na Confederação Europeia da Indústria de Madeira, da qual sou vice-presidente já há muitos anos, e também na Confederação Europeia da Indústria de Mobiliário e na Federação Europeia de Fabricantes de Paletes e Embalagens de Madeira. E ainda estamos ligados à EPAL (European Pallet Association), proprietária da marca das famosas europaletes, que representamos em Portugal e cuja inspecção é feita, neste momento, pela Bureau Veritas.

Em Portugal, estamos na Confederação Empresarial de Portugal e na Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário. E temos o Centro de Formação Profissional das Indústrias de Madeira e Mobiliário, em parceria com o Instituto de Emprego e Formação Profissional, e estamos no Centro Pinus e noutras associações.

Exportações cresceram 1000 milhões nos últimos oito anos

Quantas empresas agrega a AIMPP e quantos postos de trabalho asseguram?

No sector a nível nacional há mais de 6000 empresas, que representam cerca de 55 mil postos de trabalho directos. No ano 2019 atingimos 2,6 mil milhões de euros de exportações, num universo de mais de 3,7 mil milhões de volume de negócios. Na AIMMP temos 700 associados efectivos, pagantes.

Como estão as exportações este ano? Há seguramente um antes e um depois da pandemia.

Há, claro. Em Fevereiro estávamos a crescer na casa dos 3% e, em Agosto, estávamos a perder 20% relativamente ao ano anterior.

A tendência das exportações nos últimos anos era de crescimento?

Este sector cresceu mil milhões de euros nos últimos oito anos. Mil milhões de euros de exportações. É um case study em Portugal. Não conheço outro sector igual. E repare: cresceu mil milhões de euros sobre 1600 milhões.

Dentro das cinco divisões sectoriais da vossa actividade, em qual delas se sentiu mais esse crescimento nas exportações?

No mobiliário. Claramente. E dou-lhe todos esses indicadores, até para se fazer a transição para o tema da floresta e se perceber como é que, mesmo ardendo e queimando a floresta, o sector foi capaz de se reinventar e de aumentar mil milhões de euros as suas exportações. E também para explicar ao país que, se continuarmos a queimar a floresta, vai ser difícil continuar a fazer o milagre da multiplicação do produto florestal em móveis e produtos de madeira.

“Estamos a fazer gestão ruinosa”

A falta de matéria-prima – madeira – é um problema há vários anos, do qual todos os agentes do sector se queixam e que, com o problema dos incêndios, se tem agravado mais. Como lidam com este constrangimento?

A nossa associação é de fileira. Representamos o sector desde o corte, o abate [das árvores] na floresta, toda a primeira e segunda transformação [de madeira] até à comercialização e exportação dos nossos produtos. Nesta visão de fileira, como presidente da AIMMP, tenho de ter uma visão transversal. Sei que aquilo que fizermos à floresta de bem ou de mal tem repercussões em toda a cadeia de valor e em toda a indústria. Mas também tenho de fazer análises casuísticas e segmentadas daquilo que é o nosso sector.

[Somos] um país que não acautela um dos recursos mais importantes de que pode dispor – e nós sabemos que o nosso clima e o nosso solo são propícios a termos uma boa floresta. Estamos a fazer gestão ruinosa de um dos bens mais importantes para a economia portuguesa.

No cluster industrial de base florestal temos basicamente três grandes fileiras: a indústria da madeira e mobiliário, propriamente dita, que nós, AIMMP, representamos e que exporta 2,63 mil milhões de euros. Temos depois a indústria da cortiça, que representa exportações na casa dos 900 milhões e que deve estar perto de atingir os mil milhões. E temos depois a celulose e pasta de papel, que anda também na casa dos 2,66 mil milhões de exportações. Portanto, se somar estes valores, dá cerca de 6,2 mil milhões de euros de exportações. Isto deve representar cerca 10,5% das exportações portuguesas de bens.

Estamos a falar de um cluster florestal industrial muito, muito importante para o país. Já para não falar nas outras actividades ligadas ao turismo, aos desportos florestais, ao carbono, à biodiversidade, à protecção do ambiente e contra as alterações climáticas. E talvez seja essa a razão pela qual o actual Governo passou a área das florestas para o Ambiente, porque me parece que viram por ali um caminho para poder justificar a floresta junto da União Europeia, já que agora se fala em economia circular, sustentabilidade, combate às alterações climáticas, bioeconomia, etc. Quando começámos a perceber que a União Europeia está muito vocacionada para esses assuntos, é normal que haja dinheiro. E nós estamo-nos a pôr a jeito para receber dinheiro.

