As máscaras podem provocar atrasos no desenvolvimento dos bebés?

Os bebés utilizam os rostos de quem deles cuida para aprenderem acerca do mundo. As máscaras padrão eliminariam essas pistas visíveis aos bebés e crianças pequenas e mimetizam algo semelhante a um rosto estático, algo que lhes provoca imenso stress.

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"É recomendável que em casa os pais tenham mais atenção e passem mais tempo a conversar com o bebé" David Veksler/Unsplash

Para onde quer que se olhe, observamos adultos responsáveis a usarem máscaras. Esta é uma excelente notícia em relação ao comportamento das pessoas e vai certamente ajudar a manter o contágio por covid-19 mais controlado, conforme tem sido demonstrado.

As máscaras podem ser diferentes de acordo com o tipo de profissão que cada um tem: profissionais de saúde usam P2 e as pessoas na rua usam máscaras sociais reutilizáveis. Mas existe um grupo de profissionais que precisa de outro tipo de máscaras: as pessoas que cuidam dos bebés e crianças pequenas. Estes deveriam evitar o uso de máscaras padrão, porque isso, entre outros aspectos, elimina a capacidade de o bebé ler e responder às pistas faciais do cuidador. Em particular os bebés com menos de 3 anos, que representam um grupo especialmente vulnerável aos efeitos negativos do uso de máscaras, não para o controlo da propagação do vírus mas para o seu desenvolvimento cerebral.

Nos primeiros anos de vida, mais de um milhão de novas conexões neuronais (entre neurónios) são formadas a cada segundo que passa, uma velocidade jamais atingida em qualquer outra fase da nossa vida. Após esse período, as conexões vão sofrer um processo de especialização e eficiência, o que faz com que muitas delas desapareçam por um mecanismo de “poda neuronal”. Ora, para que este desenvolvimento cerebral se dê na altura certa, ou seja, nesta janela de oportunidade que são os primeiros três anos de vida em que reina o “use ou perca” no que diz respeitos aos neurónios que o bebé tem, é de extrema importância um outro mecanismo: o de “dar e receber”, ou seja, quando um bebé fala ou dá qualquer outro sinal e o adulto responde a essa pista.

Para crianças com menos de três anos, o desenvolvimento do cérebro é extremamente sensível às pistas sociais — dos seus cuidadores —, e a maioria dessas pistas está no rosto. Estas interacções de ida e volta, este espelhar de expressões faciais dos bebés e vice-versa, do ponto de vista neurodesenvolvimental são consideradas essenciais para promover o desenvolvimento saudável do cérebro – por exemplo, por volta de um ano, os bebés monitorizam o sorriso das mães para perceberem se podem ou não experimentar coisas novas essenciais ao seu desenvolvimento.

Os bebés utilizam os rostos de quem deles cuida para aprenderem acerca do mundo. As máscaras padrão eliminariam essas pistas visíveis aos bebés e crianças pequenas e mimetizam algo semelhante a um rosto estático, algo que da psicologia experimental sabemos que lhes provoca imenso stress.

Ao conviverem muitas horas com pessoas a usar máscaras, as crianças perdem muitas das ferramentas visuais cruciais de que necessitam para o desenvolvimento da linguagem, já que os bebés usam uma combinação de sinais auditivos e visuais para aprender a falar. Para distinguirem sons do tipo “ba” e “da”, os bebés olham para a boca de quem interage com eles. Ao nível do desenvolvimento da linguagem, os bebés entre os quatro e os oito meses de idade concentram-se na boca, e novamente por volta dos 14 meses, quando aprendem palavras, obtendo não apenas pistas auditivas, mas visuais. Por utilizarem tanto essas pistas visuais, os bebés podem ter dificuldade para identificar as vozes dos seus cuidadores quando eles estão a usar máscara.

Décadas de pesquisa mostram que os bebés aprendem coisas únicas através das diferentes partes do rosto, nomeadamente a interpretação do rosto dos que com eles interagem incentiva o desenvolvimento socioemocional por observação das diferentes expressões faciais dos seus cuidadores, o que os ajuda a desenvolver o seu leque de emoções.

Quanto mais novas são as crianças, e quanto mais tempo ficam expostas a rostos vazios de expressão com excepção dos olhos, maior será o risco para o seu saudável desenvolvimento cerebral, com impacto na sua saúde mental para toda a vida.

Enquanto no caso das crianças mais velhas outras pistas mais subtis, como o sorriso do olhar, associadas a pistas auditivas que sinalizam a intenção da comunicação, podem ajudar a preencher esse vazio, no caso dos bebés, extremamente dependentes de estímulos, o desenvolvimento cerebral tem maior probabilidade de ser afectado negativamente.

Então, o que pode ser feito?

A solução é simples. Se os bebés forem expostos a cuidadores com máscaras por longos períodos de tempo, nomeadamente em creches, é recomendável que em casa os pais tenham mais atenção e passem mais tempo a conversar com o bebé. Além disso, o ideal seria o uso de máscaras transparentes, algumas já produzidas em Portugal.

For Babies Brain by Clementina é um parceiro do Pares do Ímpar. Os conteúdos publicados são da responsabilidade da autora. Pares do Ímpar é um projecto de parceria entre o PÚBLICO e criadores independentes de conteúdos em áreas especializadas, complementares ao alinhamento editorial do Ímpar.

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