Está a dizer que o Governo terá visto na mudança de tutela política das florestas do Ministério da Agricultura para o do Ambiente uma janela de oportunidade para poder receber mais fundos europeus?

Foi um modus operandi. E até já lhe referi isso.

Sim, em declarações ao PÚBLICO em Junho foi muito crítico dessa decisão política.

Para mim, tanto me faz [a floresta] estar num lado como no outro. O importante é que seja bem gerida. Não é pelo facto de estar na Agricultura ou no Ambiente que pode ter melhor ou pior gestão. É como haver um bom presidente de uma empresa ou um mau presidente. Ou um bom primeiro-ministro e um mau primeiro-ministro. Não é pelo facto de ele estar em São Bento ou em Campanhã que é bom ou mau. A questão que se põe é se se tem ou não capacidade de gerir. Do ponto de vista da proximidade ao agricultor – em Portugal temos cerca de 350 mil proprietários florestais e a maior parte deles são agricultores e silvicultores –, faria todo o sentido que as florestas estivessem na Agricultura. Não me choca que estejam no Ambiente, se o Governo disser “nós por aqui vamos buscar mais dinheiro e dá-nos mais jeito”.

Mas a questão é se vamos buscar mais dinheiro ou a forma como esse dinheiro vai ser aplicado?

Eu diria que, quando se canaliza o dinheiro para a floresta, ele acaba por beneficiar a indústria também. Quando se diz que vamos fazer mosaicos florestais, o importante é se o recurso está disponível ou não. Se lhe chamam mosaico ou outra coisa, não interessa.

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"Neste momento, o terreno florestal é lume nas mãos para o proprietário", acredita o presidente da AIMMP. "Não lhe rende nada. E ainda tem de pagar os impostos. A indústria é que lhe pode dar rendimento." nelson garrido

“O país não está a aproveitar o potencial da floresta”

Retomo uma frase sua: “Um país que não acautela um dos seus recursos mais importantes está a fazer gestão ruinosa.” Estamos a fazer gestão ruinosa e a desaproveitar o recurso que é a floresta?

Absolutamente. Vamos lá ver: nós, indústria, estamos a aproveitá-la.

Refiro-me ao país. O país está a desaproveitar a floresta?

Está. O país não está a aproveitar o potencial do recurso que é a floresta. A floresta é renovável. Se eu não plantar árvores, não vou ter árvores. Para fazer floresta é preciso plantar árvores e não queimar as existentes. E nós não estamos a fazer isso. Aliás, estamos a queimar árvores e não estamos a plantar. Não preciso de mais slogans e frases bonitas. O que quero é ir do Porto a Lisboa ou de Lisboa vir para o Porto e ver máquinas no terreno a plantar árvores, a cuidar da regeneração natural, a abrir estradas e caminhos florestais e aceiros corta-fogo, a criar zonas de vigilância e de protecção da floresta contra o crime. Estou farto de conversa.

E quando faz essas viagens pelo país não vê nada disso?

Não vejo. Não se plantam árvores. Vamos ser honestos, todos. Não vale a pena ter mais milhões. É que não só não plantam árvores como, ainda por cima, as que existem ardem. Já fomos capazes de queimar o Pinhal do Rei. Está tudo dito. Vamos ser práticos: o que o país precisa é de encontrar um modelo de governação da floresta que vá ao encontro do aumento da disponibilidade desse recurso. É disto que precisamos. É importar um modelo de gestão. Temos falta de governance. E não é só na floresta. A floresta é um exemplo claro de falta de governance.

Mas a floresta em Portugal é, na sua grande parte, propriedade privada. Como é que o Estado intervém na gestão de algo privado?

Essa pergunta é o pilar da estruturação acerca do papel do Estado. Nós temos um país muito by the book, que está a percorrer caminhos complicados do ponto de vista do reforço do papel do Estado. Parece que agora o Estado é o solucionador de todos os problemas, mas, para as empresas, é o grande dificultador da resolução dos problemas. Vivemos num país do coitadinho. Ou do coitadinho ou do público. Quando o privado quer intervir e fazer um investimento, tem mil problemas à frente e não consegue fazê-lo. Está demonstrado que não é possível através da iniciativa privada, sozinha, conseguir um modelo de gestão da floresta que seja rentável. Não é possível. Por muitos motivos, mas, desde logo, por causa dos licenciamentos, das licenças, das dificuldades, da propriedade.

“FlorestGal não está a funcionar”

Como se contorna esse problema?

O Estado tem de encontrar uma forma. E há um veículo, que eu propus e o Estado criou, só que não está a funcionar, que é uma empresa de gestão florestal [FlorestGal]. É uma vergonha. Não está a desempenhar o seu papel. Mas num país retalhado, onde a propriedade é muito pequena e onde existem milhares de conflitos porque uma parcela tem cinco donos e outros casos assim, não vai haver gestão florestal. Portanto, o Estado tem de promover obrigatoriamente o emparcelamento florestal, no sentido de criar unidades com gestão profissional e com dimensão suficiente para serem rentáveis.

Atenção: não estou a dizer que a floresta tem de ser pública. O que estou a dizer é que o Estado tem de encontrar uma forma de solucionar o problema que o privado não consegue, porque não tem poder para chegar a um concelho como Pedrógão – e eu dei esta ideia aquando dos incêndios – para comprar ou emparcelar ou permutar. E estas são formas de se encontrar uma plataforma de junção de terrenos para que ganhem dimensão. Este é o primeiro ponto basilar. Enquanto as unidades forem de um, dois, três, quatro hectares e com quatro ou cinco herdeiros, não vai haver nunca floresta. Não vale a pena. Tem de se encontrar uma forma de se fazer aglutinação de parcelas.

A questão é como isso se consegue, sabendo-se o apego que as pessoas têm à sua propriedade.

Há milhões de metros quadrados de terrenos. Hoje consegue-se comprar terreno florestal entre os 20 e os 50 cêntimos [o metro quadrado] onde quiser. Se se multiplicar isto por, por exemplo, um milhão de hectares, podia-se ter uma empresa de gestão pública brutal com um investimento reduzido. Reduzidíssimo. As pessoas é que ainda não fizeram contas, porque hoje em dia compram-se terrenos florestais baratos, ao preço da chuva. E seria possível com os proprietários. “Não quer vender? Então, vamos permutar. De onde é? É de Aveiro? Vou-lhe dar um terreno em Viseu em zona de construção.” São exemplos. O Estado tem de encontrar formas de solucionar o problema do proprietário, sem o prejudicar, porque ele tem direito ao terreno. Quantos proprietários há em Portugal que têm 100 hectares, mas divididos e distribuídos? Já viu se esses proprietários estivessem disponíveis para juntar esses 100 hectares numa única parcela? E estavam. E se não estavam disponíveis tinham de ser aliciados a fazê-lo. Há muitas situações em que era possível, em negociação com os proprietários florestais, encontrar caminhos e soluções para esses proprietários e para o interesse público. A situação da propriedade tem de ser a pedra basilar disto. Com emparcelamento, compra, permuta, o que seja.

Presumo que já tenha apresentado estas propostas ao Governo.

Das minhas intervenções públicas, muitas delas foram imediatamente acatadas, no próprio dia ou no dia seguinte, pelo senhor primeiro-ministro e pelo senhor Presidente da República.

“Vamos ter floresta onde, com esta mentalidade?”

Acatadas em que sentido? Concordam com elas?

Concordam com elas e até já os vi dizerem na televisão algumas coisas que eu tenho dito. Até sobre a empresa de gestão florestal [FlorestaGal], que não sei porque não avança. Dou-lhe até uma outra ideia com a qual o senhor Presidente da República se mostrou inteiramente de acordo comigo numa intervenção que fez posteriormente: como é possível fazer gestão florestal onde se tem caminhos do tempo de há 50 anos onde só passavam carros de bois e hoje não passa um tractor ou um carro de bombeiros ou um jipe da Polícia para fazer vigilância? É fundamental por máquinas a abrir caminhos, para facilitar a plantação, a manutenção, o corte, abate e exploração, e para facilitar a vigilância e o combate aos incêndios. Os bombeiros partem os carros todos, partem eixos, têm despesas brutas com o combate aos incêndios porque os caminhos florestais são miseráveis.

Quando digo que vou daqui a Lisboa e de Lisboa ao Porto e não vejo nada na mata, bastava que o Governo fizesse um protocolo com as câmaras municipais e dissesse, “Vamos alargar os caminhos florestais para, no mínimo, 5 metros”. Ou seja, colocar máquinas na floresta. E você passava e dizia, “Andam a arranjar esta mata”.

A própria opinião pública ganhava outra consciência, é isso?

Claro. Tomei conhecimento na semana passada de uma propriedade onde andava um empreiteiro florestal a cortar as árvores. E para cortar as árvores pegou num tractorzito para fazer uns caminhos de acesso para ir buscar a madeira, porque a propriedade é muito inclinada. Um vizinho foi fazer queixa. E estes são exemplos que devem ir para a comunicação social, porque as pessoas não têm consciência de que um privado não pode mexer, está de mãos atadas. Quando se chega ao limite de se achar que não se pode abrir um caminho de 2 ou 3 metros de largo para um tractor ir buscar a madeira… Onde estamos? Vamos ter floresta onde, com esta mentalidade?

Portanto, uma primeira prioridade é intervir na propriedade. E não é intervir com violência administrativa, é preciso que isto fique claro. A propriedade privada tem de ser respeitada, mas o Estado tem de ter capacidade de intervir na floresta. É uma questão de interesse público.

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Vítor Poças lamenta a falta de matéria-prima em Portugal, apontando o dedo à falta de gestão florestal: "O país não está a aproveitar o potencial do recurso que é a floresta. A floresta é renovável. Para fazer floresta é preciso plantar árvores e não queimar as existentes. E nós não estamos a fazer isso." nelson garrido

“Há prioridades mais importantes do que o cadastro”

Tudo aquilo de que fala esbarra num problema que Portugal tem há décadas: a falta de cadastro. A maioria das propriedades florestais não está identificada.

Não preciso do cadastro para nada. É uma ideia peregrina, é começar as coisas ao contrário e, mais uma vez, tratar-se as coisas pelas questões administrativas e burocráticas quando o importante é a árvore. Para mim, o importante é o pinheiro, o eucalipto e o sobreiro. São as árvores. Não é importante saber de quem é. O importante é saber se tenho lá madeira ou não.

Pergunto-lhe isto porque, quando defende que o Estado chegue ao pé de um proprietário e lhe diga “O senhor tem as propriedades x, y e z e nós queremos propor-lhe vender, permutar ou emparcelar”, se essas propriedades não estiverem cadastradas…

Sabe o que faz? Quando eu disse uma vez “Façam de Pedrógão Grande um exemplo nacional”, era justamente isto que estava a dizer. Pedrógão ardeu todo e agora que estava queimado circulava-se facilmente para fazer o levantamento – porque antes, com os matos, nem se conseguia ver onde estavam os marcos –, deviam ter feito o levantamento de Pedrógão todo com o apoio da câmara e das juntas de freguesia, que sabem tudo e sabem quem são os proprietários.

E não fizeram levantamento nenhum?

Não. Mas podiam ter feito. Eles sabem quem são os proprietários. Os presidentes de junta conhecem tudo lá na região. E se não conhecem, perguntavam ao Manuel ou ao Joaquim. Portanto, faziam o levantamento e criavam uma primeira unidade de gestão-piloto, de agregação, de compra [de propriedades]. E, aí, já ficavam com o princípio do cadastro daquela unidade. E podiam replicar aquela ideia noutros concelhos do país. Ou seja, à medida que fôssemos criando unidades de gestão de dimensão superior, íamos tendo o levantamento daquelas parcelas. O problema é que queremos ser magnânimos, queremos um cadastro para o país todo. Para quê? Sabe o que vai acontecer quando o Governo tiver aquilo bem identificado? Vai começar a debitar a si, proprietária, mais impostos. E há muita gente que ainda não percebeu.

Não estou a dizer que não quero o cadastro. O que estou a dizer é que há prioridades mais importantes. E o cadastro pode ser importante para as unidades [de gestão florestal] que se vão fazendo. Agora, levantar o país todo para quê? Aconteceu alguma coisa? Plantaram alguma árvore? Não.

Voltamos ao problema de base: a falta de matéria-prima em Portugal. Como se dá a volta à situação?

A questão é que, com isto, temos uma floresta desordenada, que não é produtiva, não é rentável, porque o coeficiente de crescimento das árvores e de produtividade é baixo, podia ser maior. Nestas unidades operativas, era possível, com a escavação, com a ripagem dos terrenos e com adubos e podas, que as árvores crescessem muito mais depressa. É como um jardim. Tudo na vida tem de ser acautelado: o emprego, o namoro, o casamento, um filho. Se não acautelarmos as coisas, elas morrem. Temos de regar. De cuidar. E se temos uma má plantação, se há uma má adequação das espécies aos terrenos, se não fazemos a poda e a monda, não vamos ter produtividade florestal. Além de que temos uma floresta vítima dos incêndios. É curioso: eu vim para a AIMMP em 29 de Julho de 2011. E logo passado um ano ou dois fiz uma tabela de Excel em que se está a verificar direitinho o que estamos a ter: estamos a ter uma floresta de palitos.

“Não temos volume de madeira”

O que quer dizer? O está a acontecer?

O pinheiro-bravo, por exemplo, faz regeneração natural. Mas, quando arde, o pinheiro não serve para mais nada a não ser para cortar. Portanto, é cortado e é consumido na fábrica. E depois vem a regeneração natural, mas são uns palitinhos. E depois diz-se, “Tenho 3,3 milhões de hectares de floresta em Portugal”. É verdade. Mas, essa floresta, o que tem? Tem matos. E palitos. Que não têm valor, porque a floresta, para ter valor, pelo menos para a cadeia de valor que nós representamos, tem de ter um diâmetro acima de 15-18 centímetros. Não interessa nada ter 3,3 milhões de hectares de floresta em Portugal e ser tudo madeira que não tem aproveitamento industrial. E não adianta dizermos que continuamos a ter a mesma área florestal ou, porventura, mais, porque não temos volume de madeira. Se eu tiver palitos, aquilo não tem volume nenhum.

E como é que a indústria se abastece, ao ponto de as empresas conseguirem aumentar em mil milhões as exportações nos últimos oito anos?

O segredo disto é, por um lado, a compra de madeira em Espanha. Conheço uma empresa que gasta 100 mil euros de gasóleo por mês para trazer madeira de pinho de Espanha para cá.

Espanha tem boa madeira de pinho e a preços competitivos?

Tem madeira de pinho, sim. E as papeleiras também compram. Se é competitiva? Tem de ser. Mas há um aspecto que quero focar antes de tudo: já fomos 1200 serrações em Portugal e agora só temos cerca de 400. Portanto, quando me pergunta “Como se resolve?”, respondo: resolve-se fechando. E vão fechar mais. No chamado mercado de concorrência perfeita, não se consegue repercutir o aumento dos preços [da matéria-prima] nos preços dos produtos. Se subir um euro, já não ganha. Se subir um cêntimo já não ganha. Em concorrência perfeita, é o mercado que manda. O que acontece? Se eu subir a matéria-prima um bocadinho, como não consigo repercutir o preço, rebento. Vou à falência. E as empresas vão fechando. Os mais fortes, que vão ficando, têm capacidade para importar madeira. Vão sobrevivendo. Até um dia.

Portanto, primeiro: redução do número de empresas – brutal. Segundo: importação de matéria-prima para as serrações – brutal. Terceiro: importação de madeira para a fabricação de mobiliário – a solução foi aproveitar a cada vez menos madeira que temos.

O que quer dizer com “aproveitar a cada vez menos madeira que temos”?

Por exemplo, temos importação de França e dos Estados Unidos de madeiras nobres (carvalho, cerejeira, nogueira, etc.) e transformação das mesmas em folha. Um toro vai dar umas dezenas de folhas. E vamos fazendo os móveis com cada vez menos madeira maciça, ou seja, [vamos] fazendo os móveis com cada vez mais reciclados e com mais painéis aglomerados de partículas, feitos a partir dos aproveitamentos dos resíduos e da economia circular. Este tem sido o nosso segredo. E apenas se usa a madeira nobre para fazer a folhinha para cobrir o painel.

De resto, do outro lado da indústria, temos o encerramento de fábricas e estamos a ficar com fábrica maiores do que a capacidade de cortar madeira. E isto é solução para o meu país? Não. Porque, no limite, quanta mais madeira eu importar, menos competitividade tenho nos mercados externos. E repare: as empresas que importam madeira de Espanha vão ter de a ir lá buscar, fabricam cá e vão vender as paletes a Espanha e, quando chegam a Espanha, perdem o preço por causa de um cêntimo em cada palete. Veja o limite que nós temos. Estamos a trabalhar em cima do arame. E depois vêm os proprietários queixarem-se “Ah, não pagam…”. O problema é que estamos a ficar um país de miseráveis. Estamos todos a perder. Se o proprietário florestal não tivesse incêndios, mesmo que vendesse a madeira mais barata, vendia muito mais madeira. Porque em vez de ter 400 serrações tinha 1200. Tinha mais exportações e mais capacidade internacional para vender.

Portanto, é um ciclo vicioso?

Tudo isto é um ciclo. Se me queimam a madeira, a matéria-prima, o preço aumenta, desgraçadamente cria até uma injustiça brutal no proprietário, porque um até consegue vender porque o incêndio não o apanhou e outro, que até fez um investimentozinho, ficou sem nada. Quando todos podiam receber algum. Todos podiam vender mais madeira. Há uns anos, o pinho era cortado em monda. Se alguém casava um filho ou queria comprar um apartamento em Lisboa, ia à mata, seleccionava os pinheiros maiores e cortavam aquela madeira. Há muita gente que hoje trabalha em Lisboa que se está a esquecer que quem lhes pagou a casa em Lisboa e o curso foi a floresta. Foram os pais, os velhotes, que venderam os pinheiros para os por a estudar e para os casar. E [com esta monda], passados 10 anos, já tinham madeira para cortar outra vez, porque os pinheiros mais pequenos, passados 10 anos, já estavam do tamanho dos anteriores. Agora, o que acontece? Passa um incêndio, vende uma vez [a madeira] e dizimou. Só tem madeira passados 20 ou 30 anos. Se não voltar a arder. Há locais em Portugal em que já ardeu sete vezes no mesmo sítio nos últimos 20 anos. Basta ir ao site do ICNF. Como é possível isto? Neste momento, o terreno florestal é lume nas mãos para o proprietário. Não lhe rende nada. E ainda tem de pagar os impostos, o IMI. A indústria é que lhe pode dar rendimento.

Diz que em Espanha há madeira disponível. O país abastece a sua própria indústria e ainda tem madeira para exportar. À parte das diferenças na dimensão do território, que modelo de gestão florestal há em Espanha que não há em Portugal?

Não conheço de todo o modelo. Mas sei que na Galiza, por exemplo, foi feito um enorme esforço de combate aos incêndios florestais. E Espanha, além de ter uma área florestal muito maior do que Portugal, tem feito um esforço de ordenamento e de aglutinação. Este trabalho de emparcelamento tem vindo a ser feito, com investimentos na floresta de maior dimensão. Por isso é que acho que temos de começar por aí em Portugal: pelo modelo de governação. Espanha tem apostado na floresta, sobretudo na dimensão das propriedades. E nós não temos outro caminho. Não vale a pena. É o tal problema do governance. E do papel do Estado. Desde logo, não acredito na [gestão da] floresta feita a partir da Praça do Comércio [sede do Ministério da Agricultura] ou da Rua do Século [sede do Ministério do Ambiente e Acção Climática]. A floresta tem de ser regionalizada, desconcentrada. E tem de se trabalhar em parceria com as câmaras municipais. Eu disse isso no outro dia ao senhor secretário de Estado [das Florestas, João Paulo Catarino]. Não é possível fazer floresta sem ter as câmaras e as juntas de freguesia envolvidas nisto. Porque eles conhecem os proprietários e os terrenos como ninguém. E porque têm a capacidade técnica – os bulldozers, etc. – para poderem intervir na floresta. Não estou a perceber como é que o Estado vai fazer intervenção na floresta de uma forma centralizada em Lisboa. E a gerir dinheiro de Bruxelas que depois vai para tudo menos para a floresta. Portanto, só vou ficar convencido quando vir fazer alguma coisa no terreno.

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